O Petrolão, o sr. Itaipava e a campanha de Dilma
Documentos mostram que o empresário
Walter Faria, dono da Cervejaria Petrópolis e amigo do ex-presidente
Lula, se tornou um dos principais financiadores das eleições de Dilma e
do PT depois de receber propinas do esquema que desviou bilhões da
Petrobras
Quando terminar o rastreamento da propina de US$ 15 milhões paga pelo
ex-executivo da Toyo Setal, Júlio Camargo, ao esquema do Petrolão, os
procuradores da Operação Lava Jato chegarão à mais forte conexão
encontrada até agora entre os desvios ocorridos na Petrobras e as
campanhas eleitorais do PT e da presidente Dilma Rousseff em 2010 e em
2014. Documentos obtidos mostram pela primeira vez desde o início das
investigações o envolvimento de um empresário que nada tem a ver com
empreiteiras ou com o setor de óleo e gás como beneficiário do Petrolão.
Trata-se de Walter Faria, dono da Cervejaria Petrópolis -- que produz a
cerveja Itaipava – e amigo pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Os documentos mostram que Faria se tornou um dos maiores
financiadores das campanhas de Dilma depois de receber propina do
Petrolão em uma conta na Suíça. Na disputa eleitoral do ano passado,
Faria destinou R$ 24,8 milhões para o PT e seus aliados. Para a conta da
então candidata Dilma Rousseff foram remetidos R$ 17,5 milhões em um
intervalo de apenas cinco dias, entre 29 de setembro e 3 de outubro. São
valores que fizeram da cervejaria sediada em Boituva (SP) a quarta
maior financiadora da campanha da presidente, com R$ 10 milhões a mais
do que foi doado pela Ambev, a gigante do setor de bebidas, e atrás
apenas de potências empresariais como o Grupo JBS, a Andrade Gutierrez e
a OAS. Segundo membros do Ministério Público Federal em São Paulo
ouvidos na última semana, o fato de não estar ligado a obras da
Petrobras e nem ao setor de petróleo indica que Faria pode ter atuado
como intermediário para levar às campanhas parte dos bilhões desviados
da estatal. Um elo fundamental em todo o esquema, que vem funcionando
desde 2006 e envolve uma complexa movimentação financeira que passa por
contas e empresas na Suíça, em Montecarlo e no Uruguai.
Para os procuradores ouvidos, o fato de a Cervejaria Petrópolis se
tornar um dos maiores financiadores das campanhas de Dilma e do PT é
parte de um milionário tomá-la-da-cá nada republicano. No ano passado,
dias antes de destinar uma parcela de R$ 5 milhões para a campanha da
reeleição de Dilma, o Sr. Itaipava, como Faria é conhecido no meio
político, obteve benesses do Banco do Nordeste impensáveis em uma
operação normal. No começo de 2013, Faria conseguiu um empréstimo de R$
375 milhões no BNB para construir uma fábrica na Bahia. Como sua empresa
acumulava dívidas de aproximadamente R$ 400 milhões com a Receita, o
BNB exigiu que Faria apresentasse como garantia uma carta-fiança de
outro banco, o que representa um custo anual que pode chegar a 3% do
total do empréstimo. O Sr. Itaipava reclamou muito, mas acabou
aceitando. Em abril de 2014, o mesmo BNB, com as mesmas condições,
disponibilizou mais R$ 452 milhões ao cervejeiro, para a construção de
uma unidade em Pernambuco. Em setembro de 2014, a direção do banco mudou
e apadrinhados da presidente Dilma e do então governador baiano, Jaques
Wagner, assumiram o comando. Com a mudança, em apenas 24 horas Faria
conseguiu se livrar das cartas fianças e apresentar garantias que,
segundo analistas, jamais seriam aceitas por um banco privado. “Como
alguém que carrega uma dívida de R$ 400 milhões com a Receita consegue
tanto privilégio de um banco público?”, questiona o deputado Rubens
Bueno (PPS-PR). É provável que a resposta esteja nas relações políticas.
