sábado, 5 de dezembro de 2015





O vigor do fato




Dora Kramer
A motivação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para aceitar o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff é o que menos importa de agora em diante. Tenha sido técnica ou vingativa a decisão estabeleceu um fato e é este que prevalecerá sobre as razões de Cunha.
Do mesmo modo, há 23 anos, quando Pedro Collor denunciou a existência de traficâncias no governo do irmão, Fernando, foi acusado de agir motivado por ter sido preterido na partilha do butim e também em reação à suposição de que o então presidente da República teria tido um envolvimento com a cunhada Thereza. Além disso, Pedro foi apontado como portador de perturbação mental.
Logo, porém, tudo isso virou acessório e às versões laterais se sobrepôs o fato principal: o andamento do processo de pedido de impeachment. E assim ocorre agora. A batata de Cunha já estava assada, mas a de Dilma caminha para o forno. Seja qual for o resultado final. Continue a presidente ou não no exercício do mandato, esperam por ela dias, semanas ou meses infernais.
A reação imediata da presidente foi intempestiva e, como sempre, mal pensada. Quis, em seu pronunciamento, valer-se de sua biografia para confrontá-la com a folha corrida do presidente da Câmara. “Não possuo contas no exterior”, disse ao microfone, a título de comparação. Fora dele, fez disseminar a versão de que pagava o preço de ter resistido à chantagem de Eduardo Cunha.
O problema é que só tomou tal atitude depois de anunciada a aceitação do pedido de impeachment. Até então, os líderes no Congresso, ministros e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva trabalhavam no sentido de não hostilizar o presidente da Câmara para desestimulá-lo de tomar a decisão que afinal tomou. Além disso, a referência às contas no exterior soou extemporânea, pois enquanto o governo tinha medo e esperança não se ouviu palavra sobre a descoberta das contas, feita há mais de um mês.
A indignação da presidente, portanto, não “conversou” com a realidade. Serviu, antes, para animar o deputado Eduardo Cunha a revelar detalhes das tratativas palacianas para trocar votos em favor dele no Conselho de Ética por apoio a interesses do governo. Ele não vai parar. Ao falar, nada tem a perder. Ao contrário da presidente, cuja reputação ficará mais arranhada quanto mais a sociedade ouvir as revelações que Cunha se disponha a fazer.
O presidente da Câmara gastou sua arma principal. Não havia como não fazê-lo. Se esperasse o PT votar contra ele no conselho e se decidisse pelo impeachment, da mesma forma seria acusado de retaliar e não teria desculpa para negar. Se nada fizesse e porventura o PT o salvasse, estaria passado o recibo do acordo com o Planalto. A partir daí, ficariam um na mão do outro, desmentido o acerto, mentindo descaradamente à Nação, cada vez mais enrolados perante o público.
Agora a guerra se dá em campo aberto. Perdido, Cunha ainda pode ter a ilusão de faturar o “ato de coragem” e, no clima do salve-se quem puder, gastar o restante de sua munição como já começou a fazer nesta quinta-feira, 3. Pior para Dilma, PT e companhia para quem, a depender do vigor dos fatos, ainda há muito a perder.
Na moita. A ideia do vice-presidente Michel Temer é ficar o mais calado possível. De preferência parado, sem se mexer em direção alguma. Não abrirá conversas — ao menos não de modo perceptível — com a oposição nem fará movimentos que possam ser interpretados como de alinhamento incondicional do governo.
Aos correligionários tem dito, desde a noite de quarta-feira, que espera não ser “constrangido” pelo assédio do Planalto em busca de solidariedade.






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