sexta-feira, 11 de dezembro de 2015




Pela primeira vez em quatro décadas,
só metade da população dos Estados Unidos é classe média



O presidente dos Estados Unidos Barack Obama 


A classe média dos Estados Unidos caiu a apenas metade da população do país pela primeira vez em pelo menos quatro décadas, enquanto as forças da mudança tecnológica e da globalização forçam uma separação entre vencedores e perdedores em uma sociedade rachada.
As fileiras da classe média agora são inferiores, por pequena margem, às das faixas de renda mais altas e mais baixas, pela primeira vez desde ao menos o começo dos anos 70, de acordo com as definições do Pew Research Center, uma organização de pesquisa apartidária, em um levantamento compartilhado com o "Financial Times".
As constatações surgem em meio a um debate cada vez mais intenso, no período que conduz à eleição presidencial norte-americana de 2016, sobre como restaurar a posição da classe média norte-americana.
A opinião prevalecente, de que a classe média está sendo comprimida, ajuda a alimentar parte da ira popular que favorece a política populista personificada pela candidatura de Donald Trump à vaga presidencial do Partido Republicano. "A classe média está desaparecendo", diz Alison Fuller, 25, que tem diploma universitário e trabalha para uma companhia iniciante do setor médico em Smyrna, Geórgia, e se vê como possível eleitora de Trump.
O centro de pesquisa Pew usou uma das mais amplas classificações de renda para definir classe média, em uma análise que detalha o esvaziamento de um grupo que serviu de fundação ao sucesso dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial.
Essa base da sociedade norte-americana agora abarca 50% ou menos da população adulta do país, ante 61% no final dos anos 60. Um aspecto notável é que a mudança foi causada tanto pela rápida ascensão nas fileiras dos norte-americanos mais prósperos para renda superior à que define a classe média quanto pela expansão no número de cidadãos mais pobres.
Jason Furman, presidente do conselho de assessores econômicos da Casa Branca, diz que "vimos um esvaziamento na porção central da distribuição de renda, e isso não tem uma causa única ou uma resposta única. É um grande problema, cujo surgimento ocorreu ao longo de décadas, e requererá uma série de soluções".
O debate político recente vem sendo dominado pela visão de que a sociedade dos Estados Unidos sofreu distorção devido aos avanços espantosos conquistados pelo 1% de pessoas mais ricas do país, em detrimento dos 99% restantes.
A pesquisa do Pew oferece um quadro mais nuançado, no entanto. Os domicílios em melhor situação — que o Pew define como aqueles com renda anual superior a US$ 125.608 — respondem por mais de um quinto da população dos Estados Unidos. É a maior proporção que esse levantamento já constatou, e os norte-americanos com nível elevado de educação e trabalhando para os setores de finanças, programação de computadores e biotecnologia desfrutam de fortes perspectivas. "Em média, há mais progresso do que regressão econômica", afirma o relatório.
Mas a campanha do magnata imobiliário Trump alimentou preocupações na ponta oposta da escala. A família de Alison Fuller tem uma casa de três dormitórios, mas também US$ 100 mil em dívidas de crédito educacional. Embora ela se incomode com algumas das propostas políticas de Trump, Alison diz que acredita que "ele no geral faria bem ao país", argumentando que é provável que reduza a carga tributária da classe média.
Embora tanto os democratas quanto os republicanos tenham prometido que agirão para restaurar a classe média, os partidos não concordam quanto ao que "classe média" quer dizer. O Pew divide a população norte-americana em dois segmentos de renda baixa, classe média, e dois outros segmentos de renda mais alta.
Para a organização, "classe média" significa um domicílio com renda de entre dois terços e o dobro da renda média nacional. Para uma família de três pessoas, isso significa entre US$ 41.869 e US$ 125.608 ao ano.
Desde 2008, o número de adultos em domicílios enquadrados às duas categorias de renda mais elevadas cresceu em 7,8 milhões de pessoas, ultrapassando o crescimento no número de adultos em domicílios das duas categorias de renda mais baixas, que foi de 6,8 milhões de pessoas. A classe média cresceu em três milhões de pessoas no mesmo período.
A pesquisa também acompanha diversos grupos demográficos diferentes a fim de determinar quem saiu ganhando e quem saiu perdendo nas últimas décadas. Os norte-americanos mais velhos são de longe os maiores vencedores, em termos de progressão pelas diferentes categorias de renda ao longo do século em curso, e também quando comparados à situação do começo dos anos 70, o levantamento constatou. Já a faixa etária dos 18 aos 29 anos registra o maior declínio.
Um fator chave por trás da divisão entre os norte-americanos bem sucedidos e aqueles que enfrentam dificuldade é o ágio superdimensionado que o mercado de trabalho paga por capacitação avançada e educação superior.
As pessoas com diploma de curso superior têm probabilidade oito vezes maior de se enquadrar às categorias de renda mais elevadas do que os adultos que não concluíram o ensino médio, e duas vezes mais elevadas do que as de um adulto que só tenha um diploma de ensino médio, constatou o Pew.
"Os norte-americanos desprovidos de diplomas universitários se destacam por experimentarem uma perda substancial de status econômico", afirma o relatório.
David Autor, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), constatou que a disparidade de renda entre o homem norte-americano médio dotado de diploma universitário e o norte-americano médio dotado de diploma de ensino médio dobrou entre 1979 e 2012, o que sublinha o crescente diferencial propiciado pelas realizações educacionais.
"Não houve grande crescimento de salários, mas continua a ser válido afirmar que o retorno sobre o investimento em educação é incrivelmente alto para as pessoas que entram em universidades razoáveis e concluem seus cursos", ele diz.
Assim, concentrar as atenções na disparidade entre o 1% mais rico e os demais 99% é enganoso. "Isso transmite às pessoas a mensagem errada de que, se você não for Mark Zuckerberg ou Bernie Madoff, está fora do jogo", disse Autor. "E a afirmação não é correta".
O senso de polarização na sociedade dos Estados Unidos é acentuado pelo rápido crescimento visto nas pontas extremamente rica e extremamente pobre do espectro. "A distribuição de renda dos adultos está mostrando adensamento nas pontas e emagrecimento na porção central", afirma o relatório do Pew.
Os domicílios acima da classe média estão a ponto de deter renda superior à de todos os demais domicílios norte-americanos combinados, o que sugere que os ganhos estão se concentrando nas mãos de menos pessoas.
Os norte-americanos de renda mais alta mais que dobraram sua disparidade com relação à classe média — antes sua renda era três vezes superior à da classe média, e agora é sete vezes maior, de acordo com o relatório.
Os dados do Pew, que se baseiam em números oficiais, consideram a inflação e computam todos os norte-americanos como parte de domicílios de três pessoas, a fim de tornar os números mais comparáveis. As pesquisas da instituição constatam que o esvaziamento da classe média vem acontecendo em ritmo firme desde os anos 70, e não representa um fenômeno súbito surgido recentemente.






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