Correntes do Oceano Atlântico afetam clima global — projeto internacional mede alterações na circulação das águas para entender seu impacto na atmosfera
Um grande projeto internacional de pesquisas oceanográficas, em
andamento desde 2011, concluiu que os padrões de circulação das águas no
sul do Oceano Atlântico estão sofrendo transformações que poderão ter
consequências imprevisíveis no clima de todo o planeta. O grupo, que
envolve pesquisadores de sete países, busca agora compreender o fenômeno
para estimar os impactos. Ao mesmo tempo, cientistas brasileiros
envolvidos no estudo reclamam de falta de apoio e passam por
dificuldades para dar sua contribuição.
A participação brasileira no projeto de análise da circulação de calor
no Atlântico Sul (Samoc, na sigla em inglês) é liderada por Edmo Campos,
do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP).
Segundo Campos, por distribuir o calor pelas diversas partes do planeta,
as correntes oceânicas têm um papel central nos fenômenos atmosféricos.
“O oceano é o principal fator controlador do sistema climático. As
correntes oceânicas são responsáveis por transferir uma quantidade
gigantesca de calor do Atlântico Sul para o Atlântico Norte. Uma
variação mínima nesse processo causa mudanças radicais na atmosfera e
poderá desencadear fenômenos extremos como secas e enxurradas severas”,
disse Campos.
Para compreender o fenômeno, de importância mundial, cientistas do
Brasil, França, Estados Unidos, África do Sul, Argentina, Rússia e
Alemanha instalaram equipamentos de monitoramento ao longo de uma linha
que se estende da sul do Brasil até a África do Sul, de acordo com
Campos.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp), os brasileiros assumiram a responsabilidade pela instalação
dos equipamentos no segmento ocidental da linha de monitoramento.
Sul-africanos e franceses se encarregaram do segmento oriental, enquanto
os americanos se responsabilizaram pelos instrumentos no centro do
oceano.
“Os dados obtidos até agora já mostram que o Atlântico Sul está sofrendo
uma variação na quantidade de calor que circula na região tropical, com
reflexos no sistema de monções dos dois hemisférios. Os resultados
desse tipo de alteração são eventos extremos, como os dois anos de seca
que tivemos em São Paulo”, afirmou Campos.
Projeto internacional mede alterações na circulação das águas para
entender impacto na atmosfera falta de apoio ameaça pesquisa no Brasil |
Dificuldades — Novos dados precisam ser obtidos para que o
projeto atinja seus objetivos. Mas, para recuperar os instrumentos
fixados no fundo do mar e continuar obtendo informações, é preciso
realizar expedições em navios oceanográficos. Para isso, a equipe da USP
contava com o navio Alpha Crucis, da universidade. Essa embarcação,
porém, está fora de circulação há mais de dois anos por questões legais.
“Precisamos urgentemente fazer o cruzeiro para recuperar os dados desses
instrumentos e realizar as manutenções anuais. Temos os equipamentos já
instalados e o Brasil é um dos líderes da iniciativa, mas esbarramos
nessas dificuldades.”
De acordo com Campos, o navio da Marinha que foi usado inicialmente para
cumprir as agendas está agora monitorando, no litoral do Espírito
Santo, os impactos de vazamentos de rejeitos provenientes do colapso da
barragem da empresa Samarco em Minas Gerais. Outras embarcações menores
têm sido usadas de forma improvisada para tarefas complementares.
“Os instrumentos que foram fundeados custaram cerca de R$ 2 milhões à
Fapesp. Havia um cruzeiro previsto para dezembro de 2013 que estamos
tentando fazer até agora. Programamos um cruzeiro para o dia 14 de maio,
mas não temos certeza de que vamos conseguir realizá-lo. Estamos
passando constrangimento diante de nossos colegas estrangeiros.”
Órgão — Mesmo sem o navio oceanográfico à disposição, os
cientistas brasileiros conseguiriam manter o projeto em curso, caso
existisse uma coordenação nacional para estudos oceanográficos, segundo
Campos. Ele afirma que os pesquisadores da área precisam de uma entidade
semelhante ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ou o
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “Não temos uma instituição
federal nos moldes do Inpe ou do Inmet. Tudo estava encaminhado para
isso no primeiro governo Dilma Rousseff, mas houve várias trocas de
ministros e no segundo mandato já não havia mais ambiente.”
O diretor do IO-USP, Frederico Brandino, faz coro. “Com uma coordenação
nacional, teríamos uma mobilização política nos ministérios para
oferecer apoio, como ocorre com outras questões urgentes para o País.
Nossos representantes não encaram o oceano como algo fundamental, mas
98% do PIB brasileiro passa pelo mar.”
Volta ao mar — O navio Alpha Crucis, da Universidade de São Paulo
(USP), deverá voltar às águas ainda em abril, segundo Frederico
Brandini, diretor do Instituto Oceanográfico da USP, responsável por
cuidar da embarcação. O navio está fora de operação desde dezembro de
2013, aguardando uma inspeção de segurança exigida pelas leis marítimas a
cada cinco anos.
De acordo com Brandini, houve demora na contratação da empresa que fará a
vistoria no navio da USP porque a licitação fracassou sucessivas vezes.
A universidade teve que expandir o edital para além do estado de São
Paulo e, apesar do aumento nos custos para transportar o navio,
conseguiu finalmente contratar uma empresa para a inspeção do navio em
novembro de 2014. O estaleiro que ganhou a licitação é a Indústria Naval
do Ceará (Inace). O navio está atualmente no estaleiro, em Fortaleza.
“Com a especulação em torno do pré-sal, todos os estaleiros tinham
encomendas milionárias e, por isso, não se interessavam em participar do
processo de escolha da empresa que realizará a vistoria da nossa
embarcação, pois nosso orçamento é de apenas R$ 3 milhões. Mas
conseguimos e, se tudo der certo, teremos o navio à disposição no fim do
mês”, afirmou o diretor do Instituto Oceanográfico.
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