Por que Pedro Álvares Cabral é pouco lembrado
em Portugal ?
em Portugal ?
Pedro Álvares Cabral |
Passados 516 anos do descobrimento do Brasil, comemorados neste 22 de
abril, a importância de Pedro Álvares Cabral para a História do país
segue incontestável. Mas sua figura não tem o mesmo peso em Portugal,
país que ele ajudou a transformar em uma potência global há mais de
cinco séculos.
"A maior parte dos portugueses com mais de 45 anos sabe quem foi Cabral,
mesmo que quase todos de forma muito vaga. Já um jovem de 17 ou 18 anos
provavelmente responderá que tem uma ideia vaga sobre Vasco da Gama,
mas que não se lembra de Pedro Álvares Cabral, um nome que ficou
enterrado nos livros do ensino básico", afirma a historiadora e
escritora Manuela Gonzaga, investigadora do Centro de História d'Aquém e
d'Além-Mar (Cham), ligado à Universidade Nova de Lisboa e à
Universidade dos Açores.
Cabral foi um personagem central no momento áureo de Portugal, a
expansão marítima dos séculos 15 e 16. A sua chegada à costa brasileira,
em 1500, foi um dos mais importantes capítulos da história lusa. Mesmo
assim, o interesse pelo navegador em seu país de origem fica à sombra de
outros exploradores contemporâneos a ele.
"Quando falamos sobre os grandes homens da expansão portuguesa, os
primeiros nomes que nos vêm à cabeça são os de Vasco da Gama, o primeiro
europeu a navegar para a Índia, de Bartolomeu Dias, o primeiro
navegador a atravessar o Cabo da Boa Esperança, e o de Pedro Álvares
Cabral. Mas o descobridor do Brasil hoje não é tão conhecido ou estudado
como são os outros dois", diz o historiador António Camões Gouveia,
professor da Universidade Nova de Lisboa.
A estátua de Cabral em Lisboa é uma réplica de um monumento do Rio e foi doada pelo Brasil |
MONUMENTOS E AVENIDAS — Uma caminhada pelas ruas de Lisboa evidencia a
distância entre a popularidade de Cabral e de Vasco da Gama no século
21. O navegador que inaugurou a rota entre Portugal e Índia dá nome a um
dos maiores shoppings da cidade e à ponte mais extensa da Europa, de
17,185 quilômetros, que atravessa o rio Tejo, ligando a capital lusa ao
município de Montijo.
Em homenagem a Cabral, há uma avenida com o seu nome, onde encontra-se
uma estátua em alusão ao descobrimento do Brasil, doada pelo governo
brasileiro, em 1941. O monumento é uma réplica de uma estátua existente
no Rio de Janeiro.
"Quando comparamos Cabral a outras figuras da mesma época, notamos que
ele realmente está em um segundo plano. A figura de Vasco da Gama
sobrepõe-se em termos de visibilidade nos monumentos, nas ruas. Na
cidade de Sintra, onde vivo, há várias ruas Vasco da Gama e não conheço
nenhuma com o nome de Cabral", conta o historiador Paulo Jorge de Sousa
Pinto, também investigador do Centro de História d'Aquém e d'Além-Mar.
VIDA DESINTERESSANTE — Segundo os historiadores portugueses, uma das
razões para Cabral ocupar hoje um papel de coadjuvante em comparação com
alguns dos seus contemporâneos é o fato de o descobridor do Brasil não
ser um personagem tão controverso quanto outros navegadores.
"Como não há grandes polêmicas em torno de seu nome, ele é um personagem
menos interessante de ser estudado. Não sabemos muito sobre a vida
pessoal dele, e os pormenores conhecidos são desinteressantes. Se Cabral
tivesse sido um guerreiro, se tivesse comandado uma armada portuguesa
no norte da África ou se tivesse se envolvido em alguma das tantas lutas
na corte portuguesa de sua época, ele despertaria um interesse muito
maior", justifica Sousa Pinto.
"Vasco da Gama tem um lado sombrio que desperta interesse até hoje. Na
segunda viagem à Índia, ele revelou uma faceta cruel, ficou conhecido
como brutal e controverso, e isso ainda repercute. Mas nada paira sobre a
imagem de Cabral. O único aspecto negativo é o de que ele seria
azarado, porque sua armada saiu de Portugal com 13 embarcações e voltou
com apenas seis", afirma António Manuel Lázaro, professor de História da
Universidade do Minho.
