Ruídos preocupantes — relatório do Banco Central indica que pedaladas fiscais dispararam no governo Dilma
A Presidenta Dilma Rousseff (PT) |
O governo Dilma Rousseff (PT) há muito não prima pela sintonia entre
seus dirigentes. Quando se trata de definir os rumos da economia, então,
predomina uma dissonância paralisante, característica amplificada neste
momento em que o único interesse do Planalto é garantir a própria
sobrevivência.
De um lado, o governo acena com a promessa de maior responsabilidade
administrativa. Caso Dilma sobreviva ao impeachment, seria preparada
nova edição da "Carta ao Povo Brasileiro", que Lula divulgou em 2002 com
vistas a tranquilizar os mercados.
A receita, com menor apelo dramático, continuou sendo utilizada nos
últimos anos, sempre que o PT precisou conter temores de que estaria
prestes a patrocinar uma guinada populista. O efeito dessa estratégia,
porém, mostra-se declinante — e não só porque o Planalto abusou das
mentiras.
É que os sinais recentes apontam para outra direção. A divulgação de que
estaria em estudo na Petrobras uma redução de preços de gasolina
provocou queda de 9% no preço das ações. O presidente da estatal,
Aldemir Bendine, negou a mudança, admitindo apenas um debate interno
sobre maneiras de mitigar a queda das vendas, que chega a 10% neste ano.
Uma discussão dessa natureza até poderia ser oportuna se a situação
fosse de normalidade, mas mal começou o esforço de reconstrução da
estatal após o desastre provocado pelo PT e seus aliados.
A conta dos desmandos, infelizmente, recairá sobre o consumidor por
bastante tempo, na forma de preços internos de combustíveis mais altos
do que os praticados no mercado internacional. Nada poderia provocar
mais danos à Petrobras, neste momento, do que se revelar mais uma vez
suscetível a pressões populistas.
Esse não é o único motivo de alerta. O acordo do Executivo para
renegociar a dívida dos Estados e municípios em termos generosos, algo
em si inoportuno, pelo menos previa contrapartidas. Eis que o PT agora
pretende abandoná-las a fim de agradar governadores.
Por fim, a modificação proposta na execução do Orçamento pelo ministro
da Fazenda, Nelson Barbosa, sob o pomposo nome de Regime Especial de
Contingenciamento, na prática se traduz como carta branca para o Poder
Executivo descumprir metas de economia nas contas públicas.
É indisfarçável que o governo Dilma Rousseff quer encontrar maneiras de gastar mais.
A desafinação da orquestra e a imperícia da condutora já cobraram demais
do país. A se confirmarem os ensaios populistas, há riscos de ruptura
ainda maior no tecido econômico.
PEDALADAS FISCAIS — Dados publicados pelo Banco Central (BC) dão
dimensões precisas à explosão das manobras conhecidas como pedaladas
fiscais no governo Dilma Rousseff.
As pedaladas — o uso de dinheiro dos bancos federais em programas de
responsabilidade do Tesouro Nacional — são a base do pedido de
impeachment contra Dilma.
Os números do BC põem em xeque a tese principal da defesa da presidente,
segundo a qual seus antecessores também adotaram a prática.
Por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) o BC calculou os
atrasos em repasses do Tesouro aos bancos federais e ao FGTS (Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço) desde 2001, no governo FHC.
Os valores mostram uma tendência de alta a partir do final do governo Lula e uma disparada sob Dilma.
Ao final do governo tucano, a conta do Tesouro a ser saldada com seus
bancos era de R$ 948 milhões — em outras palavras, esse era o valor que,
no atual entender do TCU, deveria ser acrescentado à dívida pública.
Ao final do ano passado, a conta se aproximava dos R$ 60 bilhões, finalmente pagos, por determinação do tribunal, em dezembro.
Dilma já argumentou que a diferença de valores está relacionada à
expansão da economia brasileira e do Orçamento da União desde a década
passada. Mesmo quando são levados em conta os cenários diferentes, a
discrepância de valores permanece.
Entre 2001 e 2008, o impacto das pedaladas na dívida pública oscilou,
sem tendência definida, entre 0,03% e 0,11% do PIB (Produto Interno
Bruto, medida da riqueza nacional); a partir de 2009, o crescimento é
contínuo, até chegar ao pico de 1% do PIB.
CRIME OU NÃO — A escala das cifras é importante em uma discussão crucial
em torno do processo de impeachment — se a presidente cometeu ou não
crime de responsabilidade.
O Tesouro repassa regularmente recursos a seus bancos para a execução de
programas de governo. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, paga o
Bolsa Família, o seguro-desemprego e benefícios previdenciários.
Eventualmente, os repasses são insuficientes para os pagamentos. Nesses
casos, os bancos usam recursos próprios para manter os programas em
funcionamento, e o dinheiro é ressarcido depois pelo Tesouro.
Ao reprovar as contas do governo de 2014, o TCU considerou ter havido,
na prática, empréstimos dos bancos federais ao Tesouro, o que é crime,
segundo a legislação. Para o governo, os atrasos eram práticas
normalmente aceitas.
CONTAS MAQUIADAS — A legislação proíbe empréstimos de bancos a seus
controladores porque a transação dá margem a fraudes: o banco terá
óbvias dificuldades em cobrar a dívida e o controlador poderá se valer
de dinheiro que pertence a correntistas e poupadores.
No caso do governo, a acusação é que as pedaladas serviram para maquiar a
escalada insustentável das despesas do Tesouro — só depois da reeleição
de Dilma o governo admitiu que fecharia o ano de 2014 no vermelho.
É visível que o uso do expediente ganhou novos patamares a partir de
2009, quando a administração petista reagiu aos efeitos da crise
internacional com o aumento do crédito e do gasto público.
Naquele ano, foram lançados o Minha Casa, Minha Vida e o PSI (Programa
de Sustentação do Investimento), pelo qual o BNDES, banco oficial de
fomento, passou a conceder financiamentos a taxas favorecidas.
O Tesouro deveria arcar com os subsídios dos dois programas, para evitar
prejuízos da CEF e do BNDES. No entanto, o repasse desses recursos foi
sendo sucessivamente postergado. O mesmo aconteceu com os subsídios do
crédito agrícola, operado pelo Banco do Brasil.
O volume crescente de pagamentos em atraso passou a chamar a atenção de
analistas, mas só foi condenado pelo TCU no exame das contas de 2014. A reportagem questionou o Planalto sobre os dados do BC, mas não houve resposta até a publicação desta matéria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário