Cerveró revela que assinou contrato superfaturado para pagar dívidas da campanha de Lula
O ex-diretor da Petrobras está prestes a
assinar acordo de delação premiada, no qual conta que os contratos
foram direcionados à construtora Schahin com o propósito de saldar
dívidas da campanha presidencial petista em 2006
A revista "Veja" afirma que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, ao
negociar acordo de delação premiada, afirmou que a estatal beneficiou a
construtora Schahin em um contrato de compra e operação de um
navio-sonda em 2007 com a finalidade de saldar dívidas da campanha
eleitoral de Lula no ano anterior.
A reportagem afirma que o então presidente da Petrobras, José Sérgio
Gabrielli, "incumbiu pessoalmente" Cerveró de acertar a negociação.
Ainda de acordo com a revista, a escolha da construtora ocorreu também
por influência de José Carlos Bumlai, amigo de Lula, que havia adquirido
um empréstimo do banco Schahin, que pertence ao mesmo grupo.
A compra do navio-sonda já é alvo de um processo na Justiça Federal do
Paraná em que Cerveró é réu junto com outras três pessoas. Na ação, o
Ministério Público Federal afirma que a Samsung Heavy Industries pagou
propina para conseguir o negócio. Um documento citado na peça diz que a
empresa Schahin Cury seria sócia-operadora da unidade, mas a
participação dela não está detalhada no processo.
De acordo com os procuradores, o preço de aquisição do navio-sonda foi
superior em US$ 30 milhões ao de uma unidade idêntica contratada
anteriormente. O empresário Julio Camargo, um dos delatores da Operação
Lava Jato, afirmou em depoimento que intermediou a negociação e que fez
pagamentos fora do Brasil ao lobista Fernando Soares, conhecido como
Fernando Baiano, suspeito de repassar valores a Cerveró.
Procurada, a defesa de Cerveró disse que não iria se manifestar. À
Justiça os advogados dele negaram que o ex-diretor tenha cometido
irregularidades na aquisição do navio-sonda e afirmaram que as decisões
da companhia eram colegiadas.
Nestor Cerveró: o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli o incumbiu pessoalmente de cuidar dos problemas de caixa que o PT enfrentava depois da eleição de Lula para o segundo mandato |
Contratos direcionados com o propósito de saldar dívidas de campanha petista
No início de 2007, a Petrobras experimentava uma inédita onda de
prosperidade estimulada pelas reservas recém-descobertas do pré-sal. O
segundo mandato de Lula estava no começo. Com a economia aquecida e o
consumo em alta, a ordem era investir. A área internacional da
companhia, sob o comando do diretor Nestor Cerveró, aportou bilhões de
dólares na compra de navios-sonda que preparariam a Petrobras para a
busca do ouro negro em águas profundas. Em março daquele ano, uma
operação chamou atenção pela ousadia. Sem discussão prévia com os
técnicos e sem licitação, a estatal comprou uma sonda sul-coreana por
616 milhões de dólares. E, ainda mais suspeito, escolheu a desconhecida
construtora Schahin para operá-la, pagando mais 1,6 bilhão de dólares
pelo serviço. Um negócio espetacular - apenas para a empresa que vendeu a
sonda e para a construtora, que tinha escassa expertise no ramo. A
Lava-Jato descobriu que, como todos os contratos, esse também não ficou
imune ao pagamento de propina a diretores e políticos. O escândalo,
entretanto, vai muito mais além.
Em delação premiada, o operador Julio Camargo, que representava a
Samsung na transação do navio-sonda Vitória 10 000, confessou ter pago
25 milhões de dólares em propinas a diretores e intermediários,
incluindo aí o próprio Cerveró. Com o esquema em torno da sonda
revelado, faltava descobrir o papel da Schahin na operação. E é
exatamente Nestor Cerveró, preso em Curitiba e agora negociando a sua
delação premiada, quem revela a parte até aqui desconhecida da história.
Em um dos capítulos do acordo que está prestes a assinar com o
Ministério Público, o ex-diretor da área internacional conta que os
contratos de compra e operação da sonda Vitória 10 000 foram
direcionados à construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da
campanha presidencial de Lula, em 2006. E, por envolver o caixa direto
da reeleição do petista, a jogada foi coordenada diretamente pela alta
cúpula da Petrobras.