Na opinião de Sousa Pinto, a presença menor da imagem de Cabral na
sociedade lusa moderna também foi influenciada pela ideologia política
do Estado Novo português, que durou de 1933 a 1974, ano em que ocorreu a
redemocratização do país europeu.
"Durante esse período, a propaganda e a ideologia oficial do regime
foram muito centradas na imagem dos construtores do império colonial
português na África, como Vasco da Gama e o Infante D. Henrique,
principal promotor das viagens do descobrimento. Isso aconteceu porque o
regime queria justificar a sua presença nas colônias africanas, que era
muito contestada pela comunidade internacional", diz o historiador.
"Nesse caso, a imagem dos simples descobridores, como é o caso do
Cabral, acabou por ficar à sombra dos grandes heróis responsáveis por
expandir o império português", explica.
Quadro de Oscar Pereira da Silva que retrata o desembarque de Cabral no Brasil |
DESCOBRIMENTO FOI INTENCIONAL? — A grande polêmica em torno de Pedro
Álvares Cabral é saber se ele chegou à costa brasileira intencionalmente
ou por acidente. Para António Gouveia, essa dúvida também causa um
impacto negativo à imagem do navegador em Portugal.
"As sombras que existem sobre a descoberta do Brasil acabam por
minimizar um pouco a figura do Cabral em termos de estudos acadêmicos e
até a visão que a sociedade tem dele próprio", opina o historiador.
"É preciso pensar se o descobrimento do Brasil foi ao acaso ou
intencional. Porque se foi intencional há a possibilidade de a
descoberta ter acontecido previamente, o que, de certo modo, diminui o
papel e a importância de Cabral", argumenta, por sua vez, António Manuel
Lázaro.
Pouco se sabe sobre a vida de Cabral. O descobridor do Brasil nasceu
entre 1460 e 1470, na vila de Belmonte, e morreu em 1520, na cidade de
Santarém. Seu corpo estaria sepultado na cidade, na Igreja da Graça, mas
alguns historiadores argumentam que seus restos mortais foram
transferidos ao Brasil no início do século 20.
Há um túmulo sem corpo em homenagem ao navegador no Panteão Nacional, em
Lisboa, ao lado de outro dedicado a Vasco da Gama, cujos restos mortais
encontram-se no imponente Mosteiro dos Jerónimos, também na capital
portuguesa.
Cabral e Vasco da Gama também estão lado a lado no Padrão dos
Descobrimentos, um monumento às margens do rio Tejo, em Belém, de onde
saíam os navegadores durante o período da expansão portuguesa.
RESGATE — Para Manuela Gonzaga, o resgate da imagem de Pedro Álvares
Cabral na sociedade portuguesa passa por uma maior dedicação ao
descobrimento do Brasil nas escolas do país europeu.
"A história do achamento da Terra de Vera Cruz (primeiro nome dado ao
Brasil) testemunha o encontro de povos de uma forma lindíssima e, do meu
ponto de vista, arrebatadora e comovente. Foi um achamento e um
encantamento. E essa página deveria ser estudada por todos", afirma a
historiadora.
Já na opinião de António Manuel Lázaro, Cabral está bem representado na
sociedade portuguesa moderna. "Sem diminuir o mérito, o que ele fez foi
encontrar uma terra que até então era desconhecida. Muitos outros
exploradores também fizeram isso e ninguém sabe o nome da maioria deles.
No caso de Cabral isso não acontece, o seu nome é referência dentro da
História de Portugal", argumenta o professor de História, que tem uma
sugestão alternativa para homenagear o descobridor do Brasil.
"Acredito que a melhor forma de honrar o feito de Cabral não é
construindo mais estátuas ou dando o seu nome para novas ruas, mas
fortalecendo a relação com o Brasil, que já foi muito mais próxima."
"Todos os dias lemos notícias sobre a intenção das autoridades em
reaproximar os dois países, mas são poucas as ações práticas nessa
direção. Acredito que isso sim faria justiça a quem foi Pedro Álvares
Cabral", diz o historiador.
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