Sem delação não há punição —
Especialista na colaboração de criminosos, Stephen S. Trott, o juiz
americano que inspirou Sergio Moro, diz por que e quando a delação
premiada é crucial para uma investigação
O juiz americano Stephen S. Trott |
Na sentença que condenou a cúpula da empreiteira Camargo Corrêa, o
doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa
na Lava-Jato, o juiz Sergio Moro citou longamente o colega americano
Stephen S. Trott para ressaltar a importância da delação premiada. "Se
fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como
testemunhas de acusação, muitos processos importantes — especialmente na
área de crime organizado ou conspiração — jamais poderiam ser levados
às cortes", dizia um dos trechos. Em 2007, antes de se tornar conhecido
com a Lava-Jato, Moro traduziu um ensaio de Trott intitulado "O uso de
um criminoso como testemunha: um problema especial", que discorre sobre
os benefícios e as armadilhas das delações. Aos 75 anos, Trott é um
especialista no assunto. Como promotor, negociou com criminosos por mais
de vinte anos e ministrou centenas de palestras sobre o tema para
colegas, policiais federais e agentes de combate ao narcotráfico. Trott
falou a reportagem de seu gabinete, em Boise, em Idaho, pelo telefone.
Quando a delação premiada é insubstituível?
Em investigações de grandes organizações criminosas, como as
que envolvem crimes de colarinho-branco, corrupção governamental,
tráfico de drogas e terrorismo. Em casos como esses, é impossível
investigar a fundo sem o uso de criminosos como informantes.
Por quê?
Porque, se não fossem eles, só pegaríamos peixes pequenos — os
tubarões ficariam intocados. Entre as funções dos peixes menores, está
justamente a de isolar e proteger os grandes. Como os investigadores
brasileiros conseguiriam desmantelar essa quadrilha da Lava-Jato sem o
depoimento de Alberto Youssef, por exemplo? É preciso que alguém rompa o
silêncio.
O senhor acompanha as investigações da Lava-Jato?
Passei a ler sobre ela há pouco, é um caso muito interessante.
Tem inclusive algumas semelhanças com o Watergate, que conheço bem.
Quando esse escândalo ocorreu, eu era procurador em Los Angeles e
trabalhei em um caso menor, mas que tinha conexão com ele. Deparamos com
cubanos que tinham ajudado na invasão do edifício (edifício Watergate,
onde ficava a sede do Partido Democrata, espionado a mando do então
presidente Richard Nixon). Em troca de imunidade, eles nos deram
informações valiosas, que ajudaram a chegar até o topo da cadeia de
comando e a puxar o fio da meada que levaria ao presidente Nixon e à sua
renúncia. No Brasil, parece ter ocorrido algo parecido: uma
investigação aparentemente lateral tomou vulto e agora chega muito perto
da cúpula do governo.
Dado que as pessoas que fazem acordos de delação premiada são
criminosas e, portanto, desonestas, até onde os investigadores podem
confiar nelas?
É verdade que informantes envolvidos em atitudes ilícitas são
criminosos e que, por causa disso, devemos assumir de antemão que são
desonestos e podem, por exemplo, incriminar outras pessoas com o
objetivo de escapar da cadeia.
E como escapar dessa armadilha?
Escapa-se dessa armadilha entendendo que o depoimento de um
delator tem de ser apenas o ponto de partida do promotor. Daí em diante,
ele irá investigar a veracidade das informações e sair em busca de
provas robustas, materiais ou testemunhais, que as corroborem. É algo
bastante diferente de basear uma investigação apenas na palavra de um
criminoso.
A presidente brasileira, Dilma Rousseff, afirmou recentemente
que não respeita delatores. O senhor acha que isso sugere um
entendimento equivocado da parte dela sobre o papel desses
colaboradores?
Eu também não respeito delatores, mas não porque sejam
delatores, e sim porque são criminosos. Não é necessário respeitá-los. É
preciso apenas ouvir o que eles têm a dizer e investigar a fundo se o
que disseram procede.
Críticos do juiz Sergio Moro já o acusaram de manter suspeitos
na cadeia como forma de forçá-los a fazer acordos de delação. O senhor é
contra fechar acordos de delação com acusados presos?
O fato de um criminoso candidato à delação estar preso ou
solto não faz diferença. A prisão — ou a possibilidade de deixá-la de
imediato — é apenas mais um incentivo para que ele fale. Nos Estados
Unidos, os bandidos conhecem o instituto da colaboração e sabem que
falar é a melhor maneira para se livrar das longas penas. Essa é a
preocupação deles.
A prisão domiciliar é uma pena aceitável?
Não quero criticar o trabalho de colegas no Brasil, mas aqui
nos Estados Unidos não usamos prisão domiciliar para criminosos
importantes. Aqui, essa punição seria considerada piada. O ladrão de um
carro ou de uma bicicleta é preso e um criminoso rico que desvia milhões
pode ficar em casa com sua mulher e filhos vendo televisão? Uma punição
como essa não impede ninguém de roubar, porque o custo de cometer o
crime é muito baixo.
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