Cidade dos Estados Unidos reduz violência ao oferecer dinheiro a criminosos
Boggan (à direita) com um mentor e um participante de programa |
Um programa de redução de violência que inclui o pagamento de até US$
1.000 por mês a jovens criminosos para incentivá-los a mudar de vida vem
transformando uma comunidade na Califórnia e servindo de modelo para
iniciativas semelhantes em outras cidades dos Estados Unidos.
Batizada de Operation Peacemaker (algo como Operação Pacificador), a
estratégia adotada pela cidade de Richmond desde 2010 identifica os
suspeitos de crimes com arma de fogo que são mais propensos a cometer
novas ofensas ou serem vítimas da violência por parte de gangues rivais.
Eles são então convidados a participar do programa, desde que se
comprometam com uma série de "objetivos de vida", em que estabelecem
aspectos que querem melhorar e metas para o futuro, como encontrar
emprego ou voltar a estudar. Outra condição é que se reúnam várias vezes
por semana com mentores.
O programa tem duração de 18 meses para cada turma e limite de idade de
30 anos. Depois dos seis meses iniciais, os participantes podem começar a
receber uma quantia mensal, que varia de US$ 300 a US$ 1.000, por até
nove dos 12 meses restantes, de acordo com o nível de participação e de
comprometimento demonstrado na busca dos objetivos estabelecidos.
TAXA DE HOMICÍDIOS
Mesmo aqueles que cometeram alguma infração não são expulsos nem deixam
de receber o dinheiro, desde que comprovem que estão comprometidos com
suas metas.
"O pagamento não é baseado em se estão atirando ou se deixaram as armas
de lado, e sim nas conquistas em relação às metas estabelecidas. Eles
são recompensados não pelo aspecto criminal de suas vidas, mas sim pelo
trabalho duro de tentar melhorar suas vidas", disse o idealizador da
estratégia, DeVone Boggan.
Análises iniciais sugerem que a iniciativa tem dado certo. Em 2007,
quando surgiu o Office of Neighborhood Safety (algo como "Escritório de
Segurança dos Bairros', ou ONS, na sigla em inglês), escritório ligado à
prefeitura que foi criado com o objetivo de combater a violência e do
qual o programa faz parte, Richmond registrou 47 homicídios.
"Desde então, a taxa de homicídios caiu 75%", comemora Boggan, que é diretor do ONS.
Diante do sucesso, outras cidades, como Oakland (Califórnia), Toledo
(Ohio) e a própria capital, Washington, se preparam para replicar o
programa.
MENTORES
Com 107 mil habitantes, Richmond já foi considerada a sexta cidade mais
violenta do país, de acordo com ranking divulgado em 2010 com dados do
FBI (Federal Bureau of Investigation, a polícia federal americana).
"Havia muita violência entre gangues. Em 2009, foram registrados 45
assassinatos e mais de 180 pessoas feridas por arma de fogo", lembra
Boggan.
"Em reuniões com a polícia, ouvi que 70% desses crimes eram causados por
apenas cerca de 20 jovens. E eles não estavam na cadeia. Então
decidimos encontrá-los e engajá-los", relata.
Para desempenhar essa tarefa, o ONS conta com uma equipe de mentores,
eles próprios com um passado de crimes e passagens pela prisão, que
circulam pelas comunidades com alto índice de violência e ganham a
confiança desses jovens.
O programa tem o apoio da polícia, mas funciona de forma independente.
São os mentores que escolhem os participantes, e eles não compartilham
informações com as autoridades policiais.
"Nem todos concordam, mas os comandantes da polícia entendem a
importância da nossa credibilidade com os jovens criminosos, de não
sermos vistos como informantes", ressalta Boggan.
CUSTOS
Além dos mentores, o programa conta com uma equipe que inclui
psicólogos, especialistas em resolução de conflitos, em abuso de
substâncias e em aconselhamento profissional, entre outros.
Segundo Boggan, a iniciativa custa entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão a
cada 18 meses. Os custos operacionais, incluindo salários, são cobertos
pelo município. O dinheiro para os pagamentos mensais aos participantes
vem de doadores privados.
Muitos questionam o pagamento a criminosos e o fato de não haver
controle sobre como gastam esse dinheiro (se em drogas, por exemplo).