Nos primeiros relatos em busca do acordo, Cerveró contou que o PT
terminou 2006 com uma dívida de campanha de 60 milhões de reais com o
Banco Schahin, pertencente ao mesmo grupo que administrava a
construtora. Sem condições de quitar o débito pelas vias tradicionais, o
partido usou os contratos da diretoria internacional para pagar a
dívida da campanha. Então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli
incumbiu pessoalmente Cerveró do caso. O ex-diretor recebeu ordens
claras para direcionar o contrato bilionário da sonda à Schahin. Uma vez
contratada pela Petrobras, a empreiteira descontou a dívida do PT da
propina devida aos corruptos do petrolão. Para garantir o silêncio sobre
o arranjo, a Schahin também pagou propina aos dirigentes da Petrobras
envolvidos na transação. Os repasses foram acertados pelo executivo
Fernando Schahin, filho do fundador do grupo, Milton Schahin, e um dos
dirigentes da Schahin Petróleo e Gás. Fernando usou uma conta no banco
suíço Julius Baer para transferir a propina destinada aos dirigentes da
estatal para o banco Cramer, também na Suíça. O dinheiro chegou a
Cerveró e aos gerentes da área Internacional Eduardo Musa e Carlos
Roberto Martins, igualmente citados como beneficiários dos subornos.
Além de amortizar as dívidas da campanha de 2006, o contrato da sonda
Vitória 10 000 serviu para encerrar outro assunto nebuloso envolvendo
empréstimos do Banco Schahin e o PT. A história remonta ao assassinato
do prefeito petista Celso Daniel, em Santo André, em 2002. Durante o
julgamento do mensalão, ao pressentir que seria condenado à prisão pelo
Supremo Tribunal Federal, Marcos Valério, o operador do esquema, tentou
fechar um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Em
depoimento na Procuradoria-Geral da República, ele narrou a história que
agora pode se confirmar no petrolão. Segundo Valério, o PT usou a
Petrobras para pagar suborno a um empresário que ameaçava envolver Lula,
Gilberto Carvalho e o mensaleiro preso José Dirceu na trama que
resultou no assassinato de Celso Daniel.
Valério contou aos procuradores que se recusou a fazer a operação e que
coube ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula, socorrer a
cúpula petista. Segundo ele, Bumlai contraiu um empréstimo de 6 milhões
de reais no Banco Schahin para comprar o silêncio do chantagista.
Depois, usou sua influência na Petrobras para conseguir os contratos da
sonda para a construtora. O próprio Milton Schahin admitiu ter
emprestado 12 milhões de reais ao amigo de Lula. "O Bumlai pegou, sim,
um empréstimo, como tantas outras pessoas. Mas eu não sou obrigado a
saber para que o dinheiro foi usado", disse recentemente à revista
Piauí.
Eivada de irregularidades, a contratação da Schahin tornou-se alvo de
investigação da própria Petrobras. A auditoria da estatal concluiu que a
escolha da Schahin se deu sem "processo competitivo" e ocorreu a partir
de índices operacionais de desempenho artificialmente inflados para
justificar a contratação. Os prejuízos causados pela transação em torno
da Vitória 10 000 foram classificados pelos técnicos como "problemas
políticos", que deveriam ser resolvidos pela cúpula da estatal. Não
fosse pela Lava-Jato, a trama que envolve a campanha de Lula e os
contratos na Petrobras permaneceria oculta nos orçamentos cifrados da
estatal. A Schahin, que vira seu faturamento saltar de 133 milhões de
dólares para 395 milhões de dólares durante os oito anos de governo
Lula, seguiria faturando sem ser importunada.
O cerco, porém, está se fechando. Os números das contas usadas no
pagamento de propinas no exterior e até detalhes das viagens de Fernando
Schahin à Suíça já foram entregues pelos ex-dirigentes da Petrobras aos
procuradores. Apesar dos claros sinais de fraude no processo, o
ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli defendeu a compra da
sonda ao depor como testemunha de defesa de Cerveró na Justiça.
Procurados, os advogados de Cerveró disseram que não poderiam se
pronunciar sobre o andamento do acordo de delação com o Ministério
Público. Os demais citados negaram envolvimento no caso. Ao falar da
ordem para beneficiar a Schahin, Cerveró reproduziu a frase que teria
ouvido de Gabrielli: "Veio um pedido do homem lá de cima. A sonda tem de
ficar com a Schahin". E assim foi feito. Cerveró ainda não revelou quem
era o tal "homem".
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