O que significa a nossa 'crise'?
Marcos Troyjo |
O rebaixamento da nota do Brasil pela agência Moody's de classificação
de risco vem juntar-se a uma saraivada de más notícias sobre o país.
Esse acervo ominoso que compila crescentes mazelas políticas, econômicas
e morais passou a merecer um selo especial de cobertura e análise :
"Brasil em crise".
Observadores da cena nacional no exterior, de bancos de investimento a
estudiosos de Brasil nas universidades, espantam-se com a complexidade
da "crise" brasileira.
Noticia-se que a Presidência deseja entendimentos com a elite
empresarial e partidos para além de sua base aliada de modo a atenuar a
"crise".
Movimentos sociais arregimentados pelo Planalto buscam contrapor-se às
manifestações antigoverno, mas pregam o abandono do ajuste fiscal como
medida de superação da "crise".
Entidades patronais como Fiesp e Firjan cerram fileiras em torno do
chamamento do vice-presidente por união como forma de dirimir a "crise".
O que todas essas noções de "crise" apresentam em comum é a ideia de um
conjunto de dificuldades formado pela convergência de obstáculos de
diferentes natureza que se acumulam num mesmo período de tempo.
Mas será que é isso mesmo? No caso brasileiro, um Congresso plenamente
antenado com o Palácio do Planalto (ou seja, sem "crise" política)
produziria um resultado melhor para fins do desenvolvimento brasileiro?
Imaginemos que as pedaladas fiscais dos últimos anos tivessem escala
menor, ou que a intervenção em preços públicos houvesse sido mais tênue,
evitaríamos assim a "crise" econômica que nos aflige?
À luz das experiências internacionais exitosas de superação de grandes
desafios fica patente que, na classificação da atual crise brasileira,
continuamos a confundir conjuntura e estrutura.
Aquilo que tangencia a governabilidade presente, o ajuste fiscal ou a
substituição na titularidade do Planalto compõe o medicamento contra uma
"crise" entendida apenas como amontoado de "dificuldades temporárias".
Ficando apenas na conjuntura, isso não exigiria necessariamente uma
correção de rumos muito mais ambiciosa. "Escapar da crise" significaria
tão simplesmente afastar-se de um esgarçamento mais danoso do tecido
socioeconômico de modo a evitar tragédias gregas ou pesadelos
bolivarianos.
As nações, contudo, não se desenvolvem apenas por evitar catástrofes. É
preciso também ter a dimensão construtiva, o planejamento de longo
prazo.
O afastamento de chefes de governo é por vezes desejável e mesmo
imprescindível. Crises de conjuntura podem até ser desmontadas, mas isso
não é o bastante para enveredar-se pelo bom caminho adiante. Seria
ótimo àqueles que saírem às ruas nos próximos dias ter isso em mente.
Nesse contexto, a mais útil acepção de "crise " é aquela que a define
como período em que o velho ainda não morreu, mas o novo também não
nasceu.
Esse processo, no entanto, nada tem de "orgânico". Aquilo que é velho
não necessariamente desaparece –e o surgimento do novo tampouco é certo.
Thatcher pôs fim à "velha" sucessão de décadas de declínio britânico e lançou as bases para o competitivo Reino Unido de hoje.
Já países como Argentina e Rússia encontram-se ciclicamente enredados em
modelos de economia política que combatem a modernização com
diligência.
Nesses casos, a "crise" é uma endemia a sabotar permanentemente o "novo" e, portanto, a prosperidade.
É fundamental a leitura das portas que se abrem e fecham para o Brasil
num cenário global recortado por novas geometrias de comércio e negócios
e redes de valor intensivas em tecnologia.
Redimensionar o Estado no Brasil para um papel menor, mas melhor. Nada
disso tem integrado o receituário que se propõe para o enfrentamento da
"crise" brasileira.
Estamos prisioneiros da armadilha do presente. Uma crise acaba quando se mudam não apenas as pessoas, mas os paradigmas.
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