No ano passado, além de se tornar a quarta maior doadora da campanha
presidencial de Dilma, a Cervejaria Petrópolis foi, na Bahia, a
principal financiadora da campanha do governador petista, Rui Costa,
sucessor de Jaques Wagner. Segundo os registros do TSE, a Cervejaria de
Faria repassou R$ 6,2 milhões para a campanha do governador, R$ 2
milhões a mais do que a OAS, a segunda maior fornecedora de recursos
para o PT baiano.
Até 2005, Faria era visto como um grande sonegador. Detinha apenas 2% do
mercado cervejeiro. Depois que se aproximou do ex-presidente Lula e
passou a receber propinas do Petrolão, a Cervejaria Petrópolis ganhou
rápida musculatura. Um relatório elaborado pela consultoria inglesa
Plato Logic’s registra que a Itaipava, principal marca do grupo, é a
quarta cerveja do mundo com maior crescimento no mercado entre 2005 e
2010. Nesses cinco anos, segundo o relatório internacional, as vendas da
cerveja cresceram 50%. No ano passado, o grupo de Walter Faria se
consolidou em segundo lugar no ramo de bebidas, com participação de
cerca de 12%, perdendo apenas para a Ambev. Especialistas do setor de
bebidas avaliam que esse crescimento está diretamente relacionado às
relações políticas e a um complexo esquema de distribuição que
protagoniza milionários casos de sonegação.
Os documentos em poder da reportagem ilustram as estreitas relações
entre as falcatruas do Sr. Itaipava e suas generosidades com as
campanhas políticas. Um dos casos mais emblemáticos envolve duas antigas
distribuidoras do grupo: a Praiamar Industrial Ltda e a Leyros.
Atualmente a Praiamar está desativada depois de multada em R$ 100
milhões por causa de sonegação e de ser investigada pela Receita
Federal, pela Secretaria da Fazenda de São Paulo e pelo Ministério
Público Federal em Santos. Em 2010, por intermédio das distribuidoras
Praiamar e Leyros, Faria repassou R$ 30 milhões para campanhas
eleitorais, a maior parte destinada ao PT e a seus aliados e
principalmente à campanha presidencial de Dilma Rousseff. A doação
eleitoral chamou a atenção dos auditores do setor de inteligência da
Secretaria da Fazenda de São Paulo. Em um extenso relatório que faz
parte de um processo que tramita na 3ª Vara Cível da Comarca de Duque de
Caxias, no Rio de Janeiro, os auditores analisam o repasse eleitoral e
afirmam: “Quando são consideradas as doações oriundas das duas maiores
distribuidoras do Grupo Petrópolis, o valor doado supera os R$ 30
milhões (mais do que o dobro doado pela Schincariol e sete vezes mais do
que a contribuição feita pela Ambev)”. No mesmo documento, o setor de
inteligência da Secretaria da Fazenda adverte que os bancos Itaú,
Bradesco e Santander fizeram doações políticas inferiores àquelas
provenientes do Sr. Itaipava.
A LIGAÇÃO COM O PETROLÃO
A força-tarefa da Operação Lava Jato vai chegar ao Sr. Itaipava assim
que detalhar as investigações sobre a delação premiada do executivo
Júlio Camargo. Para vencer a disputa pelo afretamento do navio-sonda
Petrobras 10000, em 2006, Camargo pagou US$ 15 milhões de propina. O
juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato já sabem que o dinheiro
foi depositado pela Piemont Investment Corp., uma empresa offshore de
Camargo localizada no Uruguai, em diversas contas no exterior, todas
elas indicadas por Fernando Baiano (apontado como lobista do PMDB) e
Nestor Cerveró, ex-diretor Internacional da estatal. “Fernando e Cerveró
indicavam as contas que deveriam receber o dinheiro, mas não sei a quem
elas pertencem”, disse Camargo na delação feita para a equipe do
procurador Deltan Dallagnol. Os documentos agora revelados mostram que a
conta que ficou com a maior parte do dinheiro foi a Headliner Limited.
Sediada em Lugano, na Suíça, em apenas oito meses a Headliner recebeu
US$ 3 milhões de Camargo. Foram três depósitos de US$ 500 mil e um de
US$ 1,5 milhão. A conta Headline, segundo os extratos bancários e
declarações de renda obtidos, pertenceria a Walter Faria. Apesar das
evidências, na sexta-feira, 14.ago.2015, Faria afirmou que não é o dono
da conta.
