China é a maior cliente de offshores da Mossack Fonseca mercado chinês responde por 29% das offshores ativas
O presidente chinês Xi Jinping |
Oito membros antigos e atuais do Comitê Permanente do Politburo,
encarregado de tomar as decisões mais importantes para o país, têm
parentes que são proprietários de companhias offshore secretas.
Entre eles está um cunhado de Xi Jinping, atual presidente da China,
e um neto de Mao Tsé Tung, o fundador da República Popular da China.
A China é hoje o principal mercado da Mossack Fonseca, respondendo
por 29% das offshores ativas mantidas pela firma panamenha.
Há meses, Gu Kailai estava preocupada com um segredo que ameaçava
acabar com sua vida confortável e interromper a ascensão de seu
marido aos postos mais altos da liderança política da China. Então
decidiu agir.
Num quarto de hotel na cidade de Chongqing, no sul da China,
misturou chá com raticida numa garrafa; em seguida, despejou a
mistura na boca do seu sócio, o britânico Neil Heywood, que estava
prostrado na cama do hotel bêbado e zonzo. Os funcionários do hotel
encontraram o corpo dois dias mais tarde.
Gu acabou confessando o crime ocorrido em 2011. Disse que foi levada
a cometê-lo porque Heywood ameaçava revelar um perigoso segredo:
milhões de dólares em imóveis numa conta offshore do outro lado do
mundo.
Se ele contasse que ela usara a companhia nas Ilhas Virgens
Britânicas para esconder a propriedade de um sitio no sul da França,
o escândalo comprometeria o ingresso do marido, Bo Xilai, na
Comissão Permanente do Politburo, um organismo composto por menos de
10 integrantes na mais alta esfera do poder político na China.
Pouco mais de duas semanas após o assassinato — num documento agora
revelado pela série Panama Papers — a propriedade da companhia
offshore de Gu de repente mudou de mãos.
Suas ações na companhia foram transferidas para outro sócio,
provavelmente na tentativa de criar uma cortina de fumaça em torno
dos vínculos dela com a companhia ou com a finalidade de tornar mais
fácil para o associado agir rapidamente à medida que os
acontecimentos iam se desenrolando, segundo consta de alguns
documentos secretos.
No fim, os segredos de Gu não puderam mais ser ocultados. Sua
tentativa de manter no anonimato a propriedade offshore acabou em
morte para Heywood e na prisão para ela e o marido — e acrescentou
mais combustível às preocupações a respeito dos esconderijos
utilizados pela elite chinesa para burlar o Fisco e ocultar sua
riqueza.
Documentos fornecem novos detalhes sobre as transações de Gu no
exterior e também revelam uma quantidade de novas informações sobre
os bens que as famílias de outros chineses poderosos mantêm no
exterior.
O COMUNISMO CONHECE O CAPITALISMO — Os papéis mostram que Xi Jinping, considerado o ‘Presidente de Tudo’
na China — seus títulos incluem o de presidente, líder do Partido
Comunista e comandante chefe militar — tem um cunhado proprietário
de companhias estabelecidas em paraísos fiscais.
Os parentes de pelo menos sete outros ex-integrantes da restrita
Comissão Permanente — inclusive dois que atualmente estão ao serviço
de Xi — também possuem bens no exterior, segundo os registros. Um
destes parentes é um neto de Mao Zedong, o fundador da República
Popular da China.
Não é nenhum segredo que vários filhos e netos de heróis
revolucionários da China tiveram sucesso no mundo dos negócios. A
China é a segunda maior economia do mundo e tem centenas de
bilionários.
Mas o fato de alguns dos indivíduos com vínculos políticos mais
profundos terem se servido das redes offshore para ocultar seus bens
dos olhos do público é bem pouco conhecido.
Entre os clientes chineses de alto escalão do escritório de
advocacia está Deng Jiagui, cunhado do líder supremo Xi Jinping, que
fez da luta contra a corrupção a marca do seu governo. Deng Jiagui
adquiriu uma companhia offshore por intermédio da Mossack Fonseca em
2004 e mais duas em 2009.
