Chip no cérebro permite que tetraplégico retome movimentos da mão — implante interpreta impulsos cerebrais e os transmite aos músculos paralisados
Um homem com os quatro membros paralisados há seis anos conseguiu
realizar movimentos com as mãos e os pulsos com a ajuda de uma técnica
inédita: um sistema médico capaz de registrar os sinais cerebrais do
paciente — por meio de um chip implantado no cérebro — e convertê-los em
funções motoras complexas.
O novo sistema, batizado de Neurolife, foi descrito em um artigo
publicado na quarta-feira, 13.abr.2016, na revista científica Nature. O
equipamento foi desenvolvido por médicos e neurocientistas da
Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos.
O paciente tetraplégico é Ian Burkhart, um americano de 24 anos que
perdeu os movimentos das pernas e braços depois de um acidente de
mergulho que causou danos na parte superior de sua coluna vertebral.
A paralisia envolve a ruptura das vias pelas quais passam os sinais
enviados entre o cérebro e os músculos. De acordo com o artigo, com o
novo sistema — um "atalho neural" que reconectou o cérebro diretamente
aos músculos do paciente —, Burkhart conseguiu restabelecer diversos
movimentos e executar tarefas como utilizar um cartão de crédito,
atender um telefone e tocar uma guitarra de videogame.
Segundo os autores do estudo, coordenado por Chad Bouton, Nick Annetta e
Ali Rezai, é a primeira vez que um indivíduo com paralisia consegue
realizar movimentos tão complexos com o uso de sinais enviados por seu
córtex motor.
Implante permite que Ian Burkhart desenvolva movimentos complexos que antes eram impossíveis |
"Mostramos pela primeira vez que um paciente tetraplégico é capaz de
aprimorar seu nível de funcionamento motor e de movimentos das mãos",
disse Rezai. Segundo ele, Burkhart já havia participado da demonstração
de uma tecnologia de "atalho neural" em junho de 2014, quando conseguiu
abrir e fechar a mão apenas pensando no gesto. Agora, no entanto, os
movimentos realizados são bem mais complexos.
"É incrível ver o que ele conseguiu fazer. Ian conseguiu pegar uma
garrafa, derramar seu conteúdo em uma jarra e colocar a garrafa de novo
no lugar. Depois ele pegou um mexedor e o utilizou para misturar o
conteúdo da jarra e guardar o mexedor. Ele está controlando cada passo
da tarefa", disse Annetta.
A tecnologia usada no Neurolife combina algoritmos que aprendem a
decodificar a atividade cerebral do paciente e uma manga de estimulação
muscular de alta definição, que traduz os impulsos neurais do cérebro e
transmite novos sinais ao membro paralisado.
Em abril de 2014, em uma cirurgia de três horas, Rezai implantou um chip
eletrônico no córtex motor do cérebro de Burkhart. A partir daí, os
cientistas trabalharam para descobrir a sequência correta de eletrodos
do chip a ser estimulada para que o paciente pudesse mover mãos e dedos
de forma funcional.
Depois disso, ao longo de 15 meses, Burkhart passou por três sessões
semanais utilizando uma manga com eletrodos para estimular seu antebraço
e reconstruir seus músculos atrofiados de forma que eles pudessem
responder aos estímulos elétricos.
"Na última década, aprendemos como decifrar sinais cerebrais de
pacientes completamente paralisados. Agora, pela primeira vez, esses
sinais estão sendo transformados em movimento. Nossos resultados mostram
que sinais registrados a partir do cérebro podem ser reencaminhados
para contornar um dano na coluna vertebral, permitindo a restauração dos
movimentos", disse Bouton.
Burkhart afirmou que decidiu participar do estudo porque tinha vontade
de ajudar outros pacientes com comprometimento da coluna vertebral. "Eu
só achei que era minha obrigação com a sociedade. Se alguém mais tiver
uma oportunidade para fazer isso em outro lugar do mundo, eu torceria
para que eles conseguissem beneficiar todo mundo no futuro", afirmou.
"Esperamos que essa tecnologia evolua para um sistema sem-fio conectando
os sinais do cérebro e os pensamentos ao mundo exterior, para aprimorar
a função motora e a qualidade de vida das pessoas com deficiências. Um
dos nossos objetivos principais é que isso esteja disponível o mais
rápido possível para que os pacientes possam usar em casa", disse Rezai.
Cadeira robótica — No início de março, uma equipe de
neurologistas liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade
Duke (Estados Unidos), conseguiu fazer com que dois macacos
controlassem uma cadeira de rodas robótica usando apenas a mente, por
meio de eletrodos implantados no cérebro.
Quando os animais "pensavam" em se mover em direção a um recipiente com
uvas, computadores traduziam sua atividade cerebral em operações da
cadeira robótica, em tempo real, permitindo que eles se movessem em
direção ao objetivo.
O dispositivo usado no experimento foi o último desenvolvimento da
tecnologia de interface cérebro-máquina (ICM), estudada há anos pela
equipe de Nicolelis.
Diversos grupos de pesquisa já desenvolveram ICM's que permitem aos
primatas usar sua atividade do córtex cerebral para controlar membros
artificiais. Mas o experimento com a cadeira de rodas robótica foi o
primeiro a demonstrar que é possível utilizar apenas a atividade
cerebral para "navegar" por um espaço com ajuda de uma ICM.
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