quarta-feira, 13 de abril de 2016


Ciência perde R$ 1 bilhão e bolsas são congeladas
— verba é a menor em 12 anos —

Novos cortes orçamentários no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ameaçam agravar a situação de penúria da ciência nacional, com redução de recursos para bolsas e para financiamento de pesquisas nas universidades.
O MCTI sofreu contingenciamento de R$ 1 bilhão, uma redução orçamentária de quase 25%, que fez seu limite de empenho despencar para R$ 3,3 bilhões — o menor dos últimos 12 anos, pelo menos, em valores corrigidos pela inflação. Já o MEC perdeu R$ 4,3 bilhões, segundo os novos ajustes fiscais divulgados em 30 de março, no Diário Oficial da União.
As consequências foram sentidas imediatamente. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento do MCTI, suspendeu a concessão de bolsas no exterior por tempo indeterminado. “É uma equação muito simples. O orçamento que a gente tem dá para pagar todos os bolsistas no País e no exterior. O que não dá é para conceder novas bolsas”, disse o presidente do CNPq, Hernan Chaimovich.
Trata-se de uma situação temporária, segundo ele, cuja duração vai depender da recuperação econômica do País. “O que é certo é que o CNPq tem responsabilidade com a ciência nacional e vamos, dentro do orçamento possível, manter todos os compromissos e pagar todos os bolsistas”, afirmou.
Queda — Segundo a agência, não há como prever quantas bolsas deixarão de ser concedidas, pois o processo é sob demanda, e isso varia ano a ano. Hoje, 6,9 mil alunos recebem bolsa no exterior do CNPq, ante 10,6 mil em 2014 — uma redução de 35%.
O número de novas bolsas concedidas caiu de forma mais drástica: foram 902 em 2015, ante 9,7 mil em 2014. No primeiro trimestre deste ano, foram só 72. Grande parte dessa redução está relacionada ao fim da primeira fase do programa Ciência sem Fronteiras, cuja continuidade também está ameaçada.
O único edital de grande porte lançado pelo CNPq neste ano, no valor de R$ 200 milhões, foi a tradicional Chamada Universal — que não foi aberta em 2015, por limitações orçamentárias. Segundo Chaimovich, o CNPq não vai abrir nenhum edital sem a certeza de que há recursos disponíveis para executá-lo. A prioridade, por enquanto, segundo ele, ainda é terminar de pagar a Chamada Universal de 2014 e quitar outras dívidas do órgão. “Uma vez que fecharmos o passivo, o valor dos editais vai aumentar.”
O MCTI negocia desde o ano passado — quando seu orçamento também foi contingenciado em 25% — um empréstimo de US$ 1,4 bilhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para reabastecer seus cofres. Segundo informações divulgadas na terça-feira (12.abr.2016) pelo ministério, o empréstimo foi autorizado pelo governo federal e será encaminhado à Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) para aprovação definitiva.
Bolsas congeladas — Assim que o corte no orçamento do MEC foi divulgado, coordenadores dos programas de pós-graduação em todo o País começaram a receber comunicados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informando sobre a “suspensão do cadastramento de novos bolsistas em cotas verificadas como ociosas”.
A medida congelou 7.408 bolsas, das mais de 88 mil que a Capes paga no País. Segundo o aviso, a suspensão ficará em vigor por até dois meses, “período no qual será conduzida uma análise detalhada acerca do uso das bolsas”, seguida de uma “recomposição gradual” para aqueles programas que apresentarem “uso satisfatório”. Na noite de terça-feira (12.abr.2016), procurada pela reportagem, a Capes informou que 2.295 bolsas já foram reinseridas no sistema.
Membros da comunidade científica foram surpreendidos pela medida. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 228 bolsas que seriam concedidas nos próximos dois meses para alunos já selecionados foram recolhidas pela Capes — redução de quase 20% no total de bolsas disponíveis para a instituição.
“Enfatizamos que essas bolsas não estavam ociosas, mas aguardando os alunos para ser implementadas a partir deste mês. Não temos nenhuma bolsa sobrando na universidade”, diz o vice-coordenador da Câmara de Pós-graduação da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Ruy Campos.



‘Sem bolsa, o sonho acaba’, diz a bióloga da Unifesp Thais Biude, de 27 anos,
que concluiu mestrado em fevereiro e aguarda bolsa de doutorado para continuar
pesquisa sobre câncer de tireoide


O anúncio da suspensão de bolsas supostamente “ociosas” pela Capes pegou alunos e professores de surpresa, e deixou muita gente apreensiva sobre o que vai acontecer durante e após esse período de avaliação. “A maioria dos alunos não consegue se manter sem bolsa”, alerta Janete Cerutti, chefe da disciplina de Genética na Unifesp.
“A bolsa é o nosso salário”, diz a bióloga Thais Biude, de 27 anos, que concluiu mestrado em fevereiro e agora aguarda “desesperadamente” pela liberação da bolsa de doutorado para continuar suas pesquisas sobre câncer de tireoide no laboratório de Janete. “Sem bolsa, não tenho como continuar. Vou ter de sair da universidade e procurar emprego. O sonho do doutorado acaba.”
O valor das bolsas é de R$ 1,5 mil por mês para mestrado e de R$ 2,2 mil para doutorado.
O jovem Gabriel Gama, de 23 anos, que faz iniciação científica no mesmo laboratório, diz que a situação toda é um “desestímulo enorme” para seguir carreira científica no Brasil. “Todo mundo da minha sala que foi estudar fora quer voltar para lá”, diz ele, que passou um ano na Inglaterra pelo programa Ciência sem Fronteiras.
A Câmara de Pós-graduação e Pesquisa da Escola Paulista de Medicina da Unifesp enviou um manifesto à Capes, pedindo a reversão da medida. “Se soluções deste tipo continuarem, os danos para a pós-graduação no Brasil serão enormes e irreversíveis”, diz o documento.
Danos — Mesmo um contingenciamento temporário pode ter consequências severas a longo prazo para a produção científica e a formação de recursos humanos no País, diz o pesquisador Ruy Campos, da Unifesp. “Não é uma engrenagem que você consegue religar de uma hora para outra”, diz.
A Capes ressaltou, em nota, que a suspensão não representa corte e “todos os bolsistas continuam sendo pagos normalmente, mantendo assim o compromisso com a formação de recursos humanos avançados no País”.




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