Só 27% das investigações de crimes de corrupção viram denúncias
Maioria dos inquéritos acaba arquivada, seguindo tendência identificada em outros tipos de crimes
A Lava-Jato é uma investigação que já produziu, até agora, 31 denúncias à
Justiça Federal no Paraná, calcadas numa variedade de provas que
dificultam os argumentos de defesa de 143 investigados. A operação e a
forma como Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF)
atuam, conectados entre si e a outras instituições de controle,
alteraram paradigmas sobre punição a crimes de corrupção e de colarinho
branco. Uma pesquisa pioneira sobre o resultado das investigações desse
tipo de crime em todo o país revela, porém, que a Lava-Jato pode ser uma
ilha, até mesmo no Paraná. Apenas 27,7% dos inquéritos policiais
concluídos em todos os estados e no Distrito Federal resultaram em
denúncias à Justiça Federal, conforme o estudo. A grande maioria dos
procedimentos acaba arquivada — seguindo a tendência identificada em
inquéritos que investigam outros tipos de crimes.
Pela primeira vez, desde a existência de uma base de dados confiável
para esse tipo de análise, é possível mensurar a efetividade das
investigações dos crimes de corrupção e de crimes financeiros e contra a
economia. Patrocinado pela Escola Superior do Ministério Público da
União (ESMPU) e coordenado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o
estudo “A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos
econômicos: uma pesquisa empírica no sistema de Justiça Federal” usou a
base de dados do Sistema Único do MPF de 2012, ano considerado confiável
para os cruzamentos estatísticos.
Quatro unidades da federação foram selecionadas para uma análise mais
detalhada: DF, Paraná, Pernambuco e São Paulo. O levantamento será
discutido em simpósio da ESMPU na segunda e terça-feira (17 e
18.ago.2015), com a presença do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot.
Chamou a atenção dos pesquisadores a baixa taxa de denúncias, em relação
aos inquéritos policiais concluídos em 2012, em estados mais populosos e
desenvolvidos do país. Em São Paulo, apenas 8,13% dos inquéritos por
corrupção e crimes financeiros terminaram em denúncias do MPF à Justiça —
o índice só é melhor do que o registrado no Acre e em Roraima. No Rio, a
proporção é de 10,78%. Uma análise detalhada dos crimes revela um
avanço ainda menor das investigações. De 108 inquéritos encerrados em
São Paulo após apurar corrupção ativa e passiva, apenas cinco (4,62%)
terminaram em denúncias. A proporção para peculato e sonegação de
contribuição previdenciária é ainda menor.
A pesquisa, finalizada este mês e obtida pela reportagem, fez também uma
análise qualitativa de processos, usando para isso os procedimentos
abertos no DF. Os pesquisadores constataram que os arquivamentos ocorrem
em sua maioria por conta da prescrição e da falta de provas, e não
porque as investigações constataram a inocência dos acusados.
Além de corrupção e colarinho branco, outros nove crimes foram
considerados no recorte da pesquisa: inserção de dados falsos para obter
vantagem indevida, extravio ou sonegação de documento, concussão,
corrupção ativa em transação internacional, tráfico de influência
internacional, crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes
contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro e crimes contra a lei de
licitações. No Paraná, estado onde está concentrada a Lava-Jato, menos
de um terço dos inquéritos policiais que apuraram esses crimes resultou
em denúncias. A melhor proporção é para crimes de corrupção ativa: 60%. A
pior, para lavagem de dinheiro: 7,14%. Há uma grande discrepância entre
os estados. Mais da metade dos inquéritos viraram denúncias no
Amazonas. Em Roraima, apenas 2,56%.
A produção de provas com mais agilidade influencia nos resultados de uma
investigação de corrupção e de crime de colarinho branco: em inquéritos
de até três anos, a proporção de denúncias é “significativamente
superior” à de arquivamentos; em três anos e meio, são equivalentes;
depois desse período, a quantidade de inquéritos arquivados é maior. “A
rapidez da investigação está associada ao maior volume de inquéritos
policiais que geram ações penais”, concluem os pesquisadores.
— Boa parte do que está na pesquisa já era percebido intuitivamente por
quem atua na área. Os resultados das investigações são pífios, há muita
dificuldade de ir adiante. Na Lava-Jato, existe uma aproximação entre PF
e MPF que é essencial — afirma o procurador da República Carlos
Henrique Lima, diretor-geral da ESMPU.
