Número de migrantes ilegais chegando à Europa em julho supera o triplo de 2013: 108 mil
Com mais de 340 mil refugiados desembarcando pelo mar, recordes de 2014 são quebrados
Crianças afegãs esperam refúgio em ilha grega: crise só aumenta |
BRUXELAS — Quase 108 mil migrantes entraram ilegalmente na União
Europeia (UE) em julho, segundo dados da agências de fronteiras do
bloco, a Frontex. A quantia, composta principalmente por sírios que
tentam atravessar da Turquia para a Grécia, superou com facilidade a de
julho de 2014 (70 mil) e mais de três vezes a de 2013.
De acordo com a Frontex, os recordes foram nas ilhas gregas no Mar Egeu,
com 50 mil imigrantes chegando principalmente da Turquia. O destino tem
sido mais procurado no verão pela maior facilidade de chegar à União
Europeia, assim como o Mediterrâneo.
Quase 340 mil imigrantes já desembarcaram na UE desde o início do ano,
principalmente através de Itália, Grécia e Hungria. São 175% a mais que
no período equivalente de 2014, quando o ano inteiro — que já quebrara
recordes — teve 280 mil chegando.
A UE afirma que quase 626 mil pessoas solicitaram asilo no mês passado.
Apenas a Alemanha já vislumbra 750 mil pedidos neste ano.
Os aumentos drásticos na crise migratória se devem principalmente à
intensificação dos conflitos no Oriente Médio e em regiões da África.
Somente Síria e Eritreia concentram a maior parte dos refugiados que
arriscam as vidas no mar.
Em Idomeni, fronteira grega com a Macedônia, refugiados atravessam campos de girassóis em busca de refúgio |
GRÉCIA CRITICA QUESTIONAMENTOS. Apenas na Grécia,
21 mil imigrantes desembarcaram na semana passada. O país vive um caos
migratório em pleno período de indefinição total da economia.
Um porta-voz da agência de refugiados da ONU (Acnur) em Genebra disse
que o país precisava mostrar "muito mais liderança" para lidar com a
crise. Mas as autoridades gregas disseram que precisavam de uma melhor
coordenação dentro da União Europeia.
"Esse problema não pode ser resolvido através da imposição de processos
legais rigorosos na Grécia, e, certamente, não levando os barcos de
volta", disse a porta-voz do governo, Olga Gerovassili. "A imigração
também não pode ser abordada através da construção de cercas."
Um imigrante vindo das Ilhas Maurício puxa um barco momentos depois de chegar na ilha grega de Kos |
BERLIM — Alemanha deverá receber 750 mil refugiados
este ano — ministro pede que UE atue e nomeie um comissário para o
problema no continente.
O número de pessoas que chegam à Alemanha em busca de asilo poderá
chegar este ano a 750 mil, de acordo com fontes ouvidas pela mídia
local. A previsão inicial era de 450 mil, mas o governo já trabalha com
um número recorde, de acordo com o jornal econômico “Handelsblatt”.
Em 1992, a Alemanha recebeu 438.191 pedidos de asilo, o que até então
era considerado seu maior índice. Mas o país lida com uma nova onda de
refugiados, que chegam principalmente da Síria e dos Bálcãs.
Em entrevista ao jornal “Die Welt”, o alto comissário para Refugiados da
ONU, Antonio Guterres, disse que mais países da Europa devem dividir as
responsabilidades.
“É insustentável a longo prazo que apenas dois países da UE, Alemanha e Suécia, recebam a maior parte dos refugiados”, disse.
No início de 2015, estavam previstos 300 mil pedidos, mas no início
deste mês o número já havia sido superado. O ministro alemão de
Desenvolvimento, Gerd Muller, fez um apelo para que a União Europeia aja
diante do aumento do fluxo de pessoas.
— A Comissão Europeia deve passar do “modo férias” ao “modo urgência”.
Além disso, precisamos de um comissário europeu para os Refugiados.
