Mulher de marqueteiro do PT diz que Mantega intermediou caixa 2 — em delação, Monica Moura conta que recebeu recursos não declarados da campanha de Dilma em 2014
Confissão — mulher de João Santana conta que negociou com o ex-ministro Guido Mantega pagamento em campanha |
O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES, Guido Mantega,
intermediou o pagamento de caixa 2 para a campanha pela reeleição de
Dilma Rousseff em 2014, segundo a mulher do marqueteiro João Santana,
Monica Moura. Em relato a procuradores federais de Brasília para tentar
fechar acordo de colaboração premiada, Monica contou que Mantega se
reuniu com ela e indicou, mais de uma vez, executivos de empresas que
deveriam ser procurados para ela receber contribuições em dinheiro, que
não passaram por contas oficiais do PT e, por isso, não foram declaradas
à Justiça Eleitoral. Mantega reconhece ter se encontrado com Mônica,
mas nega a acusação. O coordenador jurídico da campanha de Dilma
Rousseff, Flávio Caetano, negou ter havido caixa 2 na campanha pela
reeleição da presidente e também que Mantega tenha solicitado a
empresários valores para campanha.
A mulher de João Santana também revelou que na disputa de 2014, pelo
menos R$ 10 milhões teriam sido pagos a ela e a João Santana fora da
contabilidade oficial. E mais: pagamentos via caixa 2 não teriam sido
prática exclusiva da última eleição: ocorreram nas campanhas
presidenciais pela eleição de Dilma (2010), e pela reeleição de Lula
(2006), além das campanhas municipais de Fernando Haddad (2012), Marta
Suplicy (2008) e Gleisi Hoffmann (2008).
Sócia em empresas e braço direito do marqueteiro petista, ela disse ter
registrado em uma agenda, que não foi apreendida pela PF, detalhes dos
encontros mantidos em hotéis e restaurantes de São Paulo com
interlocutores dos executivos indicados por Mantega, com o intuito de
recolher as contribuições, que eram entregues em malas de dinheiro.
O advogado de Mantega, José Roberto Batochio, reconheceu que o
ex-ministro teve encontros privados com Monica Moura, mas negou que
tenham tratado de logística de pagamento de caixa 2 de campanha.
— Foram duas ou três conversas, jamais no ministério (da Fazenda). Se
ele conversou com Monica em algum momento, foi somente quando indagado
sobre dados técnicos e econômicos para elaboração de produtos de
comunicação para a campanha. Quem tratava de recursos era o tesoureiro —
afirmou o defensor do ministro, para quem a acusação é um "rotundo
equívoco".
As investigações apontam que Monica, no entanto, cuidava de assuntos
administrativos e financeiros do casal. Perguntado se outras pessoas
participaram dos encontros, o defensor informou que preferia não se
manifestar.
Segundo Monica, a Odebrecht pagou R$ 4 milhões em dinheiro para a
campanha de Dilma em 2014, não registrados nas contas oficiais de
campanha. Os valores teriam sido entregues diretamente para ela e usados
para pagar fornecedores na área de comunicação. Ela afirma poder
indicar, também, as empresas responsáveis pelos outros R$ 6 milhões
recebidos por ela e usados para o mesmo fim.
Os dados trazidos por Monica dão novo sentido a anotações do celular do
executivo Marcelo Odebrecht citadas em relatório da Polícia Federal
(PF). Produzido em junho do ano passado, o documento mostra que em uma
nota o empresário registrou a sigla “GM” ao lado de um número de
celular. Quando a reportagem ligou para o telefone, Mantega atendeu. Ao
lado da sigla também está a mensagem “Pedido específico, blindagem JEC”,
que a PF diz não saber o significado.
No relatório da PF, os peritos escrevem que a sigla GM “pertence,
possivelmente, a Guido Mantega”. Os agentes escreveram considerar a
anotação “27M” uma referência a pagamentos de R$ 27 milhões. Pela
hipótese levantada pela PF, a anotação associaria Mantega a um pagamento
de pelo menos R$ 25 milhões por parte da Odebrecht (R$ 4 milhões até
outubro e “depois”, R$ 21 milhões).
