sexta-feira, 22 de abril de 2016


Segundo o Procurador-geral da República os escândalos do mensalão e petrolão eram "operação única, articulada para lesar os cofres públicos" — "o mensalão revelou a ponta do iceberg dessa organização criminosa que hoje estamos investigando"



O Procurador-geral da República Rodrigo Janot


O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, admitiu na manhã de sexta-feira, 22.abr.2016, no auditório da Brazil Conference, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) — evento organizado por estudantes brasileiros da Universidade Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que reuniu empresários, políticos e pensadores para discutir o futuro do Brasil —, a possibilidade do afastamento da presidente Dilma Rousseff, mas não quis comentar sobre um governo nas mãos do hoje vice Michel Temer. "Vamos viver uma agonia cada dia", falou, em tom irônico.
O procurador acredita também que não deve demorar para que o futuro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seja definido. "Nós enviamos várias denúncias contra ele e mais duas devem ser consideradas em breve pelo Supremo. Não podemos admitir que o terceiro homem na linha sucessória tenha um passado como o dele", afirmou.
"Não há a menor condição de nós pensarmos em pressionar o órgão judiciário para julgar". "No ano passado, o Ministério Público (MP) pediu o afastamento [de Cunha], agora depende do Supremo julgar o pedido", acrescentou Procurador-geral da República.
Janot disse que as investigações que envolvem políticos no Brasil não podem parar e que o mundo espera uma resposta contundente da Justiça brasileira. Segundo ele, não há espaço para se conviver com a corrupção. "A investigação para pôr fim ao escândalo que abala o País não será interrompida, mas terá um fim que não deve demorar", afirmou Janot, ressaltando que o Ministério Público deve ajudar na reforma política necessária ao País.

LAVA JATO —  Rodrigo Janot também disse estar convencido de que o mensalão e a Lava Jato foram uma "operação única, articulada para lesar os cofres públicos".
"Os fatos mostram que a operação revelada pela Ação Penal 470 (mensalão) e a Lava Jato estão interligados. O mensalão era a ponta do iceberg", afirmou Janot.
"No mensalão, houve 40 denunciados e 25 réus condenados. Se vocês fizerem a comparação do que é hoje a Lava Jato e o que foi o mensalão, o mensalão foi brincadeira", disse Janot, arrancando risos da plateia. Ele ressaltou a importância daquela investigação para revelar o esquema, que ele considera ser um só.
"Ainda há partes [do iceberg] que precisam ser descobertas", afirmou.
O procurador-geral voltou a citar números da Lava Jato: 1.177 procedimentos investigatórios instaurados em primeira instância, 574 mandados de busca e apreensão, 93 condenações e 5 prisões.
"O valor cobrado nessas demandas, entre ressarcimento, multa e restituição está na ordem de US$ 6.2 bilhões. Entre valores recuperados, bloqueados ou acordados, nos acordos de colaborações, nós temos em torno de US$ 830 milhões. E repatriados, nós temos em torno de US$ 140 milhões", disse Janot.
No STF, afirma, houve 47 inquéritos judiciais, 118 mandados de busca e apreensão — sendo que um deles atingiu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) —, 5 prisões preventivas — incluindo a do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), então líder do governo no Senado —, e 9 denúncias contra 32 pessoas.

DELAÇÕES PREMIADAS — Rodrigo Janot defendeu o recurso da delação premiada para o avanço das investigações. "21% das colaborações premiadas na Lava Jato são de pessoas presas", afirmou.
Janot refutou a tese de que o Ministério Público prende pessoas primeiro para forçar a realização de acordos de delação premiada. "No Brasil circula essa informação falsa. Mas dos 65 acordos de colaboração premiada, 51 foram feitas com pessoas em liberdade e 13 com pessoas presas", disse.
O procurador-geral afirmou que recebeu uma recomendação da vice-presidente da Câmara de Deputados da Itália sobre a Lava Jato, baseada na Operação Mãos Limpas, que investigou casos de corrupção no país italiano.
"Ela disse: 'Ou vocês encerram essa investigação, ou terceiros irão encerrá-la. Então é bom que vocês se organizem para manter controle do processo'."
Para Janot, é necessário fazer uma avaliação do custo-benefício da operação, pois ela envolve recursos financeiros e humanos com os quais o MP não estava preparado para arcar.
Ele falou ainda sobre o papel do Ministério Público no combate à corrupção, que caracterizou como "endêmica" no Brasil e ressaltou a importância da autonomia do órgão, que, afirmou, permite aos procuradores conduzir investigações como julgarem adequado para elucidar os fatos.

'MITOS DA LAVA JATO' — Em sua fala, Janot refutou três mitos que ele diz ser associados à Lava Jato. Primeiro, a ideia de que as prisões são feitas para estimular delações premiadas.
O segundo, de que a investigação seria responsável pela crise política. "A escolha que nós fizemos foi quebrar um círculo nada virtuoso em que o poder permite o alcance ilícito de recursos públicos e esses recursos públicos, ilicitamente apropriados, fazem crescer o poder. E o poder crescido tem acesso a mais recursos públicos ilícitos. A investigação pretendeu desfazer e está desfazendo esse círculo nada virtuoso."
O terceiro mito é que a investigação é responsável pela crise na economia. "Quanto à economia, acreditamos que os investidores querem segurança e transparência". "Eu acho que uma investigação de corrupção, mostrando que as instituições funcionam, ao contrário, ela dá segurança jurídica. Porque [mostra que] no Brasil, as instituições estão funcionando democraticamente."

SOCIEDADE E CORRUPÇÃO — Janot classificou a corrupção no Brasil como "endêmica", esclarecendo que não se trata de um fenômeno recente. "Esse sistema de corrupção não é uma coisa que surgiu do nada. Esse é um sistema que existe ao longo dos vários anos e são várias as circunstâncias que levam a esse sistema endêmico de corrupção."
Para ele, mudanças estruturais são necessárias para mudar esse quadro, como as 10 recomendações de combate à corrupção que o Ministério Público encaminhou ao Congresso. "Se não existirem mudanças estruturais, o que vai acontecer é que os agentes envolvidos nessa situação sairão e outros se incorporarão a esse processo endêmico de corrupção."
Para Janot, a sociedade deve se manter informada e cumprir um papel de vigilância para evitar qualquer tipo de retrocesso que se pretenda como reação às investigações. "A sociedade não pode se desmobilizar", defendeu.
Sobre a votação do impeachment, Janot brincou: "O nome de Deus foi invocado tantas vezes que é impossível que uma pessoa que foi citada tantas vezes não mereça ser investigada".

INTERFERÊNCIA — Janot lembrou que a estrutura de autonomia e independência do Ministério Público é constitucional e que qualquer mudança nesse papel teria de ser feito por meio de PECs.
"Toda vez que você deixa o processo político contaminar o processo técnico, o resultado não é bom. Temos que fazer nosso trabalho sem nos deixar envolver pelo clamor da rua."
Para ele, as manifestações populares devem influenciar a política, não o trabalho do MP.




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