As romenas Elena Stanescu e Mariana Ion temem ataques. Xenofobia é temor das autoridades |
ESTOCOLMO — Imigrantes pobres da União Europeia testam
limites da tolerância sueca — cidadãos do bloco se queixam de não
receber os mesmos benefícios que refugiados de fora da Europa.
Após mendigar noite afora em bares e boates, Gheorghe Rancu, migrante
sem-teto da Romênia, dormia certa manhã recente em um parque de
Estocolmo quando acordou e começou a sentir uma dor aguda no rosto.
"Senti a pele escamar, dei um pulo e fechei meus olhos", ele contou,
mostrando o local no parque onde alguém o encharcou com um líquido
corrosivo que a polícia suspeita conter cloro. "Pensei que fosse
morrer."
Graças ao tratamento hospitalar, Rancu conseguiu se livrar das
cicatrizes, mas a agressão, da qual não existem suspeitos, deixou outro
tipo de marca.
"Quando venho para este parque começo a tremer", contou Rancu, que
parece mais velho do que seus 27 anos e diz querer voltar à Romênia
assim que tiver dinheiro.
O ataque no Parque Berzelii foi apenas mais um contra um número
crescente de migrantes ciganos aqui, uma tendência que ameaça a
reputação da Suécia como uma das nações mais tolerantes e receptivas da
Europa.
O fato também alude à peculiaridade do debate sobre as ondas de
migrantes que trazem desafios políticos, econômicos e sociais pelo
continente. Ao contrário dos refugiados da Síria, África e outros
lugares pobres assolados pela guerra que chegam à Europa ilegalmente,
cidadãos de países da União Europeia como a Romênia têm liberdade de ir
aonde quiserem dentro do bloco de 28 nações.
Porém, enquanto os refugiados de fora da Europa que recebem asilo têm
direito a benefícios sociais básicos, os migrantes europeus pobres
desempregados — principalmente os mendigos temporários ciganos —
geralmente têm pouca ou nenhuma ajuda pública.
A Suécia recebeu 31.220 pedidos de asilo em 2014 de refugiados de fora
da União Europeia. Contudo, agora o país está lidando com um influxo de
migrantes de nações mais pobres do sul europeu, como a Romênia, que se
tornaram um barril de pólvora no conflito sobre os limites da abertura e
da generosidade europeias.
"A questão está sendo discutida em todos os cantos da Suécia", disse
Sven Hovmoller, professor de Química da Universidade de Estocolmo e
vice-presidente de uma organização criada para dar apoio a migrantes
sem-teto (HEM).
"Em qualquer lugar do país, onde existe uma loja de alimentos, haverá
alguém do lado de fora mendigando", ele declarou. Isso se deve em parte
ao fato de que os "pobres perceberam que eles também podem circular pela
Europa em busca de um futuro melhor".
Ciganos em acampamento perto de Estocolmo: fluxo tem incomodado autoridades |
A pobreza na Romênia faz desse país um ponto de origem importante para
esse tipo de migrantes, principalmente para os ciganos, muitos dos quais
também enfrentam preconceito; segundo a organização estatística da
União Europeia, a Eurostat, a Romênia tem uma das rendas mais baixas do
bloco de países.
Na Suécia, a questão ajudou a alimentar o crescimento dos Democratas
Suecos, partido de direita, populista e contrário à imigração, que
recebeu 13 por cento dos votos nas eleições nacionais em 2014.
Aconteceram reações políticas semelhantes na Dinamarca, França e
Grã-Bretanha. No último caso, a preocupação com a chegada de operários
da Europa Meridional e Oriental foi um ponto de destaque no debate sobre
a possível saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
"É a maior mudança em décadas", disse Andreas Johansson Heino, diretor
editorial do Timbro, instituto de pesquisa, referindo-se ao crescimento
dos Democratas Suecos. "Na Suécia, a falta de um partido contra a
imigração fazia parte da identidade do país. Nós achávamos que aqui não
existiam esses partidos populistas."
