Com crise, cai utilização da capacidade instalada das indústrias brasileiras
Erfides Bortolazzo Soares em sua indústria em Rio das Pedras (SP) |
Em 2010, 240 moradores da cidade Rio das Pedras (SP) tiravam o sustento
do trabalho na empresa SMV, fabricante de válvulas para a indústria de
petróleo e gás, agroindústria e saneamento básico.
Os funcionários trabalhavam em dois turnos para operar 50 máquinas
espalhadas no parque industrial de 11 mil metros quadrados. Um negócio
que faturava R$ 25 milhões ao ano, dos quais R$ 5 milhões eram lucro.
Nesse tempo de prosperidade, o industrial Erfides Bortolazzo Soares,
então com 42 anos, não titubeou em expandir a fábrica. Investiu R$ 5
milhões em seis novas máquinas de última geração — duas de grande porte,
três de médio e uma de pequeno porte.
"A capacidade instalada estava em 80%. Índice ideal", diz o empresário.
De lá para cá, porém, as máquinas foram sendo desligadas.
Em 2011, a capacidade instalada caiu para 70%; em 2012, despencou para
50%; em 2013, 40%. No ano seguinte, recuou para 30%, e no ano passado a
fábrica praticamente parou.
"Hoje tenho apenas um empregado, um caseiro que olha a fábrica. Devolvi
todas as máquinas novas porque não aguentei pagar. As que ficaram eu
ligo de vez em quando para não estragar. O pouco que produzo é para
cumprir a garantia de quem comprou minhas válvulas no passado."
A SMV é um caso que ajuda a entender a escalada da ociosidade do parque
industrial brasileiro. Em fevereiro, o nível de utilização da capacidade
instalada da indústria caiu para 73,6% — o que significa 26,4% de
ociosidade. Foi o pior mês da série histórica da pesquisa, feita pela
FGV-Ibre e que teve início em 2001.
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria vem caindo
desde 2013. Estava em 82,6% naquele ano, índice que pode ser considerado
ideal. Em 2014, caiu para 81,2%, e, no ano passado, desabou para 76,4%.
REAÇÃO EM CADEIA — "A demanda interna está muito baixa e, como a
indústria produz pouco, não faz sentido investir. O índice baixo é sinal
de que nos próximos anos terá pouca maturação de investimento", disse
Tabi Thuler Santos, coordenadora da pesquisa da FGV-Ibre.
E acrescenta: "Estamos passando por uma reação em cadeia. A indústria
tem muito estoque, por isso produz pouco e demite. Ou seja, a indústria
afeta ela mesma".
A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos)
também detectou em pesquisa própria o pior índice de capacidade
instalada nas indústrias que fabricam bens de capital.
As empresas do setor trabalharam com 60,9% da capacidade instalada em
janeiro — o índice mais baixo já captado pela pesquisa, feita desde
1999.
A receita no setor caiu 10% entre 2014 e 2015. "Hoje o que se vende de
máquina é para substituir as que não têm mais condições de trabalhar",
diz Cristina Zanella, gerente do departamento de economia e estatística
da Abimaq.
"Neste ano, o cenário vai se repetir. O setor não vai retomar enquanto a economia não voltar a aquecer."
A economista da Abimaq não está sozinha no pessimismo. A Anfavea
(Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) prevê que
em 2016 seus associados que fabricam veículos leves deverão ter metade
do parque industrial parado.
Para os fabricantes de veículos pesados, o prognóstico é que a
ociosidade chegue a 74%. "Com a situação tão ruim, a consequência é que a
viabilidade financeira das empresas começa a ser questionada", diz Luiz
Moan Yabiku Junior, presidente da Anfavea.
MODERNIZAÇÃO EM RISCO — Diante desse quadro de alta ociosidade, a
capacidade de investir é cada vez menor, segundo o economista Rafael
Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial).
"Quando a indústria deixa de investir em máquinas, ela coloca em risco a sua trajetória de modernização."
Erfides, o empresário de Rio das Pedras, sabe que não terá de volta a indústria de válvulas do jeito que era.
"Não vou conseguir investir para ter uma fundição como eu tinha antes.
Aquela empresa ficou no passado. Agora é esperar para ver se melhora",
diz. Aos 48 anos, Erfides agora investe na paciência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário