Temer será de fato 'Ponte para o Futuro' ?
Samuel Pessôa — pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre |
O governo Temer assumirá com situação fiscal horrorosa. O buraco fiscal —
a distância entre o deficit atual e o superavit que estabiliza a
dinâmica da dívida pública — é algum número entre R$ 150 bilhões e R$
360 bilhões, ou seja, algo entre 2,5% e 6,0% do PIB.
Diferentes estimativas para a componente cíclica do buraco fiscal deste
ano, bem como incertezas quanto à capacidade no longo prazo do Tesouro
Nacional de recolher receitas não recorrentes, explicam a grande faixa
de variação das estimativas.
Para piorar, o desequilíbrio cresce uns R$ 30 bilhões por ano. Esse
crescimento é vegetativo em razão dos critérios de elegibilidade e valor
do benefício de uma série de programas públicos de transferências, além
do crescimento automático da folha de salários de servidores.
Assim, se nada for feito, caminharemos inexoravelmente para a
insolvência do setor público e, portanto, para inflação crescente. Esse é
o quadro estrutural.
No entanto Temer assumirá em um momento favorável do ciclo econômico.
Até o ano passado, duas forças antagônicas determinavam a dinâmica da
inflação: a fortíssima recessão com aumento do desemprego puxava a
inflação para baixo, e a crise de confiança, com a subida do risco-país e
a desvalorização do câmbio, puxava para cima.
O processo de perda de valor da moeda americana mundo afora e a lua de
mel com a perspectiva de troca de governo produziram dinâmica cambial
favorável à inflação desde o início do ano. A mudança da dinâmica do
câmbio alivia a inflação de bens e, associada à dinâmica do mercado de
trabalho, finalmente produz consistente desinflação de serviços. Assim, a
inflação neste ano pode fechar na casa de 7% e atingir a meta em 2018.
O recuo da inflação sinaliza que um ciclo de baixa de Selic encontra-se à
nossa frente e, portanto, o fim do ajuste desinflacionário, com a
recuperação do crescimento promovida pela queda da taxa básica de juros.
Não é loucura enxergar a economia crescendo forte em 2018.
A premissa necessária para que esse cenário benigno — principalmente aos
olhos da enorme tempestade pela qual estamos passando — se materialize é
que o mercado aceite incólume financiar o Tesouro Nacional, mesmo com a
dívida pública seguindo seu curso explosivo e testando limites como 80%
do PIB ou até mais.
Ou seja, é necessário combinar com os russos. É por esse motivo que
acredito que a maior probabilidade é o governo Temer reproduzir o
período Levy: conforme o mercado perceber que não há bala na agulha para
aprovar no Congresso Nacional as medidas que encaminham solução para
nosso gravíssimo desequilíbrio fiscal estrutural, o risco-país e o
câmbio voltarão a serem pressionados e as expectativas de inflação
deixam de ceder. O ajuste cíclico novamente desanda.
No entanto, é possível imaginar um cenário favorável: Temer consegue
aprovar algumas medidas que contribuem para ajustar o desequilíbrio
estrutural. Essas medidas revigoram o otimismo e a esperança, mantendo
risco e câmbio bem-comportados. A dinâmica cíclica que, como vimos, é
hoje favorável ajuda a recuperação da atividade com inflação em queda.
Se tudo isso ocorrer, em algum momento no segundo semestre de 2017, a
visão de 2018 tirará pressão do governo Temer e a perspectiva de futuro
passará a comandar as expectativas. Nesse caso, o governo Temer terá
sido de fato uma ponte para o futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário