Até Collor se escandaliza com o bazar de Dilma
Senador Fernando Collor de Mello |
Antigamente, políticos e intelectuais gostavam de dizer que era preciso
“pensar o Brasil ”. Hoje, qualquer pensamento sobre o Brasil corre o
risco de ficar velho em dois minutos. Ou em uma delação. Se o PT no
poder ensinou alguma coisa ao país foi que o inimaginável existe. Tudo o
que veio antes parece nada perto do muito que está por vir.
Em menos de 48 horas, dois aliados notórios do governo se escandalizaram
com o espírito de bazar que se apossou do governo Dilma. Primeiro foi
Paulo Maluf, que se disse “enojado” com a troca de cargos e verbas por
votos contra o impeachment. Agora é Fernando Collor quem se espanta com
as transações:
“No meu governo, em nenhum instante houve qualquer tipo de negociação
subalterna”, disse Collor num encontro promovido pela Confederação
Nacional da Indústria.
“Em nenhum momento essa barganha foi feita”, prosseguiu Collor. “Em
nenhum momento, nenhum dos meus ministros se mobilizaram no sentido de
terem conversas menos republicanas com quem quer que seja.”
Collor tem uma relação atribulada com a verdade. Quando guerreava contra
o impeachment, em 1992, seu governo também abriu o balcão. Operava-o,
entre outros, um trator chamado Ricardo Fiúza, do antigo PFL. Foi
ministro da Ação Social e da Casa Civil.
Mas é preciso reconhecer: perto do que sucede hoje, o governo Collor foi
um convento. Vale a pena recuar o relógio para recordar uma página da
história. Com a corda no pescoço, Collor tentou atrair o PSDB para o
governo. Ofereceu o Itamaraty para FHC e a Infraestrutura para Tasso
Jereissati, então presidente do partido.
O tucanato hesitou. Esteve na bica de embarcar. Livrou-se do fiasco
graças sobretudo a barricadas erguidas por Mario Covas. A coreografia da
recusa envolveu uma nota inusitada. Foi redigida pelo economista Edmar
Bacha.
Levado a Collor por FHC e Tasso, o texto fazia referência à corrupção.
No trecho mais duro, anotava que funcionários públicos deveriam ser
proibidos de receber presentes ou doações. As palavras estavam
endereçadas ao ministro Ricardo Fiúza, que admitira ter recebido um
jet-ski de presente da empreiteira OAS.
Sabendo que Collor não poderia prescindir do PFL, os tucanos insinuaram
que não aceitariam participar de um governo apoiado pelo arcaísmo. O
tempo passou. E Collor foi escorraçado do Planalto pela via do
impeachment.
O tempo passou mais um pouco. E FHC virou presidente com o apoio
resoluto do PFL de Antonio Carlos Magalhães. O tempo continuou passando.
E Lula, já acomodado na cadeira de presidente da República, incorporou
Collor ao seu rol de apoiadores, entregando-lhe pedaços da Petrobras.
Pilhado pela Operação Lava Jato plantando bananeira nos cofres da BR
Distribuidora, Collor recebeu em julho de 2015 a visita da Polícia
Federal. Na sua residência brasiliense, os investigadores encontraram
mimos que fazem do jet-ski de Fiúza um brinquedo de criança.
Collor guardava na garagem uma frota de carros de luxo, entre eles uma
Ferrari vermelha (R$ 1,95 milhão), um Porsche preto (R$ 999 mil) e uma
Lamborghini prata (R$ 3,9 milhões).
Ricardo Fiúza morreu de câncer em dezembro de 2005, meses depois da
explosão do mensalão. Nessa época, era deputado federal pelo PP. O mesmo
PP que hoje frequenta o noticiário numa condição paradoxal — com 32
filiados sob investigação na Lava Jato, o partido é assediado por Lula,
que oferece mundos e, sobretudo, fundos ao PP em troca de votos contra o
impeachment de Dilma.
Na reunião da confederação das indústrias, Collor recusou-se a dizer
como pretende votar se o impeachment de Dilma chegar ao Senado. Invocou
sua “condição ímpar” de presidente impedido para justificar o mistério.
Foi explícito apenas ao tornar público seu espanto com o atual surto de
fisiologismo.
De fato, é tudo muito espantoso. O brasileiro imaginava que o
impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco — o Michel Temer da
época — entrariam para a história como marcos redentores. A
promiscuidade de um PC Farias comercializando sua influência no governo e
dividindo os lucros com o presidente pareciam ótimas oportunidades para
o país tomar jeito. Mas deu chabu. Um escândalo produziu outro, e
outro, e mais outro … Até desaguar na lama do mensalão. Que escorreu
para o bueiro do petrolão.
Golpeado por Collor abaixo da linha da cintura na campanha presidencial
de 1989, Lula guerreou pelo impeachment de 1992. Nessa ocasião, chamava
Collor de “ladrão”. Presidente da República, Lula incorporou o “larápio”
à sua base de apoiadores. Em 2009, Lula premiou o neocompanheiro com
duas diretorias da BR Distribuidora, a poderosa subsidiária da
Petrobras. Dilma manteve o descalabro.
Considerando-se os padrões morais que Collor imagina encarnar — “No meu
governo, em nenhum instante houve qualquer tipo de negociação
subalterna” —, Collor tem razões de sobra para se escandalizar. Quem
poderia imaginar que, em plena era petista, Collor seria assentado na
vizinhança de cofres públicos? Mais: quem poderia supor que Collor faria
pose de ético ao lado de Dilma? O inimaginável, não resta dúvida,
existe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário