Navio afundado em 1708 com US$ 10 bilhões gera disputa entre Espanha e Colômbia
Mais de 300 anos depois de afundar com um carregamento de 200 toneladas
de ouro, prata e pedras preciosas (equivalentes hoje a cerca de US$ 10
bilhões), o navio espanhol San José acaba de ser localizado no litoral
colombiano, virando centro de uma crise diplomática entre Colômbia e
Espanha.
A fortuna que jaz no fundo do mar desde 1708 provinha das minas que o
Império Espanhol explorava no Peru, na Bolívia e no Equador. Junto ao
tesouro, estariam os restos de cerca de 600 marinheiros.
"É um patrimônio colombiano para os colombianos. Agora muitos vão se
dizer donos do navio, mas pertence à Colômbia", disse o presidente Juan
Manuel Santos, que anunciou o plano de um museu em Cartagena para exibir
os objetos encontrados, assim que sejam recuperados.
Segundo o governo colombiano, os restos do navio estão em "águas muito
profundas". Ainda não há previsão de quando se dará a retirada.
O governo espanhol diz, porém, que não abrirá mão da embarcação.
"Trata-se de um barco de Estado, e não de um navio privado. Há uma
titularidade de Estado onde quer que ele esteja", disse o chanceler
espanhol, José Manuel García-Margallo.
O assunto foi tratado na semana passada entre Margallo e a chanceler
colombiana, María Ángela Holguín, no encontro ibero-americano de
ministros das Relações Exteriores, em Cartagena.
Após a conversa, ambos disseram concordar em buscar uma saída
diplomática para o caso, mas nenhum dos dois lados anunciou, até agora,
que desistirá do navio.
Uma solução mais polêmica deu o presidente equatoriano, Rafael Correa.
Ele disse a Santos, durante a posse do argentino Mauricio Macri, que o
tesouro do San José deveria ser repartido por todos os países
latino-americanos, uma vez que viajava carregado de riquezas tiradas de
vários países pelos colonizadores europeus.
Presente à conversação, o mandatário peruano, Ollanta Humala, concordou com o colega.
LENDAS E LITERATURA
O galeão San José foi afundado por uma emboscada da Marinha da
Inglaterra, para impedir que as riquezas servissem a Felipe 5º, um
Bourbon, em guerra pela sucessão do trono espanhol.
Inglaterra, Portugal e Alemanha não queriam que ele ficasse com o trono, e sim que assumisse, em seu lugar, um Habsburgo.
Construído em 1698, em San Sebastián, o San José foi carregado num porto
panamenho e se aproximava de Cartagena para uma escala. Dali iria para
Havana e, depois, para Cádiz (Espanha), o destino final previsto.
Próximo de Cartagena, porém, o San José foi emboscado por navios chefiados pelo capitão Charles Wager.
Uma batalha naval de dois dias terminou com a derrota dos espanhóis, e o San José sucumbiu no dia 8 de junho de 1708.
A cena foi imortalizada em várias obras de arte, com destaque para o
quadro de Samuel Scott (1702-1772). Só 11 pessoas escaparam com vida.
Histórias sobre o tesouro alimentaram as artes e o imaginário da região.
A referência mais famosa está em "O Amor nos Tempos do Cólera" (ed. Record), do Prêmio Nobel Gabriel García Márquez (1927-2014).
Ambientado na cidade onde Gabo viveu na juventude, o romance conta a
história de amor entre um homem e uma mulher que se concretiza apenas na
velhice.
Louco de paixão, Florentino Ariza sonha encontrar o tesouro para "banhar de ouro Fermina Daza", sua amada.
No livro, Gabo escreve: "Aquela fortuna que jazia no fundo do mar, com o
cadáver do comandante flutuando, costumava ser evocado por
historiadores como emblema da cidade afogada em suas memórias".
Uma semana após o anúncio feito por Santos, o tema era um assunto na cidade histórica.
"Estou colocando 'O Amor nos Tempos do Cólera' na primeira fila do
mostrador. Já tem turista procurando pra ler sobre o galeão", disse a
livreira Marta Gutiérrez.
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