Almirante preso pela Lava Jato guarda segredos de programa nuclear
Pouco depois de se aposentar da Marinha, em 1994, o almirante Othon Luiz
Pinheiro da Silva foi surpreendido por uma pergunta da plateia ao
concluir uma exposição sobre o programa nuclear brasileiro, em Viena, na
Áustria.
Um americano disse que considerava duvidosas as informações disponíveis
sobre os custos do programa e provocou: "Acho que o senhor está
escondendo o que gastaram". Othon fez um comentário irônico e
desconversou.
Na semana passada, quando foi acusado de corrupção pelos procuradores da
Operação Lava Jato e levado preso para um quartel militar em Curitiba, o
almirante se viu obrigado a enfrentar perguntas embaraçosas novamente.
Os procuradores querem saber por que a firma de consultoria que Othon
criou ao passar para a reserva ganhou R$ 4,8 milhões de empreiteiras que
trabalham para a Eletronuclear, a estatal que ele presidiu nos últimos
dez anos.
Na sexta-feira (31.jul.2015), o almirante de 76 anos disse à Polícia
Federal que se desligou da consultoria ao assumir o comando da
Eletronuclear, e que o dinheiro pago pelas empreiteiras remunerou
serviços prestados pela filha tradutora e pelo genro engenheiro.
Durante o interrogatório, Othon disse que "possui conhecimento que lhe
permitiria ganhar muito mais do que os valores que lhe acusam de ter
recebido", mas não convenceu ninguém. O juiz Sergio Moro, que conduz os
processos da Lava Jato, prorrogou sua prisão até a próxima quinta-feira
(06.ago.2015), para que ele apresente provas do que alegou.
O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva |
Nas décadas de 70 e 80, o almirante chefiou um programa secreto da
Marinha que deu ao Brasil o domínio de uma das tecnologias mais
cobiçadas do mundo, o processo que transforma o minério de urânio no
combustível necessário para que uma usina nuclear produza eletricidade.
A parte mais sensível do programa, o desenvolvimento das centrífugas de
enriquecimento de urânio que aumentam a concentração do material
radioativo encontrado no minério, é tratada como segredo de Estado desde
a ditadura militar (1964-1985), e poucos detalhes sobre ela vieram a
público até hoje, mesmo décadas depois da redemocratização do país.
A Marinha investiu nessa tecnologia por considerá-la uma etapa
indispensável para realizar seu projeto mais ambicioso, a construção de
um submarino de propulsão nuclear, que os militares desenvolvem
atualmente em parceria com a França e uma das empresas investigadas pela
Lava Jato, a Odebrecht.
Engenheiro com especialização no MIT (Massachusetts Institute of
Technology), Othon dirigiu o programa da Marinha de 1979 até a
aposentadoria em 1994. Ele conhece todos os seus segredos, e guarda
vários deles com zelo.
CAIXAS DE DOCUMENTOS
Como confidenciou a um conhecido uma década depois de deixar a Marinha,
Othon guardou dezenas de caixas com documentos do período numa edícula
construída nos fundos da propriedade de um parente, no interior do Rio,
tudo classificado com ajuda de um ex-funcionário. Othon também guarda
cadernos pessoais desde a época em que estava no MIT.
Os documentos preservados pelo almirante incluem cópias de contratos com
fornecedores e informações detalhadas sobre os gastos do programa, que
nunca foram contabilizados de maneira transparente pelo governo. De
acordo com uma planilha guardada por Othon, o programa consumiu US$ 668
milhões (R$ 2,3 bilhões em dinheiro de hoje) no período em que ele
esteve à sua frente.
Quase um terço do dinheiro circulou por contas secretas, incluindo uma
que Othon administrava pessoalmente. A existência dessas contas foi
revelada em 1986, mas o destino dos recursos nunca foi tornado público.
Especialistas estrangeiros sempre desconfiaram que boa parte desse
dinheiro foi usada pela Marinha para comprar clandestinamente no
exterior equipamentos e materiais para o desenvolvimento das
centrífugas, mas poucas pessoas sabem ao certo o que foi feito. Othon
sabe.
No auge do programa, havia mais de 900 pessoas sob o comando do
almirante. Othon e outros oficiais trabalhavam com roupas civis, para
que a farda não intimidasse ninguém. Cientistas da USP e de outras
universidades participaram do projeto.
Othon deixou a Marinha frustrado com a redução dos recursos destinados
ao programa e disposto a mudar de vida. Abriu a consultoria para
trabalhar em projetos do setor privado e tentou ganhar dinheiro com o
desenvolvimento de uma turbina para pequenas centrais hidrelétricas.
A sorte do almirante mudou de novo em 2005, quando o governo decidiu
retomar os investimentos na área nuclear e os petistas entregaram ao
PMDB o controle do Ministério de Minas e Energia.
À frente da Eletronuclear, Othon retomou as obras da usina de Angra 3,
renegociando os contratos das empresas envolvidas com o projeto e
comprometendo-se a entregá-la até 2018. Parecia a pessoa certa para a
missão, até cair na teia da Lava Jato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário