Gilmar Mendes vota
pela descriminalização do porte de drogas
Ministro é o primeiro dos 11 membros do STF a revelar sua visão
sobre a constitucionalidade do artigo 28
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes |
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes votou na
quinta-feira (20.ago.2015) pela descriminalização do porte de drogas
para uso pessoal, mas ressaltou que isso não significa legalizar a
prática.
Após a exposição do ministro, o julgamento foi suspenso pelo ministro
Luiz Edson Fachin, que pediu vista do processo para analisar com mais
profundidade o caso.
Não há data para que a discussão seja retomada pelo tribunal.
Os ministros do STF discutem se é constitucional o artigo 28 da Lei
Antidrogas que define como crime adquirir, guardar ou portar drogas para
si. Atualmente, quem é flagrado com drogas para uso próprio está
sujeito a penas que incluem advertência, prestação de serviços à
comunidade ou medida educativa. O usuário acaba respondendo em
liberdade, mas eventual condenação tira a condição de réu primário.
Gilmar Mendes defendeu que o porte para uso pessoal esteja sujeito a
sanções em caráter civil, e não mais penal, para quem for flagrado com
drogas. Entre as medidas estariam prestação de serviço comunitário,
advertência verbal e até aulas sobre as implicações e perigos de
utilizar entorpecentes.
Segundo ele, ao criminalizar a conduta, "está-se a desrespeitar a
decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde". "Não chego ao
ponto de afirmar que exista um direito a se entorpecer irrestritamente",
disse.
"Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com o
traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos
decorrentes da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da
conduta em si do usuário. A ligação é excessivamente remota para
atribuir a ela efeitos criminais. Logo, esse resultado está fora do
âmbito de imputação penal", disse o ministro.
O ministro reconhece que é difícil distinguir usuário e traficante e
defende uma legislação específica para isso. Enquanto não houver um novo
marco, Gilmar Mendes propõe que o suspeito de tráfico seja apresentado a
um juiz para que ele analise se a pessoa deve ser enquadrada como
usuária ou traficante. Hoje, essa decisão é da polícia.
Manifestantes favoráveis à descriminalização do porte de drogas seguram faixa em frente ao STF |
PESQUISAS
Mendes lançou mão de pesquisas que apontam que parte expressiva dos
condenados por porte de drogas em algumas capitais do país portava
pequenas quantidades, estavam sozinhos e tinham apenas policiais como
testemunhas.
A prisão passa a ser uma possibilidade quando o policial entender que a
conduta se qualifica como tráfico, mas terá que haver uma apresentação
imediata do preso ao juiz. Para o ministro, cabe a autoridade policial
provar que se trata de tráfico.
"A cadeia de produção e consumo de drogas é orientada em direção ao
usuário. Ou seja, uma pessoa que é flagrada na posse de drogas pode,
muito bem, ter o propósito de consumir. Seria incompatível com a
presunção de não-culpabilidade transferir o ônus da prova em desfavor do
acusado nesse ponto", disse.
O ministro concordou com a tese de que a criminalização do porte fere os
princípios da intimidade e vida privada do usuário. "Todavia, isso não
significa que se lance mão do direito penal para controle do consumo de
drogas, em prejuízo de tantas outras medidas de natureza não penal,
como, por exemplo, a proibição de consumo em locais públicos, a
limitação de quantidade compatível como o uso pessoal, a proibição
administrativa de certas drogas sob pena de sanções administrativas,
entre outras providências", disse.
Ele citou estigmatização do usuário de drogas e sustentou que a
criminalização do uso não inibe a utilização. Para Mendes, a situação é
mais grave diante do maior consumo entre os jovens – que ficariam
"rotulados" pelo enquadramento criminal.
"A percepção geral é de que o tratamento criminal aos usuários de drogas
alcança, em geral, pessoas em situação de fragilidade econômica, com
mais dificuldade em reorganizar suas vidas depois de qualificados como
criminosos por condutas que não vão além de mera lesão pessoal. Assim,
tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é
inconstitucional, por ofender o direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, de forma claramente desproporcional", completou.
Manifestantes contra à descriminalização do porte de drogas seguram cartazes em frente ao STF |
'GUERRA ÀS DROGAS'
Gilmar Mendes afirmou que, apesar da denominada "guerra às drogas", é
notório o aumento do tráfico nas últimas décadas. Mas também citou
estudo realizado em 2012 mostrando que países que adotaram modelos menos
rígidos no que diz respeito à posse de drogas para uso pessoal não
tiveram alterações na proporção da população que realiza o consumo.
O ministro apontou que a alternativa à proibição mais em voga na
atualidade em discussão no mundo é a não criminalização do porte e uso
de pequenas quantidades de drogas, modelo adotado, em maior ou menor
grau, por diversos países europeus, Portugal, Espanha, Holanda, Itália,
Alemanha e República Checa, entre outros.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Rosa, defendeu a
posição do ministro. Para ele, a proposta fortalece a atenção ao usuário
de drogas, ao mesmo tempo em que não afasta o caráter nocivo do
consumo.
Para Rosane Ribeiro, da Cades (Central de Articulação das Entidades de
Saúde), a mudança pode gerar maior morosidade no andamento dos processos
e "não será eficaz na questão de reprimir o consumo", afirma.
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