Em crise — situação gaúcha é comparada à da Grécia
Entrevista coletiva do governador José Ivo Sartori (PMDB) |
O calote do governo do Rio Grande do Sul na União anunciado na semana
passada escancarou o contraste do quarto Estado mais rico do país:
enquanto mantém bons indicadores sociais, convive há anos com alguns dos
piores números das finanças públicas no Brasil.
É o mais endividado, está na lanterna em investimentos e permanece entre
os líderes de gastos com pessoal. Pior: em mais um capítulo da crise no
Rio Grande do Sul, professores, funcionários da saúde e policiais civis
resolveram parar, por três dias, em protesto contra o governo de José
Ivo Sartori (PMDB). Policiais militares também aderiram ao movimento.
Em assembleia realizada na tarde de terça-feira (18.ago.2015), os
servidores públicos aprovaram a greve geral — os policiais militares,
que são proibidos por lei de fazer greve, decidiram iniciar uma
"operação-padrão": não vão sair as ruas em veículos com documentação
irregular (com multas ou IPVA vencidos) nem coletes salva-vidas fora do
prazo de validade.
"Os carros irregulares não vão sair e são muitos", afirmou presidente da
Associação dos Policiais de Nível Médio da Brigada Militar, Leonel
Lucas.
A Secretaria da Segurança Pública afirma que compreende a situação dos
servidores e que mantêm o "diálogo aberto". Em nota, o órgão diz "plena
confiança de que o efetivo manterá o atendimento à população".
Em rápido pronunciamento no final da tarde de terça-feira (18.ago.2015),
o governador afirmou que irá descontar os dias parados dos salários dos
grevistas. "Já determinei aos secretários que presença será presença, e
falta será falta", afirmou o peemedebista. Ele pediu ainda que os
servidores não suspendam as atividades "pelo bem do povo gaúcho".
Os funcionários públicos protestam contra o parcelamento de salários,
congelamento dos reajustes e mudanças na aposentadoria. As medidas são
iniciativas de Sartori para enfrentar a crise do Estado que resultou no
bloqueio das contas pelo governo federal por causa do atraso do
pagamento da dívida com a União.
Na segunda-feira retrasada (03.ago.2015), os servidores fizeram uma
paralisação de 24 horas. Na ocasião, a população sofreu com a redução do
policiamento nas ruas de Porto Alegre — o que deve voltar a acontecer
nesta quarta (19), quinta (20) e sexta (21).
O governador José Ivo Sartori (PMDB) se vê diante de poucas alternativas
para ampliar as receitas do Estado e ainda enfrenta a piora da
arrecadação diante do cenário de crise.
O peemedebista e seu antecessor, o petista Tarso Genro, comparam a
situação do Estado com a da Grécia, que esteve prestes a provocar um
desastre econômico internacional ao deixar de pagar uma parcela da
dívida com o FMI em junho.
Um indicador resume a penúria do Estado: no primeiro semestre deste ano,
o governo gaúcho investiu em valores absolutos menos do que o do Piauí,
um dos Estados mais pobres da federação.
A longa crise levou o governo estadual a ser o pioneiro, a partir de
2004, no uso de recursos de depósitos judiciais (verbas de empresas ou
cidadãos bloqueadas por contestação na Justiça) para bancar despesas
públicas. Hoje, depois de mais de R$ 8 bilhões sacados dessas contas,
até essa fonte se esgotou.
A situação atingiu o auge nos últimos meses, período em que, alegando
falta de caixa, o governo Sartori fez cortes e atrasou pagamentos nas
mais diversas áreas, como repasses da saúde a hospitais.
No fim de julho, parcelou os salários do mês e deu o calote na União. A
resposta do governo Dilma Rousseff foi bloquear verbas do Estado. O
funcionalismo em greve geral, por três dias, a partir desta quarta-feira
(19.ago.2015).
Uma das origens da crise está no elevado comprometimento dos cofres estaduais com o pagamento de salários e aposentadorias.
O Rio Grande do Sul passou, em 2013, a gastar mais com aposentados e
pensionistas do que com servidores da ativa, o que provoca um rombo
bilionário a cada ano. O governo do Estado afirma que cerca de 70% de
sua recente corrente líquida é destinada ao pagamento de pessoal e de
encargos sociais.