Investigação que não prospera — Proporção de denúncias em relação aos
inquéritos concluídos e que apuraram crimes de corrupção e colarinho branco |
Falta de articulação entre órgãos dificulta investigação de crimes de corrupção
Demora na comunicação dos fatos à polícia contribui para crimes prescreverem
O estudo sobre a efetividade das investigações de corrupção e crimes de
colarinho branco discute hipóteses para o baixo índice de conversão de
inquéritos policiais em denúncias à Justiça. Procedimentos surgidos a
partir de autos de prisão em flagrante levam a uma taxa mais expressiva
de acusações criminais do que inquéritos instaurados por portaria. “Os
procuradores entrevistados foram uníssonos nas críticas à qualidade da
investigação realizada. Dos inquéritos no DF, a maioria foi arquivada
pela ausência de provas e pela prescrição, o que reforça a tese de que a
investigação não teria sido satisfatória”, registra a pesquisa.
O “mau desempenho da investigação”, a “falta de integração entre
policiais federais e procuradores da República” e a “ausência de
articulação com organizações de fiscalização e controle” são razões
apontadas para os inquéritos ficarem pelo caminho. “(Essas instituições)
não raramente demoram a emitir as comunicações oficiais ou não
providenciam elementos suficientes para a persecução penal”, afirmam os
pesquisadores.
— Algumas instituições demoram anos para comunicar os fatos à polícia, o
que contribui para a prescrição. Os arranjos institucionais são
fundamentais, e eles não ocorrem da maneira mais adequada. É comum
existirem prioridades diferentes, que não correspondem aos anseios da PF
e do MPF — diz o promotor de Justiça Bruno Amaral Machado,
coordenador-geral da pesquisa, doutor em Sociologia Jurídico-Penal e
pesquisador na Universidade de Brasília (UnB).
Na análise qualitativa dos inquéritos no DF, a pesquisa constatou a
importância da atuação conjunta com órgãos de controle. O Tribunal de
Contas da União (TCU) e a Receita Federal foram as instituições que mais
noticiaram possíveis crimes de corrupção e contra a economia à PF —
56,4% dos inquéritos analisados. Houve colaboração também do Banco
Central, do INSS e da Procuradoria Geral do Trabalho, entre outros
órgãos.
ACUSADOS DE CORRUPÇÃO SÃO MAIS VELHOS
Quase metade dos inquéritos instaurados para investigar crimes contra a
administração pública apura a prática de contrabando ou descaminho, o
que pode indicar a necessidade de uma redefinição de prioridades para
crimes mais graves e danosos aos cofres públicos, segundo os
pesquisadores que fizeram o estudo. Uma apuração de contrabando está
associada a autos de flagrante, o que resulta em uma maior taxa de
denúncias à Justiça.
Contrabando não entrou no escopo do levantamento, que se concentrou em
crimes de corrupção e de colarinho branco. Para esses crimes
específicos, a proporção de denúncias em relação aos inquéritos
concluídos foi de 27,7%, conforme a base de dados utilizada, de 2012,
que inclui quase dois mil denúncias. Já a totalidade de inquéritos, para
todos os crimes, aponta uma proporção ligeiramente superior, de 28,49%,
equivalente a mais de 17 mil denúncias no ano analisado.
O pente-fino nos processos no DF permitiu aos pesquisadores constatarem a
“inversão do padrão etário” de quem é acusado de crime de corrupção e
de crimes financeiros. “Enquanto na criminalidade comum a maior parte
dos acusados é jovem e possui poucos anos de estudo, aqui a maior parte
deles está na faixa dos 40 a 59 anos, e o segundo lugar é ocupado pela
faixa etária acima de 65 anos”, cita a conclusão do estudo. Além disso,
60% dos réus têm ensino superior completo e 74% são empresários,
profissionais liberais, prestadores de serviços ou funcionários
públicos.
A pesquisa ouviu os três principais agentes de uma investigação
criminal: policiais federais, procuradores da República e juízes
federais. Os policiais citaram uma “mudança importante no foco
organizacional” a partir de 2003, quando começou a aumentar o interesse
da PF por investigar corrupção e delitos econômicos. Esses mesmos
relatos, no entanto, apontam para uma “escassez de recursos materiais e
humanos para atuar nas mais diferentes áreas incumbidas à PF”.
Os procuradores reclamam da “estrutura insuficiente” de técnicos nas
procuradorias. “Grande parte dos inquéritos tramitaria durante longos
períodos sem a direção da autoridade policial. O inquérito é criticado
por todos os procuradores como procedimento burocrático e ineficiente,
particularmente para corrupção e delitos econômicos.” Os juízes, por sua
vez, reconheceram dificuldades de atuação da polícia nessas
investigações e apontaram a falta de autonomia financeira da PF. “Não
raramente as investigações são suspensas e os efetivos redirecionados
para necessidades de administração pública, o que supõe atrasos na
conclusão dos inquéritos policiais, não sendo raros também os casos de
prescrição antes da finalização da fase inquisitorial”, registra a
pesquisa.
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