Golpear não é preciso
Dora Kramer |
O que é um golpe? No sentido literal é sinônimo de pancada, contusão,
traumatismo. No sentido figurado, quer dizer a obtenção de benefícios
(políticos ou financeiros) indevidos mediante a prática de estratagemas
ardilosos, podendo significar também retirada ilícita de dinheiro,
desfalque, roubo.
Nesse aspecto, o da definição do termo que o PT usa para imprimir
caráter de ilegalidade ao processo de impeachment contra a presidente
Dilma Rousseff, o acusador é quem preenche os requisitos de golpista,
pois agride a democracia brasileira pela via da corrupção do aparelho de
Estado para o financiamento de um projeto de poder. Aparelho este, cujo
comando foi delegado ao partido pelo voto popular por quatro vezes
consecutivas.
Tal delegação não confere salvo-conduto aos petistas nem a governante
algum. Ao contrário: torna mais grave a traição à maioria da sociedade
que lhe depositou a mais estrita confiança. Eleição, é bom que se diga e
repita, não dá carta branca para o desrespeito aos princípios
constitucionais da probidade, impessoalidade, transparência, moralidade e
eficiência aos quais está submetida a administração pública em geral,
Presidência da República de modo particular.
Nenhum desses preceitos está contemplado na trajetória dos governos dos
últimos 14 anos, conforme já assentou o Supremo Tribunal Federal na
condenação de parte da cúpula do PT no processo do mensalão e de acordo
com o que diz agora a Operação Lava Jato ao conectar aquele sistema de
compra de apoio parlamentar ao esquema de desvio de dinheiro da
Petrobrás para o financiamento de campanhas eleitorais.
Há personagens repetidos, métodos parecidos e, sobretudo, finalidade
semelhante: a distorção da representatividade mediante abusos
continuados, de poder econômico, político e administrativo. As
informações recentemente divulgadas pelo Ministério Público dão conta de
uma provável infecção generalizada no Estado, cuja cura depende de a
sociedade não arrefecer na cobrança por mudança e compreender que o PT
transgrediu, mas não o fez sozinho.
De onde é essencial que não se repita o que houve na Itália depois de
cinco anos de investigações da Operação Mãos Limpas: “cansaço” social e
adesão aos argumentos de que havia abusos por parte dos juízes, numa
tentativa — naquele caso bem sucedida — de inverter a ordem dos valores.
O Brasil não deveria repetir o equívoco. De uma parte nem de outra.
Contamos com a vantagem do exemplo anterior, a fim de não conferir
crédito à versão de que a possibilidade de um acordo geral
pós-impeachment para dar fim às investigações da Lava Jato.
Parte do pressuposto equivocado de que o processo em curso esteja nas
mãos dos políticos. Estes entram em campo quando a brasa se espalha e
ameaça fritar todo mundo. A situação em curso é diferente. Não há
condição objetiva que propicie uma operação abafa, a menos que a Polícia
Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário estivessem
dispostos a se desmoralizar. Não é o caso.
Nisso, a sociedade tem papel fundamental. Não pode se mostrar “cansada”
de tanto atrito nem cair no conto do vigário segundo o qual os
investigadores exorbitam de suas funções. Contra isso há um antídoto:
discernimento, firmeza de valores e capacidade de dizer não ao contrário
do bom senso.
O PT tem palavra solta e memória fraca. Invoca a Constituição que não
assinou, renega a política econômica que adotou para governar, boicota
as medidas necessárias à correção do desastre que ele mesmo criou,
agride de modo contumaz o preceito legal da impessoalidade na
administração pública, ameaça inviabilizar o governo se o PT vier a ser
substituído pelo PMDB que por suas vezes alojou na vice-presidência e,
portanto, no primeiro lugar na linha da sucessão presidencial.
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