MPF denuncia por calúnia policiais federais ‘dissidentes’ na Lava Jato
Orgão de controle externo policial da
Procuradoria acusa delegado e agente que apontaram ‘coação’ e ‘escutas
ilegais’ na cela de Youssef envolvendo cúpula da PF em Curitiba
Dalmey Werlang durante depoimento na CPI da Petrobrás em 2 de julho. |
O Ministério Público Federal denunciou na última semana formalmente por
calúnia o delegado e o agente da Polícia Federal que acusaram
irregularidades e coação envolvendo a cúpula de delegados da Operação
Lava Jato, em Curitiba (PR) – onde estão concentradas as apurações de
corrupção e cartel na Petrobrás.
A acusação entregue à Justiça Federal no dia 11 é a primeira ofensiva
contra suposta tática de contrainteligência que investigadores da Lava
Jato identificaram, a partir do final de 2014. A estratégia seria
desestabilizar as apurações e tentar algum tipo de nulidade legal na
condução do caso, que atingiu a partir de novembro do ano passado as
maiores empreiteiras do País e seu papel e conluio com os dois
principais partidos do governo federal, PT e PMDB. Um rombo de pelo
menos R$ 19 bilhões nos cofres públicos até aqui.
O delegado Mário Renato Castanheira Fanton e o agente federal Dalmey
Fernando Werlang foram denunciados criminalmente à Justiça Federal pelo
procurador Daniel Holzmann Coimbra, do Grupo de Controle Externo da
Atividade Policial da Procuradoria.
Trecho da denúncia do MPF contra dois federais que teriam caluniado delegados do comando da Lava Jato |
Eles são acusados de se associarem “para ofender a honra dos colegas”,
apontando grampos ilegais na cela do doleiro Alberto Youssef – peça
central da Lava Jato, e cujo fato teria poder de anular provas da
investigação – e vícios na sindicância aberta para conduzir o caso.
A Procuradoria pede abertura de ação penal por calúnia, que prevê pena
de seis meses a dois anos de prisão e multa, aumentada em um terço da
pena por envolver vítima agente público no exercício da função.
Vítimas. As supostas vítimas dos dois federais são
seis delegados da Lava Jato, alguns deles que integram a cúpula da
Polícia Federal, em Curitiba, como Rosalvo Ferreira Franco,
superintendente regional no Paraná, e Igor Romário de Paula, delegado
regional de combate ao crime organizado. Além do delegado Mauricio
Moscardi Grillo, responsável pela apuração interna sobre o suposto
grampo clandestino na cela do doleiro.
Narra a denúncia que em março de 2015, o delegado Fanton, lotado na
delegacia da PF em Bauru (SP), de Polícia Federal, desembarcou em
Curitiba – sede das investigações da Lava Jato, envolvendo alvos sem
direito a foro especial – para cumprir “missão” de “conteúdo sigiloso”
na Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
“Antes da conclusão do apuratório, no dia 30 de abril de 2015, não foi
dada continuidade à missão, pelo que Fanton deveria retornar à delegacia
de origem”, registra o procurador da República Daniel Holzmann Coimbra.
Nesse período, o agente Werlang cumpria função no Núcleo de Inteligência
da PF (NIP), em Curitiba, comandado pela delegada Daniele Rodrigues –
também alvo das supostas calúnias. Os dois federais denunciados teriam
se encontrado entre os dias 2 e 3 de maio, “imediatamente após o
afastamento de Fanton”.
O assunto seria o afastamento do delegado. “Após esses encontros,
associaram-se para ofender a honra dos colegas que entendiam ser os
responsáveis pelo afastamento”, registra a denúncia.
A partir de então, os dois passaram a apontar que a escuta encontrada em
abril e a sindicância que apurou o caso. Para isso, teriam se envolvido
em suposto plano que incluiu um depoimento colhido de forma ilegal do
agente Dalmey, um depoimento à Corregedoria da PF em que Fanton
comunicou falsa coação a um terceiro agente envolvido no episódio da
escuta na cela de Youssef.
