José Dirceu, de líder estudantil na ditadura ao mensalão e petrolão
José Dirceu, líder estudantil, chega preso ao Dops, após Congresso
da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo — 14/10/1968 |
Quem abre as páginas dos jornais dos últimos anos para ler a cobertura
de política conhece um José Dirceu, o poderoso ministro da Casa Civil no
primeiro governo Lula, envolto em escândalos de corrupção: das
acusações do mensalão, em 2005, até a Operação Lava-Jato da Polícia
Federal este ano. A história do mineiro de Passa Quatro, porém, começou
bem antes, como líder estudantil nos anos 60, inicialmente ligado ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB). Preso no auge da ditadura militar,
foi exilado em Cuba e, depois da anistia, ajudou a fundar o Partido dos
Trabalhadores (PT), em 1980. Pela legenda, a partir de 1986, foi eleito
quatro vezes, tornando-se, em 1º de dezembro de 2005, o primeiro
parlamentar petista a ter seu mandato cassado por denúncias de
corrupção.
Durante a resistência à ditadura, Dirceu chegou à presidência da União
Estadual de Estudantes (UEE) de São Paulo Paulo, onde estudava Direito
na PUC. Em outubro de 1968, junto com cerca de 800 estudantes, foi preso
no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, interior paulista, ficando detido
até o ano seguinte, quando teve sua nacionalidade cassada. Ele estava
entre os 15 presos políticos trocados pelo embaixador americano Charles
Elbrick, sequestrado em 1969, no Rio. Os sequestradores, ligados ao
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e à Ação Libertadora
Nacional (ALN), exigiam que Dirceu e os outros presos fossem levados
para um outro país. Primeiro, ele foi para o México e, depois, Cuba,
onde estudou, trabalhou e recebeu treinamento militar.
No retorno ao Brasil, seus anos de clandestinidade foram marcados também
por uma cirurgia facial, como uma tentativa de disfarce. Em 1975, José
Dirceu de Oliveira e Silva, então com 29 anos (nasceu em 16 de março de
1946), passou a adotar outro nome, Carlos Henrique Gouveia de Melo, para
viver em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Ali, Dirceu se casou
com Clara Becker, que na época não sabia da real identidade do marido. O
casal teve um filho, Zeca Dirceu, hoje deputado federal (PT-PR). Como
Carlos, Dirceu viveu na cidade paranaense até 1979. Naquele ano, após
pressão e mobilização da sociedade, o general João Figueiredo,
presidente da República, sancionou a Lei da Anistia, perdoando todos que
tivessem cometido os chamados crimes políticos, entre setembro de 1961 e
agosto de 1979. Dirceu pôde, então, retornar à legalidade. De volta a
São Paulo, foi apresentado a Luiz Inácio Lula da Silva por Frei Betto,
ex-preso político e autor do livro “Batismo de sangue”. Em 1980, junto
com intelectuais, sindicalistas, artistas e militantes de esquerda
participou da fundação do PT.
— Assinei a ata de fundação com o sentimento de que acabava de
readquirir meus direitos políticos e minha nacionalidade que a ditadura
roubara. O PT entrou em minha vida para não mais sair — afirmou.
Em 1986, foi eleito deputado estadual em São Paulo. Quatro anos depois,
elegeu-se deputado federal, sendo reconduzido à Câmara em 1994, 1998 e
2002. Em 1989, começavam as primeiras denúncias contra o então deputado.
José Dirceu foi acusado pelo Tribunal de Contas estadual de receber
indevidamente salário integral, em 1984, quando era secretário geral do
PT e funcionário da Assembleia Legislativa. Na ocasião, mesmo estando
ausente, em viagem ao exterior durante duas semanas, ele recebeu o
salário integral assinando irregularmente o ponto e cometendo o crime de
falsidade ideológica, segundo o conselheiro do TCE Antônio Carlos
Mesquita. Em 1991, Dirceu, como deputado federal participou das
investigações das denúncias de desvio de verba que levaram ao
impeachment do então presidente Fernando Collor. Com o senador Eduardo
Suplicy (PT-SP), Dirceu foi um dos autores do requerimento que levou à
criação da CPI que investigou o esquema de corrupção do empresário Paulo
César (PC) Farias na arrecadação de fundos para a campanha de Collor.
Em 1995, o mineiro sucedeu Lula na presidência do PT e assim permaneceu
até 2003, quando deixou o cargo para participar do governo petista como
chefe da Casa Civil. Como primeiro presidente do partido sem origem
sindical, foi considerado importante no processo de crescimento do PT e
na chegada de Lula à Presidência. Em seus quatro mandatos sucessivos,
apresentou um perfil moderado e tinha a promessa de estabelecer
alianças. Dentro do partido, cumpriu uma trajetória de pulso firme,
dando as ordens do jogo.
No ano seguinte em que assumiu a Casa Civil, veio à tona a crise
envolvendo Waldomiro Diniz, assessor do ministério. Waldomiro aparecia
num vídeo em que recebia propina do empresário conhecido como Carlinhos
Cachoeira. Em outra gravação, pedia dinheiro para campanha eleitoral. Em
2005, estourou o escândalo do mensalão. Em maio, começa a CPI dos
Correios, que investigava desvios nas estatais, e, em junho, a
artilharia se volta para Dirceu com as primeiras acusações do deputado
federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), da base aliada, de que ele seria
quem comandava o esquema do mensalão. Para se defender, Dirceu deixou
seu posto na Casa Civil e voltava à Câmara dos Deputados. No começo do
governo Lula, chegou a ser visto como seu possível sucessor, mas com os
escândalos vindo à tona, foi substituído por Dilma Rousseff na pasta
mais poderosa do governo.
Durante o processo de defesa, Dirceu negou todas as acusações. Afirmou
que não havia provas contra ele e que não admitia ser cassado sem
comprovação. Em audiência no Conselho de Ética da Câmara, disse que
estava convencido de sua inocência. Mesmo com inúmeras tentativas de
defesa, incluindo três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia
1º de dezembro de 2005, Dirceu foi cassado. Por 293 votos a 192, era o
primeiro deputado federal do PT a ter o mandato cassado. O então
presidente Lula, segundo fontes, negou ajuda ao companheiro de partido.
Mesmo após a cassação, Dirceu participou da articulação política, em
2009 e 2010, para ajudar a levar Dilma Rousseff à Presidência da
República.
Dois anos depois, em 2012, no processo do mensalão, o STF condenou
Dirceu por formação de quadrilha e corrupção ativa. Ele recebeu pena de 7
anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto, e multa de R$ 971 mil.
Os crimes aconteceram entre 2003 e 2005. Para o Supremo, Dirceu era o
responsável pelas ordens de pagamento de propina a parlamentares em
troca de apoio em votações no Congresso Nacional, garantindo ao governo
federal uma base aliada fiel. Até ser preso por suspeita de corrupção e
lavagem de dinheiro, na 17ª fase da Operação Lava-Jato da PF, Dirceu
cumpria o restante de sua pena, contada a partir de 2013, em regime
domiciliar. A suspeita atual é de que a consultora de Dirceu e de seu
irmão, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, teria prestado serviços de
fachada para encobrir desvios da Petrobras. Na delação premiada do
empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, o nome de Dirceu apareceu como
um dos beneficiados no desvio de dinheiro da petroleira. Os recursos
teriam sido usados em campanhas políticas. O esquema de corrupção da
Petrobras teria começado no primeiro governo Lula, nos moldes do
mensalão, articulado por Dirceu.
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