Lava Jato aquece setor especializado no combate a fraudes em empresas
Policiais Federais com malotes apreendidos em uma das fases da Operação Lava Jato |
A cada nova fase da Lava Jato cresce a demanda de empresas privadas por
serviços de combate a fraudes corporativas. As companhias estão buscando
elevar seus níveis de monitoramento interno na tentativa de identificar
atitudes antiéticas cometidas por profissionais que parasitam seu
desempenho.
"Nós pegamos um gestor de RH negociando os nomes de uma lista de
demissão. Ele dizia aos potenciais demitidos que escolheria outro nome
caso recebesse dinheiro em troca", conta Renato Anaia, executivo da área
de investigação e inteligência empresarial da consultoria especializada
ICTS Protiviti.
Ele relata ter encontrado casos de gerentes de compras que recebiam
suborno para escolher determinados fornecedores, um esquema comum de
fraude, também praticado na contratação de fretes.
"Se o profissional recebe algo por fora em troca de privilegiar um
transportador, ele certamente está prejudicando a empresa, porque ela
poderia estar recebendo tais valores em forma de descontos ou de um
serviço de melhor qualidade de outro transportador, por exemplo."
Estudo da PwC aponta que, no Brasil, 58% dos crimes econômicos contra
empresas são cometidos pelos próprios funcionários da organização (no
mundo, são 46%).
Para Heloisa Bedicks, superintendente-geral do IBGC (Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa), o país passa por um "processo
evolutivo" em busca de transparência e a preocupação não se restringe
mais a companhias de grande porte.
"Foi depois da Lava Jato que essa preocupação cresceu. Antes, você não
ouvia tanto proprietários de empresa falando em montar uma estrutura de
'compliance'", afirma Bedicks.
Especialistas afirmam que um bom programa de 'compliance', também
conhecido como conformidade, abrange ferramentas como código de ética,
auditoria, canal de denúncia, modelo de investigação e medida
disciplinar.
Estudo da Deloitte com 103 empresas de faturamento superior a R$ 500
milhões (a maioria com capital de origem brasileira) mostra que o número
de profissionais que consideram alta a importância de ter uma boa
estrutura de governança corporativa subiu dez pontos percentuais nos
últimos dois anos.
Mais abrangente que 'compliance', o conceito de governança envolve elevar a transparência da empresa para ganhar credibilidade.
Segundo o IBGC, a demanda subiu mesmo em ano de crise. O número de
cursos realizados foi de 69 em 2014 para 76 no ano passado. O número de
conselheiros de administração certificados pelo IBGC foi de 567 para
613.
O Instituto dos Auditores Internos do Brasil bateu o recorde de
capacitação e treinamento, segundo seu diretor André Marini. Ele diz que
os maiores índices de irregularidades estão nas áreas financeira e de
compras.
ADESÃO DA CHEFIA — Iniciativas para buscar transparência podem resultar
em um esforço inócuo se não houver uma adesão clara da cúpula das
companhias, segundo especialistas.
"Ao detectar má conduta ou fraude de um funcionário, algumas companhias
simplesmente passam a mão na cabeça do profissional para não ter que
revelar que houve qualquer irregularidade", diz Antonio Gesteira, sócio
da KPMG no Brasil.
Para Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais da FGV-SP, a
Odebrecht é um grande exemplo de que, "se o corpo estratégico da
empresa não tiver uma adesão clara, fica apenas uma adoção cínica de
mecanismos de transparência sem efetividade".
Marcelo Odebrecht, ex-presidente do Grupo Odebrecht, foi preso no ano
passado e condenado a mais de 19 anos de prisão por crimes como
corrupção, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa.
Um dos equívocos mais frequentes no combate a fraudes corporativas,
segundo Alcadipani, é negligenciar a punição. "As empresas tendem a
demitir sem justa causa para não ficarem expostas. Mas com isso elas
permitem que essas pessoas repliquem as fraudes no mercado. O correto é
demitir com justa causa e acionar a polícia", diz.
Leonardo Lopes, sócio da PwC, afirma que as fraudes se baseiam em um
tripé que reúne oportunidade, pressão e a racionalização que justifique o
ato.
Segundo estudos da consultoria ICTS Protiviti, funcionários mais antigos são mais propensos a realizar fraudes.
"Percebemos uma maior concentração, de 58%, entre funcionários com mais
de cinco anos de casa. Essas pessoas conquistam confiança e aproveitam
para agir com irregularidade", afirma Jefferson Kiyohara, executivo da
ICTS Protiviti.
"Com o tempo, vem também o desgaste na relação do funcionário com o
empregador, e isso leva a pessoa a racionalizar e justificar o ato."
Quanto maior é o nível de decisão, maior é também o estrago, ainda
conforme o estudo. Quase 40% das fraudes identificadas pela consultoria
são cometidas por profissionais de nível estratégico e 76% envolvem
profissionais com graduação completa.
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