As companhias foram chamadas Supreme Victory Enterprises Ltd., Best
Effect Enterprises Ltd. e Wealth Ming International Ltd. Não está
claro com que finalidade as empresas foram usadas, pois a Supreme
Victory foi dissolvida em 2007 e as outras duas se tornaram inativas
na época em que Xi se tornou líder do Partido Comunista em 2012.
Outra cliente de grande prestígio é a filha de Li Peng, o premiê
chinês de 1987 a 1998. Li é mais conhecida internacionalmente por
monitorar a sangrenta repressão militar dos protestos favoráveis à
democracia na Praça de Tiananmen, em 1989.
Sua filha, Li Xaolin, e seu marido são proprietários da Cofic
Investments, uma companhia criada nas Ilhas Virgens Britânicas e
registrada em 1994. Em e-mails internos, os advogados de Li afirmam
que os recursos da empresa são fruto da ajuda prestada para
facilitar a exportação de equipamento industrial da Europa para a
China.
Os arquivos mostram que a propriedade foi ocultada por muitos anos
por meio da utilização de ações ao portador, que são registradas sem
nomes — se caírem em suas mãos, você será o seu dono.
Elas foram consideradas por muito tempo um veículo para a lavagem de
dinheiro e outros crimes, e desapareceram gradativamente em todo o
mundo a medida que os governos foram endurecendo as regulamentações
visando coibir o fluxo de dinheiro sujo.
Ao que tudo indica, a nova geração da chamada nobreza vermelha foi
conhecendo o mundo das offshore ainda muito jovem. A neta de Jia
Qinglin, que foi o membro Nº 4 da Comissão Permanente até 2012, tem
bens offshore. Jasmine Li Zidan tornou-se proprietária de uma
companhia offshore chamada Harvest Sun Trading Ltd. em 2010 — quando
ainda era caloura na Universidade de Stanford.
Desde então, Jasmine Li criou um empreendimento surpreendentemente
grande para uma pessoa com menos de 30 anos: suas duas entidades de
fachada nas ilhas Virgens Britânicas foram usadas para criar duas
companhias em Pequim com um capital registrado de US$ 300 mil.
Como as duas companhias criadas nas Ilhas Virgens Britânicas possuem
ações de Li nas empresas de Pequim, ela pôde manter o nome da
família fora dos documentos de registro.
Os arquivos que vazaram põem em luz a utilização do mundo offshore
por alguns membros da elite política chinesa para manter suas
finanças na mais completa discrição.
Nem todas as transações offshore são ilegais, mas o registro de
empresas nas Ilhas Virgens Britânicas e em outros países pode ser
utilizado para lançar uma sombra sobre as conexões financeiras entre
as elites políticas e os ricos patronos, ocultar bens, sonegar
impostos e possibilitar compras anônimas de ações.
Elas permitem também a figuras de grande prestígio estabelecer
empreendimentos no próprio país em nome de sua companhia de fachada
no exterior sem que ninguém saibam que elas são os seus
proprietários. Estas são apenas algumas das técnicas que azeitam os
mecanismos do moderno capitalismo chinês com características
comunistas.
Assim como os ‘príncipes herdeiros’ com conexões políticas, os
clientes chineses da Mossack Fonseca incluem os super ricos, como
Shen Guojun, que fundou a cadeia de shopping centers chineses
Intime. Shen era um acionista, juntamente com o astro do kung fu,
Jackie Chan, e outros, de uma companhia chamada Dragon Stream
Limited, criada e registrada nas Ilhas Virgens Britânicas em 2008.
Outra bilionária, Kelly Zong Fuli, a filha do bilionário dos
refrigerantes Zong Qinghou, adquiriu em fevereiro de 2015 uma
companhia de fachada nas Ilhas Virgens Britânicas chamada Purple
Mystery Investments, com a ajuda da Mossack Fonseca.
A correspondência mostra que o objetivo da companhia era “investir
na China”. Shen Guojun, Jackie Chan e Kelly Zong Full não atenderam
à solicitação de comentários da ICIJ (Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos).
CHINA É HOJE PRINCIPAL CLIENTE DA MOSSACK FONSECA — O escritório de advocacia panamenho — considerado um dos cinco
maiores empresas especializadas na constituição de companhias
offshore do mundo — criou a Mossack Fonseca Secretaries Limited em
Hong Kong em agosto de 1989, e, o começo, ela operava num escritório
no Kowloon Centre em Tsim Sha Tsui, um bairro fervilhante de
atividades, repleto de anúncios de neon conhecido por seus museus e
lojas.