A movimentação financeira registrada na Suíça revela que além de receber
as propinas provenientes do Petrolão, a conta Headliner era
corriqueiramente abastecida com recursos depositados pela Zucchetti
International LTD, por intermédio do banco BSI, em Montecarlo.
Normalmente eram feitas transferências de US$ 4 milhões. A Zucchetti
também pertence a Faria, como comprova sua declaração de renda entregue à
Receita Federal no início deste ano. “Parece evidente que Walter Faria
fazia uma constante movimentação entre contas tentando dificultar o
rastreamento de dinheiro de origem ilegal, seja por pagamentos de
propinas, seja por sonegação ou outros delitos contra o sistema
financeiro nacional”, disse um procurador da República em São Paulo que
teve acesso a parte dos documentos e que já investigou empresas ligadas
ao Sr. Itaipava.
Para não deixar vestígios sobre o recebimento do dinheiro desviado da
Petrobras no esquema do Petrolão, em 2009 Walter Faria encerrou a conta
Headline. A operação, porém, deixou rastros que, segundo procuradores
ouvidos, apenas confirmam a propriedade da conta na Suíça. Os documentos
mostram que em 3 de junho de 2009 a Zucchetti, empresa de Montecarlo
registrada no Imposto de Renda de Faria, transferiu US$ 24,085 milhões
para uma outra empresa chamada Gendell Corp. Uma semana depois, a
Gendell repassou US$ 24 milhões para a Headliner e US$ 85 mil para a
Vale Frondoso S.A, no Uruguai. Em 17 de junho, a Headliner e a Gendell
repassaram o saldo que possuíam para a Vale Frondoso. O que dá aos
procuradores a certeza de que todo o dinheiro movimentado pertence ao
Sr. Itaipava é um documento datado de 11 de novembro de 2010. Trata-se
de um pedido de crédito de US$ 80 milhões feito pela Vale Frondoso junto
ao banco BSI, na Suíça. O documento é assinado por Walter Faria. “Está
provado que Walter Faria é dono da conta que recebeu dinheiro do
Petrolão e que depois disso ele promoveu uma série de manobras bancárias
na Suíça e no Uruguai com o objetivo de dificultar qualquer
rastreamento sobre os recursos não declarados”, avalia o procurador da
República em São Paulo que teve acesso à documentação. Nas próximas
semanas, a força tarefa da Operação Lava Jato começará a receber os
dados sobre as contas no Exterior que receberam a propina paga por Júlio
Camargo. Certamente terão acesso a toda a movimentação feita pela
Headliner e Faria deverá ser convocado para dar explicações.
As relações do Sr. Itaipava com o PT e especialmente com o ex-presidente
Lula se estreitaram a partir de 2006, quando Faria, no auge do
escândalo do Mensalão, acolheu o publicitário Marcos Valério em uma de
suas empresas. Nos últimos anos, segundo ex-diretores da Cervejaria
Petrópolis, os contatos com João Vaccari, ex-tesoureiro petista, se
tornaram frequentes e, mesmo estando fora do governo, Lula nunca deixou
de brindar com o amigo cervejeiro. Em novembro de 2013, quando já estava
há mais de dois anos longe do Palácio do Planalto, Lula prestigiou a
inauguração de uma unidade da Cervejaria em Alagoinhas, cidade situada a
100 quilômetros de Salvador. Na ocasião, foi dito por alguns veículos
de imprensa da Bahia que o ex-presidente teria recebido R$ 300 mil por
uma palestra motivacional para a equipe de vendas de Faria. Oficialmente
a empresa nega a remuneração. O último encontro público de Lula e o Sr.
Itaipava ocorreu em 17 de abril. O ex-presidente foi à inauguração da
fábrica da Cervejaria em Itapissuna, cidade próxima a Recife (PE). Na
ocasião, almoçou com Faria, fez uma palestra para os funcionários e um
discurso condenando a “elite pessimista” e defendendo o ajuste fiscal do
ministro Joaquim Levy. Sobre o Petrolão, Lula disse: “Quem roubou está
sendo preso e não podem ser confundidos com outras pessoas.”
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