DÍVIDA
Os principais partidos se revezaram no poder no Estado sem conseguir
reverter o quadro de dificuldades. Na campanha eleitoral do ano passado e
ao longo do mandato de Tarso Genro (2011-2014), a renegociação da
dívida com a União foi tratada como a tábua de salvação.
Há quase 20 anos, o Estado é obrigado a destinar 13% de sua receita
corrente líquida à União em um acordo que vai vigorar até o fim da
próxima década. Hoje, está impedido de adquirir novos financiamentos por
já ter atingido limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade
Fiscal.
O governador deve apresentar projeto para aumento da alíquota do ICMS
para reforçar o caixa. Os recursos extras, no entanto, demorariam para
chegar, e os atrasos nos salários e na dívida devem se repetir nos
próximos meses.
Em entrevista concedida em julho, Sartori afirmou que o deficit de R$
5,4 bilhões, estimado pelo governo para o Orçamento de 2015, é parecido
com o da parcela da dívida que a Grécia deixou de honrar há dois meses.
A dívida consolidada chegou a R$ 60 bilhões em 2014, enquanto a receita
corrente anual do Estado foi de R$ 28,6 bilhões. A dívida grega equivale
a 177% do PIB do país.
As políticas de austeridade em vigor são criticadas por Tarso, que
defende mais pressão sobre o governo federal junto com outros
governadores para a renegociação da dívida. "Não há saída estrutural
fora de um regime de colaboração com a União, que, por seu turno, também
tem seus dramas financeiros", diz.
'COISA NEOLIBERAL'
No campo político oposto, economista Aod Cunha afirma que o equilíbrio
orçamentário do Estado nunca foi uma prioridade e é visto como "coisa
neoliberal".
Secretário estadual da Fazenda de 2007 a 2009, no mandato da tucana Yeda
Crusius, ele diz que o envelhecimento acima da média da população, que
pressiona a Previdência, e a migração jovem também aproximam o caso
gaúcho da Grécia.
O atual secretário da Fazenda, Giovani Feltes admite não ver uma saída a
curto prazo. "Diante dessa emergência, não se tem uma bala de prata",
lamenta.
Servidores do Rio Grande do Sul durante assembleia-geral no centro de Porto Alegra |
CRISE
Os servidores temem um novo atraso no pagamento dos salários, como
ocorreu em julho. Na ocasião, o governo Sartori pagou em dia somente os
funcionários com salário até R$ 2.150. O restante foi pago com 12 dias
de atraso, antecipando uma terceira parcela para evitar uma intervenção
federal no Estado.
O STF decidiu que o governo gaúcho não poderia parcelar os vencimentos —
o governo tenta um recurso. As contas do Estado estão bloqueadas por
atraso no pagamento da dívida com a União.
Apesar de ser o quarto Estado mais rico do país e ter bons indicadores
sociais, o Rio Grande do Sul convive há anos com alguns dos piores
números das finanças públicas no país — por isso, é chamado de a "Grécia
brasileira".
É o Estado mais endividado, está na lanterna no ranking de investimentos
e permanece entre os líderes de gastos com pessoal no país.
Nota do executivo gaúcho:
Governador pede que serviços públicos sejam mantidos
O governador José Ivo Sartori afirmou, no início da noite desta terça-feira (18.ago.2015), no Palácio Piratini, que respeita as manifestações democráticas dos servidores públicos e de toda a sociedade. Porém, anunciou a determinação passada aos secretários, de registrar o ponto de quem efetivamente trabalhar. “Presença será presença, falta será falta. Significa que o ponto será controlado e os dias serão descontados", afirmou.
A manifestação do governador ocorreu em razão da decisão dos servidores públicos, em assembleia unificada, de paralisar por três dias. "Vamos continuar com o nosso esforço, trabalho e dedicação para manter os serviços públicos funcionando. E solicito a todos os servidores do Estado que participam deste momento que, pelo bem da sociedade gaúcha e pelo povo do Rio Grande, não paralisem suas atividades. Acho que a sociedade gaúcha merece e sabe do esforço que estamos fazendo. Esta crise não começou agora. Não foi criada em sete meses e meio”, declarou Sartori.
O governador disse estar ciente sobre o tamanho do desafio, que não é de apenas um governo, e sim “de Estado”. “Não vamos fugir da nossa responsabilidade, independentemente do preço político que isso tiver”, disse.
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