Dossiê revela ação do governo militar
para impedir o Prêmio Nobel da Paz a dom Helder Câmara nos anos 70 —
Dom Helder foi indicado três anos seguidos e durante todo esse tempo o
governo trabalhou objetivamente para evitar a premiação.
Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Recife e Olinda (PE) — morto em 2012 |
Um dossiê de 229 páginas reuniu depoimentos de diplomatas, ofícios,
telegramas e outros documentos que relatam a ação do Estado durante a
ditadura militar para impedir que o arcebispo de Olinda e Recife, dom
Helder Câmara (morto em 2012), recebesse o Prêmio Nobel da Paz nos anos
1970.
O documento, intitulado "Prêmio Nobel da Paz: A atuação da Ditadura
Militar Brasileira contra a indicação de Dom Helder Câmara", foi
apresentado na manhã de sexta-feira (18.dez.2015) pela Comissão da
Memória e Verdade de Pernambuco.
De acordo com o dossiê, disponível no site cepedocumento.com.br,
o trabalho de dom Helder em defesa dos pobres e as denúncias de tortura
e assassinatos praticado por militares chamou a atenção de entidades
religiosas de outros países. O reconhecimento veio em 1970 com a
primeira indicação ao Prêmio Nobel da Paz.
"A gente tinha notícia de que começou a ter uma grande mobilização do
governo para impedir que dom Helder recebesse o prêmio, mas não tínhamos
como provar. Há dois anos, o trabalho da comissão foi buscar essas
provas", afirmou Fernando Coelho, coordenador da Comissão da Memória e
Verdade de Pernambuco, que leva o nome de dom Helder Câmara.
Ainda segundo Coelho, os embaixadores brasileiros na Noruega, Suécia,
Dinamarca e Finlândia receberam do então chefe do Departamento Cultural
do Itamaraty, Vasco Mariz, e do secretário-geral, Jorge de Carvalho e
Silva, a missão de evitar a homenagem ao então arcebispo.
Os diplomatas trabalharam para convencer os integrantes da Fundação
Nobel e a opinião pública europeia de que a premiação traria um
"desconforto ao governo brasileiro", diz Coelho. Em um dos ofícios, do
então embaixador do Brasil em Oslo, Jayme de Souza Gomes, admite a
existência de um "programa de ação contra a candidatura do arcebispo de
Olinda e Recife".
Dom Helder Câmara foi arcebispo de Olinda e Recife entre 1964 e 1985,
tendo antes passado pelo Rio de Janeiro, onde desenvolveu projetos
sociais. No Nordeste, incentivou os movimentos sociais urbanos e rurais e
é um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
Além de reunir declarações do religioso consideradas polêmicas, o
embaixador brasileiro em Oslo destaca que a estratégia do programa era
"se concentrar no seu aspecto econômico-social". Um estudo encomendado
pelo governo brasileiro sobre as críticas de dom Helder ao capitalismo
foi entregue aos membros da Comissão Nobel no Parlamento Norueguês.
"Uma personalidade brasileira esquerdizante que ataca substancialmente o
regime capitalista caso se projete universalmente através do prêmio
poderá concorrer para a formação de um ambiente que venha por em risco
os capitais estrangeiros", escreveu Gomes.
"Dom Helder foi indicado três anos seguidos e durante todo esse tempo o
governo trabalhou objetivamente para evitar a premiação. Isso revela uma
área em que pouco se tinha falado da intervenção da ditadura: a
diplomacia. É uma conquista fruto de muito trabalho da comissão que fica
para a posteridade", disse Fernando Coelho.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), classificou o dossiê
como uma reparação ao arcebispo conhecido como "Dom da paz". "É uma
singela reparação a um dos maiores representantes da luta pela
democracia e pela justiça social do Brasil e do mundo. Hoje, sabemos
claramente do esforço do governo ditatorial para evitar esse
reconhecimento, até chantageando empresas estrangeiras", disse.
BEATIFICAÇÃO
O dossiê fará parte do processo de beatificação do religioso, que está
em curso na Arquidiocese de Olinda e Recife. O atual arcebispo, dom
Fernando Saburido, espera concluir essa fase do processo nos próximos
seis meses.
"Estamos colhendo tudo sobre dom Helder: cartas, fotos, depoimentos. Já
terminamos esse processo aqui no Recife, faltando apenas o Rio de
Janeiro, onde ele trabalhou como sacerdote, e em Fortaleza, onde ele
nasceu", disse Saburido, que também é presidente da CNBB Nordeste 2.
Dom Helder morreu em 2012, de parada cardíaca. Neste ano, o Vaticano
aceitou a abertura do processo de beatificação do religioso a pedido da
Arquidiocese de Olinda e Recife.
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