Em outras mensagens, o próprio executivo, que assinava e-mails com a
sigla MO, assume possível participação na tratativa de contabilidade
paralela de campanha. "Campanhas incluindo caixa 2 se houver, era só com
MO, que não aceitava vinculação", escreveu em trecho onde sugere uma
possível linha para delação de seus executivos. Em outra nota, ele
registrou: "liberar para feira pois meu pessoal não fica sabendo".
Segundo a força-tarefa, "feira" é uma menção a dinheiro que tinha como
destinatário final o casal João Santana e Monica Moura.
No primeiro depoimento prestado à PF, logo depois de ser presa, em 24 de
fevereiro, Monica Moura negou ter recebido caixa 2 por campanhas do
Brasil, mas admitiu conhecer Fernando Migliaccio, executivo da Odebrecht
que cuidava da área responsável por realizar pagamentos de propina na
empreiteira. Migliaccio foi preso na Suíça quando tentava resgatar
recursos em uma conta de banco no país.
O advogado do ex-ministro Guido Mantega, José Roberto Batochio, disse
não reconhecer a sigla “GM” como uma menção a seu cliente em anotações
do celular de Marcelo Odebrecht, apesar de o número do ex-ministro estar
registrado ao lado da sigla.
Anotações no celular de Marcelo Odebrecht
Sigla "GM" aparece ao lado do telefone do ex-ministro Guido Mantega
Mantega é investigado na Zelotes por decisões suspeitas do Carf ex-ministro já teve seu sigilo bancário e fiscal
quebrado pela Justiça do DF
quebrado pela Justiça do DF
Mais longevo ministro da Fazenda da história, entre 2006 e 2015, Guido
Mantega passou antes pela presidência do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico — BNDES (2004-2006) e pelo Ministério do
Planejamento (2003-2004).
Discreto e de perfil técnico, sempre se manteve afastado da vida
orgânica do partido, mas próximo da elite empresarial, em especial
depois do ingresso no governo federal.
Em novembro de 2015, o juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney
de Souza Oliveira, autorizou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal
quebrado em investigação da Operação Zelotes, ao lado de outros
investigados.
A investigação, que segue sob sigilo, busca apurar as circunstâncias de
nomeações de conselheiros do Carf — órgão vinculado ao Ministério da
Fazenda responsável pelo julgamento de recursos de empresas contra
multas aplicadas pela Receita Federal.
É investigada, também, a relação do ex-ministro com o empresário Victor
Sandri, um dos donos do Grupo Comercial Cimento Penha, beneficiado por
decisões suspeitas do Carf.
A Polícia Federal apurou que o grupo se livrou de uma dívida fiscal de
R$ 106 milhões graças à ação de uma empresa de consultoria. Não há
indicativos de que Mantega tenha recebido qualquer tipo de vantagem
material das empresas, mas o entendimento do MPF e da PF era de que as
investigações deviam ser aprofundadas. O ex-ministro nega qualquer
irregularidade.
CONSULTORIA — Depois de deixar o governo federal, em 2015, e cumprir
quarentena, Mantega abriu com a irmã uma empresa de consultoria em
gestão empresarial e administração de bens. Por pelo menos três vezes
ele foi agredido verbalmente em locais públicos de São Paulo e na
presença da família, em função de seu vínculo com o PT, em meio às
investigações envolvendo o partido.
As agressões ocorreram pela primeira vez na lanchonete do Hospital
Albert Einstein, onde a esposa dele passava por tratamento. As outras
duas foram no restaurante Aguzzo, em Pinheiros, e no restaurante Trio,
na Vila Olímpia.
Depois que o advogado do ex-ministro apresentou uma queixa-crime por
injúria, calúnia e difamação contra empresários identificados entre os
agressores, eles pediram perdão ao ex-ministro e, com isso, o caso foi
encerrado na Justiça.
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