Crédito escasso atinge agronegócio e
ameaça competitividade do campo — atraso na liberação de crédito eleva
custo de produção da safra 2015/16
O aperto no crédito chegou ao agronegócio. A menos de um mês do início
do plantio da nova safra, produtores de soja se queixam de dificuldades
para obter empréstimos para custear a produção.
Morosidade na análise de crédito, aumento das exigências dos bancos,
alta nos juros – com um "mix" entre recursos subsidiados e crédito livre
com taxas elevadas – e até venda casada são relatadas por agricultores.
As dificuldades provocaram atraso na compra de insumos necessários para o
início do plantio, como sementes e fertilizantes, e aumentaram os
custos de produção.
Se o problema persistir, poderá interromper os sucessivos ganhos de produtividade do setor nos últimos anos.
A situação é pior em regiões onde há mais produtores com dívidas
pendentes, como no Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás. Mas, segundo o
presidente da Aprosoja Brasil (Associação dos Produtores de Soja), Almir
Daspasquale, o aperto é generalizado. "O dinheiro vem vindo a
conta-gotas para todas as agências do Brasil", diz.
O problema teve origem no primeiro semestre, quando os produtores
começam a se preparar para o plantio da safra seguinte. Nessa fase, eles
buscam recursos nas linhas de pré-custeio, voltadas à compra de
insumos.
Foi quando secou o dinheiro das contas-correntes e da poupança que, no
caso do Banco do Brasil, vai para o financiamento do agronegócio. O
banco estatal destina 73% da chamada poupança rural (90% do total da
caderneta) para o crédito agrícola com juros subsidiados de 8,75% ao
ano.
Nas demais instituições financeiras, 65% da poupança vai para o crédito
imobiliário, que neste ano também teve restrição de recursos
especialmente na Caixa.
Além da poupança rural, o agronegócio conta com o direcionamento de 34%
dos depósitos à vista (conta-corrente) de todos os bancos.
Com a alta dos juros, tanto a poupança como as contas-correntes perderam
depósitos para outras aplicações. Para reverter a situação, Caixa e BB
fizeram campanhas para estimular os depósitos.
Plantio de soja em Primavera do Leste (MT) |
SECA NO CRÉDITO
Devido ao aperto, o BB só emprestou R$ 3,5 bilhões para o pré-custeio
com juros subsidiados neste ano. No ano anterior, tinha feito cerca de
R$ 8 bilhões nessa linha. Sozinho, o BB responde por 65% do crédito
rural.
A consequência foi a queda de 14% na concessão total de crédito rural no primeiro semestre, segundo o BC.
"Neste ano, o pré-custeio foi nulo", diz Adolfo Petry, coordenador da
comissão de política agrícola da Aprosoja-MT (associação dos produtores
de soja de Mato Grosso).
"Em março do ano passado já tinha custeio para a safra seguinte. Neste
ano, o financiamento só saiu no final de julho", afirma José Guarino
Fernandes, produtor de soja em Sapezal (MT).
O alívio veio com o anúncio do Plano Safra 2015/16, em junho, prevendo
R$ 187,7 bilhões em crédito para o setor, alta de 20% em relação ao
anterior. Os recursos começaram a ser liberados em julho, mas produtores
continuam reclamando de lentidão.
Preocupados com a inadimplência, os bancos apertaram as regras de
cadastro e passaram a exigir mais garantias. Segundo produtores, na
Caixa, crédito acima de R$ 500 mil só sai com hipoteca de primeiro grau
(bens que não são garantia de outros financiamentos). O banco não
concedeu entrevista.
O BB informou que não há restrição de recursos para a safra. Segundo o
banco, o ritmo de liberação de empréstimos está acelerado. Com 50 dias
do Plano Safra, as concessões para a agricultura empresarial são 34%
superiores ao mesmo período de 2014. Na agricultura familiar, o crédito
liberado é 11% maior e, na linha para médio produtor, 95% maior.
O tema, no entanto, continua em debate em Brasília. Na última semana,
uma audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara discutiu o
acesso ao crédito agrícola. O caso também foi levado à ministra da
Agricultura, Kátia Abreu, por parlamentares. A preocupação não é apenas
sanar os gargalos desta safra, mas também viabilizar fontes alternativas
para o financiamento do setor.
AUMENTO DO CUSTO DE PRODUÇÃO
A demora na liberação de recursos para financiar a nova safra de grãos
atrasou a compra de insumos, como sementes e fertilizantes, e já provoca
aumento de custos.
Em meados de agosto do ano passado, os agricultores de Mato Grosso,
principal Estado produtor de soja, já haviam feito todas as suas
encomendas de insumos. Atualmente, esse percentual está em 82%, segundo o
Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária).
"O pré-custeio não veio e retardou a compra dos produtores", diz Angelo Ozelame, pesquisador do Imea.
A compra tardia tem dois efeitos para os agricultores. O primeiro é o
valor pago pelos fertilizantes, quase todos importados. "Como só recebi
financiamento no final de julho, tive de comprar os insumos a um preço
bem mais alto", afirma José Guarino Fernandes, produtor de soja e de
milho em Sapezal (MT).
Os preços acompanham a alta do dólar, que se intensificou no início
deste semestre. No ano passado, em março Fernandes já estava com os
recursos em mãos.
A segunda consequência do atraso na compra da matéria-prima é o gasto
com logística. Com a demora na encomenda, o produtor perdeu a "carona"
no frete da soja.
Para reduzir custos com transporte, o agricultor normalmente busca
transportar os insumos do porto de Santos (SP) até a fazenda no mesmo
caminhão que levou a soja até o terminal.
Como neste ano as encomendas demoraram mais, essa janela se fechou.
"Esses dois fatores já representaram um aumento de 10% nos custos", diz
Fernandes, que ainda não recebeu o material. O plantio no Estado começa a
partir de 15 de setembro.
Máquinas pulverizam plantação de soja em Nova Mutum (MT); produtores
podem reduzir investimento nas lavouras com aumento do custo de produção |
PRODUTIVIDADE
Produtor de soja, milho e arroz em Vera (MT), Rafael Bilibio ainda
aguarda financiamento. "Como não podemos deixar de comprar semente e
adubo, a gente utiliza o dinheiro que tem em caixa e fica sem para fazer
outras melhorias na propriedade", diz.
Ele cita como exemplo práticas de correções no solo, aplicações de
calcário e investimentos em maquinário, atividades que aumentam a
produtividade no campo.
"A média de produção no Estado não deve aumentar como nos últimos anos", diz.
Para Almir Daspasquale, presidente da Aprosoja Brasil, a situação pode
desestimular o uso de mais tecnologia nas lavouras. "Vislumbra-se uma
perda de produtividade nesta safra", afirma Adolfo Petry, da
Aprosoja-MT.
A restrição no crédito ocorre em um ano difícil para o setor, que enfrenta preços das commodities em baixa no mercado externo.
DESAFIOS DOS PRODUTORES DE SOJA EM 2015
Aperto no crédito
Atraso na liberação de recursos e maiores exigências limitam o acesso a empréstimos com juros subsidiados
Preços em baixa
Cotações da soja caem mais de 20% em 12 meses com aumento nos estoques, alta do dólar e desvalorização do yuan
Oscilação cambial
A alta do dólar encarece insumos, como defensivos e adubo. Por outro lado, eleva a renda do produtor em reais
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