domingo, 3 de abril de 2016


Golpear não é preciso



Dora Kramer
O que é um golpe? No sentido literal é sinônimo de pancada, contusão, traumatismo. No sentido figurado, quer dizer a obtenção de benefícios (políticos ou financeiros) indevidos mediante a prática de estratagemas ardilosos, podendo significar também retirada ilícita de dinheiro, desfalque, roubo.
Nesse aspecto, o da definição do termo que o PT usa para imprimir caráter de ilegalidade ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o acusador é quem preenche os requisitos de golpista, pois agride a democracia brasileira pela via da corrupção do aparelho de Estado para o financiamento de um projeto de poder. Aparelho este, cujo comando foi delegado ao partido pelo voto popular por quatro vezes consecutivas.
Tal delegação não confere salvo-conduto aos petistas nem a governante algum. Ao contrário: torna mais grave a traição à maioria da sociedade que lhe depositou a mais estrita confiança. Eleição, é bom que se diga e repita, não dá carta branca para o desrespeito aos princípios constitucionais da probidade, impessoalidade, transparência, moralidade e eficiência aos quais está submetida a administração pública em geral, Presidência da República de modo particular.
Nenhum desses preceitos está contemplado na trajetória dos governos dos últimos 14 anos, conforme já assentou o Supremo Tribunal Federal na condenação de parte da cúpula do PT no processo do mensalão e de acordo com o que diz agora a Operação Lava Jato ao conectar aquele sistema de compra de apoio parlamentar ao esquema de desvio de dinheiro da Petrobrás para o financiamento de campanhas eleitorais.
Há personagens repetidos, métodos parecidos e, sobretudo, finalidade semelhante: a distorção da representatividade mediante abusos continuados, de poder econômico, político e administrativo. As informações recentemente divulgadas pelo Ministério Público dão conta de uma provável infecção generalizada no Estado, cuja cura depende de a sociedade não arrefecer na cobrança por mudança e compreender que o PT transgrediu, mas não o fez sozinho.
De onde é essencial que não se repita o que houve na Itália depois de cinco anos de investigações da Operação Mãos Limpas: “cansaço” social e adesão aos argumentos de que havia abusos por parte dos juízes, numa tentativa — naquele caso bem sucedida — de inverter a ordem dos valores.
O Brasil não deveria repetir o equívoco. De uma parte nem de outra. Contamos com a vantagem do exemplo anterior, a fim de não conferir crédito à versão de que a possibilidade de um acordo geral pós-impeachment para dar fim às investigações da Lava Jato.
Parte do pressuposto equivocado de que o processo em curso esteja nas mãos dos políticos. Estes entram em campo quando a brasa se espalha e ameaça fritar todo mundo. A situação em curso é diferente. Não há condição objetiva que propicie uma operação abafa, a menos que a Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário estivessem dispostos a se desmoralizar. Não é o caso.
Nisso, a sociedade tem papel fundamental. Não pode se mostrar “cansada” de tanto atrito nem cair no conto do vigário segundo o qual os investigadores exorbitam de suas funções. Contra isso há um antídoto: discernimento, firmeza de valores e capacidade de dizer não ao contrário do bom senso.
O PT tem palavra solta e memória fraca. Invoca a Constituição que não assinou, renega a política econômica que adotou para governar, boicota as medidas necessárias à correção do desastre que ele mesmo criou, agride de modo contumaz o preceito legal da impessoalidade na administração pública, ameaça inviabilizar o governo se o PT vier a ser substituído pelo PMDB que por suas vezes alojou na vice-presidência e, portanto, no primeiro lugar na linha da sucessão presidencial.




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