Mendigar não é ilegal na Suécia, mas os Democratas Suecos querem sua
criminalização — ao menos do que o partido chama de forma "organizada". A
polícia disse existir ao redor de quatro mil pedintes na Suécia, dos
quais quase 1.500 vivem em Estocolmo, a capital.
Linda Staaf, chefe da divisão de inteligência do departamento de
operações nacionais da polícia sueca, afirmou que aumentaram os ataques
contra os ciganos e que a opinião entre os suecos está dividida entre os
hostis aos mendigos e quem os vê como pessoas necessitando de ajuda.
Todavia, a visibilidade dos mendigos — geralmente carregando seus
pertences nos conhecidos sacos azuis grandes da Ikea, uma das marcas
mais conhecidas do país – indubitavelmente desconcertou muitos suecos.
Em sua sociedade abastada e bem organizada, a mendicância é rara, de
acordo com Anna-Sophia Quensel, pesquisadora da Expo, organização
fundada pelo escritor Stieg Larsson para combater o extremismo de
direita.
"Isso está dividindo a sociedade em duas", ela afirmou, acrescentando
que os mendigos forçam os suecos a escolher entre se envolver ou ignorar
os pobres, raramente vistos por aqui antes.
"Pedintes só eram vistos no exterior, em países pobres. Nós não somos um país pobre", ela disse.
Entretanto, agora existe um bolsão de pobreza espantosa nos morros de
Hogdalen, a 20 minutos de metrô do centro de Estocolmo, uma das capitais
mais ricas da Europa. Aqui, um grupo de 50 a 60 ciganos mora em
barracos sem água, eletricidade nem esgoto, em uma clareira em meio aos
abetos.
Os homens e mulheres daqui dizem que costumam ficar durante meses,
ganhando dinheiro com a mendicância e recolhendo garrafas vazias que
podem ser trocadas por moedas, antes de voltar à Romênia.
Trabalhadores de entidades de caridade afirmam que embora alguns ciganos
cometam contravenções, eles são os destinatários de algo muito pior.
Segundo as notícias da imprensa, a Expo contabilizou 77 ataques contra
pedintes em 18 meses, ainda que as entidades considerem esse crime pouco
denunciado.
Os ataques incluem um em Malmo, onde os barracos de um acampamento
cigano foram incendiados. Em Boras, um indigente foi atropelado por uma
motoneta. E, em Skara, pelo menos um migrante foi atingido por balas de
chumbinho.
Muitas páginas na internet destacam as reclamações contra os mendigos,
muitas vezes chamados aqui de "migrantes da União Europeia". Para os
ativistas, a polícia dá pouca atenção aos ataques contra os pedintes —
fato negado pelas autoridades.
Enfrentando problemas crescentes, o governo designou um coordenador
nacional, Martin Valfridsson, para cuidar dos cidadãos da UE em estado
de vulnerabilidade.
Ele descreve os crimes de ódio contra os ciganos como "malignos".
Segundo o coordenador, nos últimos meses a Suécia fechou um acordo com o
governo romeno para incentivar a cooperação entre assistentes sociais e
o pessoal da saúde dos dois países. Valfridsson defende mudanças
jurídicas para ajudar a processar migrantes que controlam pontos de
mendicância e exigem uma parcela dos lucros.
Contudo, ele também quer simplificar o processo para que os
proprietários expulsem os mendigos de terrenos invadidos. "Devemos
passar a mensagem de que não é possível morar no meio do mato. Quem vier
à Suécia deve ter o dinheiro suficiente para pagar um camping ou
pensão."
Um refugiado sírio abraça os dois filhos e chora ao conseguir
desembarcar na ilha de Kos, na Grécia, após a travessia em um barco inflável: € 1.160 por pessoa |
LESBOS, GRÉCIA — Intermediários turcos chegam a ganhar €
4 milhões com travessia no Mediterrâneo — mercado se alimenta do
desespero de imigrantes que tentam chegar à Europa em busca de uma vida
melhor.
Uma lancha se aproxima a toda velocidade da costa da ilha grega de
Lesbos. No mastro, ela ostenta uma bandeira americana. O condutor é um
homem musculoso com óculos de sol e boné, acompanhado de um jovem.
