domingo, 27 de dezembro de 2015





José Dirceu, de líder estudantil na ditadura ao mensalão e petrolão




José Dirceu, líder estudantil, chega preso ao Dops, após Congresso da UNE, em Ibiúna,
no interior de São Paulo — 14/10/1968


Quem abre as páginas dos jornais dos últimos anos para ler a cobertura de política conhece um José Dirceu, o poderoso ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula, envolto em escândalos de corrupção: das acusações do mensalão, em 2005, até a Operação Lava-Jato da Polícia Federal este ano. A história do mineiro de Passa Quatro, porém, começou bem antes, como líder estudantil nos anos 60, inicialmente ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Preso no auge da ditadura militar, foi exilado em Cuba e, depois da anistia, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980. Pela legenda, a partir de 1986, foi eleito quatro vezes, tornando-se, em 1º de dezembro de 2005, o primeiro parlamentar petista a ter seu mandato cassado por denúncias de corrupção.
Durante a resistência à ditadura, Dirceu chegou à presidência da União Estadual de Estudantes (UEE) de São Paulo Paulo, onde estudava Direito na PUC. Em outubro de 1968, junto com cerca de 800 estudantes, foi preso no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, interior paulista, ficando detido até o ano seguinte, quando teve sua nacionalidade cassada. Ele estava entre os 15 presos políticos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado em 1969, no Rio. Os sequestradores, ligados ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e à Ação Libertadora Nacional (ALN), exigiam que Dirceu e os outros presos fossem levados para um outro país. Primeiro, ele foi para o México e, depois, Cuba, onde estudou, trabalhou e recebeu treinamento militar.
No retorno ao Brasil, seus anos de clandestinidade foram marcados também por uma cirurgia facial, como uma tentativa de disfarce. Em 1975, José Dirceu de Oliveira e Silva, então com 29 anos (nasceu em 16 de março de 1946), passou a adotar outro nome, Carlos Henrique Gouveia de Melo, para viver em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Ali, Dirceu se casou com Clara Becker, que na época não sabia da real identidade do marido. O casal teve um filho, Zeca Dirceu, hoje deputado federal (PT-PR). Como Carlos, Dirceu viveu na cidade paranaense até 1979. Naquele ano, após pressão e mobilização da sociedade, o general João Figueiredo, presidente da República, sancionou a Lei da Anistia, perdoando todos que tivessem cometido os chamados crimes políticos, entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Dirceu pôde, então, retornar à legalidade. De volta a São Paulo, foi apresentado a Luiz Inácio Lula da Silva por Frei Betto, ex-preso político e autor do livro “Batismo de sangue”. Em 1980, junto com intelectuais, sindicalistas, artistas e militantes de esquerda participou da fundação do PT.
— Assinei a ata de fundação com o sentimento de que acabava de readquirir meus direitos políticos e minha nacionalidade que a ditadura roubara. O PT entrou em minha vida para não mais sair — afirmou.
Em 1986, foi eleito deputado estadual em São Paulo. Quatro anos depois, elegeu-se deputado federal, sendo reconduzido à Câmara em 1994, 1998 e 2002. Em 1989, começavam as primeiras denúncias contra o então deputado. José Dirceu foi acusado pelo Tribunal de Contas estadual de receber indevidamente salário integral, em 1984, quando era secretário geral do PT e funcionário da Assembleia Legislativa. Na ocasião, mesmo estando ausente, em viagem ao exterior durante duas semanas, ele recebeu o salário integral assinando irregularmente o ponto e cometendo o crime de falsidade ideológica, segundo o conselheiro do TCE Antônio Carlos Mesquita. Em 1991, Dirceu, como deputado federal participou das investigações das denúncias de desvio de verba que levaram ao impeachment do então presidente Fernando Collor. Com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), Dirceu foi um dos autores do requerimento que levou à criação da CPI que investigou o esquema de corrupção do empresário Paulo César (PC) Farias na arrecadação de fundos para a campanha de Collor.
Em 1995, o mineiro sucedeu Lula na presidência do PT e assim permaneceu até 2003, quando deixou o cargo para participar do governo petista como chefe da Casa Civil. Como primeiro presidente do partido sem origem sindical, foi considerado importante no processo de crescimento do PT e na chegada de Lula à Presidência. Em seus quatro mandatos sucessivos, apresentou um perfil moderado e tinha a promessa de estabelecer alianças. Dentro do partido, cumpriu uma trajetória de pulso firme, dando as ordens do jogo.
No ano seguinte em que assumiu a Casa Civil, veio à tona a crise envolvendo Waldomiro Diniz, assessor do ministério. Waldomiro aparecia num vídeo em que recebia propina do empresário conhecido como Carlinhos Cachoeira. Em outra gravação, pedia dinheiro para campanha eleitoral. Em 2005, estourou o escândalo do mensalão. Em maio, começa a CPI dos Correios, que investigava desvios nas estatais, e, em junho, a artilharia se volta para Dirceu com as primeiras acusações do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), da base aliada, de que ele seria quem comandava o esquema do mensalão. Para se defender, Dirceu deixou seu posto na Casa Civil e voltava à Câmara dos Deputados. No começo do governo Lula, chegou a ser visto como seu possível sucessor, mas com os escândalos vindo à tona, foi substituído por Dilma Rousseff na pasta mais poderosa do governo.
Durante o processo de defesa, Dirceu negou todas as acusações. Afirmou que não havia provas contra ele e que não admitia ser cassado sem comprovação. Em audiência no Conselho de Ética da Câmara, disse que estava convencido de sua inocência. Mesmo com inúmeras tentativas de defesa, incluindo três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 1º de dezembro de 2005, Dirceu foi cassado. Por 293 votos a 192, era o primeiro deputado federal do PT a ter o mandato cassado. O então presidente Lula, segundo fontes, negou ajuda ao companheiro de partido. Mesmo após a cassação, Dirceu participou da articulação política, em 2009 e 2010, para ajudar a levar Dilma Rousseff à Presidência da República.
Dois anos depois, em 2012, no processo do mensalão, o STF condenou Dirceu por formação de quadrilha e corrupção ativa. Ele recebeu pena de 7 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto, e multa de R$ 971 mil. Os crimes aconteceram entre 2003 e 2005. Para o Supremo, Dirceu era o responsável pelas ordens de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio em votações no Congresso Nacional, garantindo ao governo federal uma base aliada fiel. Até ser preso por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, na 17ª fase da Operação Lava-Jato da PF, Dirceu cumpria o restante de sua pena, contada a partir de 2013, em regime domiciliar. A suspeita atual é de que a consultora de Dirceu e de seu irmão, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, teria prestado serviços de fachada para encobrir desvios da Petrobras. Na delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, o nome de Dirceu apareceu como um dos beneficiados no desvio de dinheiro da petroleira. Os recursos teriam sido usados em campanhas políticas. O esquema de corrupção da Petrobras teria começado no primeiro governo Lula, nos moldes do mensalão, articulado por Dirceu.






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