“Na segunda-feira (04 de maio), no hotel em que Fanton estava hospedado,
e sem nenhum procedimento formalmente instaurado, ele tomou depoimento
de Dalmey, o qual relatou supostos vícios na sindicância 04/2014,
sindicância esta acerca da escuta ambiental localizada por Alberto
Youssef no forro da cela que ocupava”, registra a Procuradoria.
Trecho da denuncia sobre encontro |
No mesmo dia, o delegado Fanton levou ao Ministério Público Federal
acusação de que três delegados das investigações da Lava Jato, Igor,
Daniele e Moscardi, “coação no curso do processo”. “Fui coagido a
manipular provas no inquérito pelo dpf Igor, sua esposa dpf Daniele, dpf
(delegado da Polícia Federal) Moscardi e ate do escrivão do feito”,
escreveu ele em mensagem eletrônica encaminhada à Procuradoria.
Na Corregedoria-Geral da Polícia Federal, dois dias depois, Fanton
também disse que agente federal conhecido como “Bolacha” sofreu algum
tipo de pressão para não indicar eventuais culpados “no decorrer da
sindicância” realizada em 2004.
“Bolacha” é o agente Paulo Romildo Rossa Filho. Responsável pela
carceragem da PF, ele havia prestado depoimento na sindicância 04/2014
conduzida pelo delegado Moscardi e concluída em setembro de 2014, após
localização de aparelho de captação de áudio na cela em abril, informa a
denúncia contra os dois federais. A conclusão foi que não houve
irregularidades e que o equipamento era inativo.
“Ao contrário do que insistem os acusados em dizer, não houve nenhuma
espécie de coação sobre o agente Romildo no que diz respeito ao seu
depoimento perante a sindicância realizada no ano de 2014″, sustenta o
procurador do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF.
“Tampouco existiu a afirmada coação a Fanton por parte dos delegados Igor, Daniele e Moscardi.”
O procurador encerra a denúncia com a afirmação de que “Fanton e Dalmey
tinham plena ciência, a todo tempo, de que essa coação não existiu”. No
pedido de abertura de ação penal por calúnia, Coimbra arrolou como
testemunha de acusação o agente Rossa Filho, conhecido como Bolacha. O
procurador não integra a força-tarefa da Lava Jato.
Trecho da denuncia sobre calunia |
Dissidentes. A denúncia do órgão, externo à Lava
Jato, reforça as suspeitas dos investigadores de que o episódio pode ter
relação com suposta tática adotada por empreiteiras do cartel para
tentar anular a Lava Jato.
Em maio, investigadores descobriram que assessorias de imprensa
contratadas por empreiteiras do cartel, entre elas a da construtora
Norberto Odebrecht, ajudaram a “difundir” para os jornais, rádios e TVs o
conteúdo dos depoimentos dos dois federais denunciados.
No dia 2 de julho, os dois policiais federais foram convocados pela
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, após essa
divulgação dos depoimentos dos dois acusados, onde confirmaram a
existência das supostas escutas ilegais.
No relatório que pediu seu indiciamento, a PF aponta como figura central
desse suposto plano o presidente da empreiteira, Marcelo Bahia
Odebrecht – preso desde o início de julho.
Trecho de relatório de indiciamento de presidente e executivos da Odebrecht que cita ‘dissidentes’ da PF |
O delegado Eduardo Mauat da Silva chama a atenção para as anotações do
empresário feitas após sua prisão, que registram “trabalhar para anular
(dissidentes PF…)”.
“Uma referência clara à Polícia Federal, ou pelo menos a alguns de seus
servidores”, informa o delegado. “Marcelo teria a intenção de usar os
‘dissidentes’ para de alguma forma atrapalhar o andamento das
investigações, e, se levarmos em consideração as matérias (grampo na
cela, descoberta de escuta, vazamento de gás, dossiês) veiculadas nos
vários meios de comunicação, nos últimos meses, que versam sobre uma
possível crise dentro do Departamento de Polícia Federal, poder-se-ia,
hipoteticamente, concluir que tal plano já estaria em andamento.”
Os policiais federais Fanton e Werlang não foram localizados pela
reportagem para comentar o caso. A Odebrecht nega que tenha adotado
medidas para atrapalhar as apurações da Lava Jato.
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