Ela estabeleceu seu primeiro escritório na China em 2000. Hoje,
segundo seu site, ela tem escritórios em oito cidades importantes,:
Shenzen, Ningbo, Qingdao, Dalian, Xangai, Hangzhou, Nanjing e Jinan.
Uma análise dos documentos vazados, realizada pela ICIJ (Consórcio
Internacional de Jornalistas Investigativos), mostra que no final de
2015 a Mossack Fonseca coletava comissões para mais de 16.300
companhias offshore constituídas por intermédio dos escritórios de
Hong Kong e da China.
Estas companhias representavam 29% das companhias ativas da Mossack
Fonseca tornando a China o mercado líder da firma de advocacia. Seu
escritório mais ativo na Ásia — e mesmo em todo o globo — é Hong
Kong.
A LEGISLAÇÃO E A LAVAGEM DE DINHEIRO — As leis internacionais sobre lavagem de dinheiro exigem que
intermediários como a Mossack Fonseca empreendam uma análise mais
rigorosa ainda de funcionários do governo e suas famílias para
assegurar que suas fortunas não sejam a decorrência de propinas.
Alguns clientes, como Shi Youzhen, a mulher de Zong Qinghou, o
magnata da Wahaha, foram objeto de “diligência prévia aprofundada”,
inclusive de investigações a respeito dos ativos de suas companhias
offshore.
Um exame dos registros mostra que o escritório aceitou também outros
clientes sem determinar se eles tinham vínculos familiares com
personagens dos altos escalões da política.
Os documentos mostram, por exemplo, que ninguém no escritório de
advocacia reconheceu ou identificou Deng Jiguai como cunhado de Xi
Jinping quando a firma ajudou Deng a registrar companhias offshore
nas Ilhas Virgens Britânicas em 2004 e 2009.
A Mossack Fonseca também não reconhece aparentemente há anos ou
desconhece os vínculos familiares de Li Xaolin, a única filha do
ex-premiê chinês Li Peng.
A Mossack Fonseca não levantou objeções à utilização de ações ao
portador para controlar a companhia da qual Li Xaolin e o marido
eram os proprietários, a Cofic Investments, até 2009, quando as
Ilhas Virgens Britânicas introduziram normas mais rigorosas contra a
lavagem de dinheiro que proíbem seu uso.
Segundo os documentos vazados, o escritório de advocacia não
investigou a fundo os antecedentes dos verdadeiros detentores das
ações da companhia, mesmo quando a estrutura de propriedade foi
transferida, em 2010, das ações ao portador para outro arranjo
secreto, uma fundação no minúsculo principado do Lichtenstein, na
Europa Central.
Àquela altura, Li Xaolin se estabelecera na China como mais do que
apenas a filha de um famoso líder político. Ela se tornara uma
executiva de alto escalão no setor de energia do país — passando a
ser chamada a Rainha da Energia da China — e delegada à Conferência
Consultiva Política Popular da China, um organismo consultivo do
Legislativo chinês.
E-mails mostram que em 2014 chegou finalmente ao conhecimento da
Mossack Fonseca o fato de que Li Xaolin e seu marido eram os
verdadeiros proprietários da Cofic Investments, numa investigação
realizada pelas autoridades reguladoras do Fisco das Ilhas Virgens.
Os registros não explicam o que estava sendo investigado, mas mesmo
então, alguns funcionários do escritório de advocacia aparentemente
não fizeram a conexão de que Li Xaolin era uma participante ativa da
política e do mundo dos negócios da China.
O advogado Charles-André Junod de Genebra, que foi diretor da Cofic
Investments, não quis comentar, mas disse que sempre respeitou a
legislação. Li Xaolin não respondeu a reiterados pedidos de
comentários.
Numa carta ao ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos), a Mossack Fonseca disse que o escritório tinha
“implantado as necessárias políticas e procedimentos” para a
identificação e gestão de casos que envolviam políticos ou pessoas
associadas a eles.