Embora finjam sê-lo, não se tratam de turistas, mas sim traficantes de
pessoas com 15 somalis a bordo. A operação tem que ser rápida para que a
guarda costeira grega não os interceptem. Podem pegar 15 anos de
prisão, se capturados. Com o motor ainda ligado, obrigam os imigrantes a
saltar na água em uma área repleta de rochas ocultas pela vegetação.
Nervosos e sem olhar para trás, viram o barco para empreender a fuga e
arrastam consigo um jovem, cujo pé se prendeu na proa da embarcação.
Diante dos gritos desesperados dos imigrantes, os traficantes param a
lancha. O pé do jovem, que luta para não se afogar, é por fim liberado.
Estes traficantes cruzaram os 14 quilômetros que separam a Turquia da
Grécia em 15 minutos.
— Saímos há um mês da Somália, através de Quênia e Irã, até chegar à
Turquia — conta, com respiração ofegante, Mohamed, um dos imigrantes que
estavam a bordo.
Em um quarto de hora, os traficantes embolsaram € 17.500 — € 1.160 por
cabeça. É um negócio capaz de gerar € 4 milhões por mês, e que se
alimenta do desespero de quem foge. É comum um traficante fazer três
viagens por dia, com uma média de 50 passageiros em cada embarcação.
Avistar um traficante é difícil. Com medo dos guarda-costas turcos e
gregos, a maioria faz suas viagens sem obedecer a um padrão. Em
comparação com o ano passado, a polícia grega deteve 727 traficantes de
pessoas, apenas cem a mais que no ano anterior. Enquanto isso, o número
de imigrantes ilegais explodiu de 32 mil para 156 mil.
Esmirna, uma cidade na costa da Turquia, se converteu em um dos
epicentros do negócio. Como se fossem agências de viagens, mediadores
competem entre si e negociam com imigrantes na Praça de Basma. Após
quatro anos como refugiado no Líbano sem ser reassentado na Europa,
Hamzi el-Baradi optou por pagar a um dos traficantes para ser levado até
a Grécia com o filho.
— Negociei € 1 mil para mim e € 600 para o meu filho de 10 anos — conta
Hamzi, que desembarcara de um barco em Lesbos. — Eles nos conduziram por
quatro horas em um furgão com outras 45 pessoas até Istambul. De lá,
nos levaram a um lugar na costa aonde havia três Zodiacs (marca de
barcos infláveis). Zarpamos quando informantes chamaram dizendo que o
caminho estava livre de guardas costeiros.
Afegãos pagam € 750 euros, sírios, € 1 mil. Diante
da alta demanda por seus serviços, os traficantes amontoam seus
clientes. No interior das dezenas de Zodiacs que chegam à costa da
Grécia se lê “capacidade máxima de 13 pessoas.” Pescadores locais
garantem que colocar mais de 35 pessoas em um destes barcos é receita
certa para um naufrágio. Nos barcos dos traficantes, a média é de 65. Há
duas semanas, seis pessoas morreram afogadas. Outras cinco morreram em
um furgão ao fugir da polícia turca.
Os preços variam conforme o país de origem. Os somalis e afegãos, com
menos poder aquisitivo, pagam de € 750 a € 900. Os sírios, € 1 mil.
Poucos podem pagar os € 1.160 a € 1.300 cobrados pelos donos de lanchas,
que percorrem a distância até a Grécia cerca de quatro vezes mais
rapidamente do que um dos barcos infláveis. O único investimento dos
traficantes é um pouco de gasolina e um barco com motor.
Por economizar, é comum que o motor pare no meio do mar, o barco
inflável perca o ar, ou que o carburador simplesmente quebre. Foi o que
aconteceu com a família Nasser. Os patriarcas observavam de Lesbos um
ponto imóvel no mar. Seus filhos estavam a bordo de uma das balsas que
enfrentaram problemas. Eles só chegaram em terra firme uma hora depois, e
contam que, sem combustível, foram obrigados a se atirar no mar e
empurrar o barco.