Boggan diz entender as críticas, mas argumenta que o programa tem
reduzido a violência, o que abordagens mais tradicionais não
conseguiram, e que os custos de manter um criminoso na prisão ou de
homicídios e ferimentos por arma de fogo são bem mais altos.
Ele ressalta ainda que o incentivo financeiro é apenas uma pequena parte do programa, e não a mais importante.
"Menos de 60% dos participantes ganham recompensa financeira, e entre esses, a média mensal é de US$ 300 a US$ 750", esclarece.
A quantia recebida pelos participantes, de no máximo US$ 9 mil em 18
meses, fica abaixo da linha de pobreza nos Estados Unidos, onde são
considerados pobres indivíduos com renda de até US$ 12 mil por ano.
Boggan (na frente, ao centro) e participantes do programa em visita à deputada Barbara Lee, em 2014 |
VIAGENS
A especialista em violência entre gangues Angie Wolf, diretora do
National Council on Crime and Deliquency (Conselho Nacional sobre Crime e
Delinquência), organização sem fins lucrativos que fez uma avaliação
inicial da implementação do programa, também salienta que os pagamentos
não são a parte mais importante da estratégia.
"É uma intervenção complexa, profunda, de longo prazo. Não é tão rápido e
fácil como simplesmente dar US$ 1.000 para que deixem suas armas de
lado, é muito mais detalhado do que isso", disse Wolf.
Para Boggan, o que faz com que os participantes continuem se empenhando
não é o dinheiro, e sim o relacionamento positivo com os mentores, com
quem conseguem se identificar, e o fato de que, na maioria dos casos
pela primeira vez, estão sendo ouvidos, questionados sobre suas
necessidades e tendo suas opiniões levadas em conta.
O dinheiro recebido de doações também é usado em viagens. Participantes
têm a oportunidade de visitar outras cidades, Estados e até países, mas
com uma condição: devem aceitar viajar com com alguém que já tenham
tentado matar ou que tenha tentado matá-los.
"Assim têm a oportunidade de ver o outro em situações vulneráveis, percebem que têm muito em comum", diz Boggan.
FINANCIAMENTO
Outras cidades americanas, como Boston, Chicago e Pittsburgh, já
tentaram em diferentes épocas abordagens semelhantes contra a violência
entre gangues, identificando e engajando possíveis criminosos.
A maioria dessas iniciativas, porém, acabou interrompida por problemas como falta de financiamento.
Para Wolf, a combinação de financiamento público e privado é um dos
pontos positivos em Richmond e um desafio para cidades que buscam
replicar o modelo.
"Se a cidade financia o projeto até certo ponto, está dizendo que se
importa com essa questão e está investindo para melhorar, e isso é
importante", diz Wolf.
"Ter dinheiro privado cobrindo pagamentos aos participantes e viagens é
importante por questões políticas. Especialmente no atual clima nos
Estados Unidos, as cidades podem ter dificuldade política em pagar por
isso", diz Wolf.
Em Washington, a proposta vem provocando uma briga entre a prefeita,
Muriel Bowser, que não destinou parte do orçamento ao programa, e o
conselho municipal.
Bowser é contra a ideia e afirma que não há dados suficientes para verificar o sucesso da iniciativa em Richmond.
Mas os membros do conselho consideram essa a melhor alternativa para
combater a crescente violência na capital americana e aprovaram a
proposta por unanimidade.
CRÍTICAS
A falta de uma análise mais profunda que comprove os resultados é uma das críticas à iniciativa de Richmond.
Opositores do programa, inclusive no conselho municipal, dizem que a
queda nas taxas de homicídio a partir de 2007 coincidiu com outros
fatores, como a troca do chefe de polícia e mudanças demográficas.
Salientam ainda que, no ano passado, os crimes voltaram a crescer.
Boggan rebate essas críticas ao apontar para o fato de que 94% dos
participantes desde a implementação do programa, que está agora em sua
quarta turma, continuam vivos, e 84% não foram feridos por arma de fogo
"Alguns conseguem emprego, alguns foram para a faculdade, mas o
importante é que a maioria não vai mais usar armas como maneira de
resolver um conflito. É assim que medimos nosso sucesso", diz Boggan.
Boggan (à direita) e participantes do programa |
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