E afirmou que a companhia considera estes casos específicos “de alto
risco” e empreende a diligência prévia e o seguimento periódico.
“Realizamos uma diligência prévia completa de todos os novos
clientes novos e dos clientes em potencial que muitas vezes é mais
rigorosa do que as normas e padrões atualmente em vigor aos quais
nós e os outros somos obrigados a obedecer”.
COMPANHIA DE US$ 1 — Outro ‘príncipe herdeiro’ que driblou o processo de triagem da
Mossack Fonseca sem muita atenção foi Jasmine Li, a neta de um
ex-membro do Comitê Permanente. Li era estudante em Stanford quando
ingressou no mundo offshore.
Não há nenhuma prova nos documentos vazados da Mossack Fonseca de
que o escritório de advocacia tivesse uma cópia da sua cédula de
identificação com foto, embora este fosse um procedimento padrão.
Se os funcionários da Mossack Fonseca tivessem verificado com mais
cuidado, talvez tivessem descoberto um vínculo financeiro entre ela
e outro dos seus clientes, Zhang Yuping, presidente e fundador da
Hengdeli, uma distribuidora chinesa de relógios de luxo.
Zhang era o único acionista de uma companhia das Ilhas Virgens
Britânicas chamada Harvest Sun Trading Limited. Os registros
públicos mostram que a Harvest Sun foi usada para comprar ações numa
companhia listada na bolsa de Hong Kong chamada China Strategic
Holdings, em abril de 2010.
Meses mais tarde, em agosto, a Harvest Sun vendeu algumas das ações,
e em setembro descarregou seu patrimônio restante, segundo
documentos da Bolsa de Hong Kong.
Em dezembro de 2010, os registros da firma de advocacia mostram que
Zhang transferiu a propriedade da companhia de fachada agora vazia
para Jasmine Li, que na época era caloura na Universidade Stanford,
afirma sua página na rede social LinkedIn.
Os arquivos da Mossack Fonseca mostram que Li tem também uma segunda
companhia nas Ilhas Virgens Britânicas chamada Xin Sheng Investments
Limited. Li usou a Harvest Sun e a Xin Sheng para criar duas
empresas do mesmo nome em Pequim com negócios no setor do
entretenimentos e de imóveis.
As companhias offshore funcionavam como blindagem para a sua
identidade. O advogado de Zhang, Victor Lee, confirmou por e-mail
que a Harvest Sun foi transferida de Zhang para Li em 2010. O
advogado disse que não havia patrimônio na Harvest Sun na época e
que Zhang considerou a transferência “razoável” porque a companhia
era “apenas uma empresa de fachada sem ativos”.
“Nosso cliente não tinha nenhum vínculo com a sra. Li, que lhe foi
apresentada por alguns sócios na empresa”, escreveu o advogado, sem
fornecer maiores detalhes. Ele disse que a transferência significou
que Jasmine Li poderia ser a proprietária da empresa “sem a
necessidade de criar outra companhia de fachada”.
FAVORECIMENTO — Empresários na China frequentemente tentam granjear os favores de
líderes dos altos escalões ajudando seus cônjuges, filhos, netos e
outros parentes próximos.
A natureza destes vínculos simbióticos mas secretos foi escancarada
durante o processo de Gu Kailai e seu marido Bo Xilai, que dependia
em grande parte de um riquíssimo magnata do plástico do nordeste da
China chamado Xu Ming.
Como Bo disse durante seu processo por corrupção em agosto de 2013:
“Xu Ming prestou uma enorme assistência financeira à minha família
(…) Eu o ajudei a conseguir ‘rápidos avanços’, e ele me ajudou a
cuidar do meu filho”.
Bo cumpre pena de prisão perpétua por pagamento de propina,
apropriação indébita e abuso de poder, embora ele afirme que algum
dia ele poderá justificar-se.
Gu foi condenada à morte pelo assassinato de Heywood. Em dezembro de
2015, as autoridades chinesas mudaram a pena para prisão perpetua.
A sentença do tribunal contra Bo ordenou o confisco da chácara no
sul da França pelo governo chinês. A imprensa oficial chinesa
noticiou em 2014 que o imóvel fora posto à venda. Preço sugerido:
US$ 8,5 milhões.
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