— Os intermediários são afegãos, somalis ou sírios, mas quem manda, quem
realmente ganha dinheiro, têm escritórios em Istambul — conta Mohammed
el-Morsi, advogado refugiado recém-chegado a Lesbos.
Nas costas gregas, outro negócio começa a surgir. Quando barcos atingem
as rochas, pescadores locais se apressam para retirar os bebês. Depois,
começam a desmembrar as embarcações para aproveitar o material. Os
motores dos Zodiacs valem alguns euros na ilha. Nos países de origem
também há oportunidade de lucro, com falsificadores que cobram de € 200 a
€ 1 mil por passaportes falsos.
Uma vez na Grécia, grupos de imigrantes se dirigem ao norte. De novo,
recorrem aos traficantes para ultrapassar a fronteira entre a Grécia e a
Macedônia. As rotas existem há anos. Antes eram só albaneses e sérvios.
Agora, sírios, afegãos e somalis.
Guarda costeira turca intercepta migrantes no Mar Egeu: cena comum no último mês |
ANCARA — Turquia diz ter resgatado 18 mil migrantes no
Mar Egeu em um mês — Em apenas 30 dias, fluxo de refugiados
interceptados superou os sete primeiros meses do ano.
A Turquia anunciou na segunda-feira (17.ago.2015) ter resgatado cerca de
18.300 migrantes no Mar Egeu em um mês, quantia maior que a dos sete
primeiros meses do ano. O grande fluxo de refugiados à deriva se deve às
tentativas de chegarem à costa grega, porta de entrada para a União
Europeia.
De acordo com os dados compilados pela guarda costeira do país, foram
resgatados entre 17 de julho e 17 de agosto mais de 18.290 imigrantes
ilegais. Isto é metade da quantia total de 2015: desde o início do ano,
pelo menos 36.500 imigrantes foram resgatados no Mar Egeu.
“O governo lamenta o aumento significativo no número de migrantes em
situação irregular (...) desde o início do verão”, diz um comunicado,
referindo-se aos refugiados que tentam chegar à Grécia a partir da
Turquia. “Na maioria dos casos, os migrantes embarcam em barcos
precários que afundam no mar.”
Desde julho, o fenômeno tem se concentrado principalmente entre a cidade
de Bodrum e a ilha grega de Kos. Com embarcações precárias utilizadas
na travessia, muitos acabam naufragando.
Segundo as autoridades turcas, no entanto, a mortalidade de refugiados
diminuiu em relação a 2014 e está abaixo da média de outros países que
enfrentam casos semelhantes.
Mulheres aguardam para desembarcar em Siracusa: quem viaja sozinha é alvo mais fácil de gangues |
POZZALLO, ITÁLIA — Imigrantes são espancados,
torturados e estuprados a caminho da Europa — Refugiados correm risco
antes mesmo de se lançarem ao mar.
Imigrantes são estuprados, baleados e torturados em sua jornada para a
Europa antes mesmo de arriscarem a vida cruzando o Mediterrâneo, revela
uma médica. Ao tratar de homens, mulheres e crianças que chegam à
Itália, Anna Crepet, dos Médicos sem Fronteiras (MSF), se sente “em uma
zona de guerra”.
No porto siciliano de Pozzallo, muitos imigrantes chegam com ferimentos
que podem ser fatais, mas que só são tratados quando estes alcançam
segurança.
— Às vezes parece que estamos trabalhando em uma zona de guerra, mas
acho que é ainda pior, porque vemos casos que não receberam tratamento
por semanas — conta. — Vemos fraturas resultantes de espancamento,
muitas feridas de tiros. Encontramos balas nos músculos e sob a pele.
Ela lembra de um homem que chegou à Sicília com um buraco de bala que
atravessou uma coxa e se alojou na outra perna. Mas algumas feridas são
mais difíceis de serem notadas. Crepet diz que grande parte das mulheres
que fazem a travessia de suas casas na África ou no Oriente Médio é
estuprada no caminho, muitas vezes chegando grávidas à Itália.
— Elas costumam falar muito pouco sobre o que passaram, mas algumas
vezes identificamos marcas do estupro — comentou. — Sabemos que a
maioria das que chegam sozinhas deve ter sido estuprada. E não são
poucas que viajam assim.
Crepet já ouviu relatos de tortura, de imigrantes sendo estuprados
diante dos familiares, fossem homens ou mulheres. Alguns com apenas 13
anos.
As histórias são similares: sequestros, feitos reféns e espancados por
gangues na Líbia que exigem dinheiro. Mesmo antes de chegarem ao país,
de onde muitos barcos de traficantes partem em direção à Europa, pessoas
originárias da África subsaariana ou do Oriente Médio passam semanas em
picapes superlotadas.
Para a médica, o Saara é “uma das partes mais fatais da jornada”, com
muitos imigrantes sendo assassinados ou morrendo em acidentes de carro
ou de desidratação.
Ela conheceu um eritreu que teve a perna amputada, após cair do caminhão
e ser atropelado. Um adolescente da Somália contou que quando seu grupo
chegou à Líbia foi sequestrado e cada um foi obrigado a pagar mais US$
300. Uma das mulheres, após ser solta, tentou se matar.
— Não podíamos falar entre nós e apanhávamos constantemente — contou o jovem, que só foi solto após a mãe enviar o dinheiro.
Imigrantes que tentavam chegar à Europa são resgatados pela Marinha Italiana |
ROMA — Ao menos 40 imigrantes morrem sufocados em barco
lotado no Mediterrâneo, diz Marinha italiana — Vítimas morreram depois
de ficarem presos no porão de embarcação ilegal que tentava chegar à
Europa.
Pelo menos 40 imigrantes morreram depois de, aparentemente, ficarem
presos no porão de um barco no Mediterrâneo, informou no sábado
(15.ago.2015) a Marinha italiana. Segundo a imprensa local, as vítimas
teriam ficado sufocadas e não resistiram à arriscada travessia, que já
fez milhares de vítimas só neste ano.
“Operação de resgate em andamento em um barco. Muitos imigrantes e pelo
menos 40 mortos”, disse a Marinha em uma mensagem em sua conta no
Twitter.
O porta-voz da Marinha, Costantino Fantasia, informou que o navio levava
312 passageiros, entre eles 45 mulheres e três crianças, quando se
deparou com dificuldades. Segundo ele, os mortos estavam “supostamente
no porão”, mas não deu mais detalhes porque a operação de resgate ainda
estava acontecendo.
A embarcação estava a cerca de 30 quilômetros da costa da Líbia, na rota
classificada como a mais mortífera para os refugiados que buscam uma
vida melhor na Europa. Só neste ano, mais de 2.100 imigrantes morreram
no mar Mediterrâneo tentando fazer a travessia em barcos conduzidos por
traficantes e contrabandistas.
Além do risco de afogamento, muitos correm o risco de morrerem sufocados
ou queimados nos porões das embarcações. Segundo relatos dos
sobreviventes, a parte de baixo do assoalho dos barcos ficam lotadas de
refugiados, que pagam menos pela viagem. Muito deles são pessoas que
tentam fugir da guerra, perseguição e pobreza no Oriente Médio, África e
Ásia.
Cerca de 340 mil imigrantes chegaram à União Europeia nos sete primeiros
meses deste ano, somando quase o triplo do índice no mesmo período no
ano passado, segundo dados da Agência Europeia de Fronteiras (Frontex).
As cifras não param de subir por conta das tentativas de chegada pelo
Mar Mediterrâneo, o que a Comissão Europeia chamou de maior crise do
tipo desde a Segunda Guerra Mundial.
A migração em massa que vem tomando a Europa está especialmente intensa
nesse verão. Somente em julho, foram registrados mais imigrantes que em
todo o ano de 2013 (107.500), de acordo com o diretor adjunto da
Frontex, Gil Arias.
Imigrantes chegam a ilha grega de Kos depois de uma travessia arriscada pelo Mediterrâneo |
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