sábado, 19 de dezembro de 2015




Dossiê revela ação do governo militar para impedir o Prêmio Nobel da Paz a dom Helder Câmara nos anos 70 — Dom Helder foi indicado três anos seguidos e durante todo esse tempo o governo trabalhou objetivamente para evitar a premiação.



Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Recife e Olinda (PE) — morto em 2012


Um dossiê de 229 páginas reuniu depoimentos de diplomatas, ofícios, telegramas e outros documentos que relatam a ação do Estado durante a ditadura militar para impedir que o arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara (morto em 2012), recebesse o Prêmio Nobel da Paz nos anos 1970.
O documento, intitulado "Prêmio Nobel da Paz: A atuação da Ditadura Militar Brasileira contra a indicação de Dom Helder Câmara", foi apresentado na manhã de sexta-feira (18.dez.2015) pela Comissão da Memória e Verdade de Pernambuco.
De acordo com o dossiê, disponível no site cepedocumento.com.br, o trabalho de dom Helder em defesa dos pobres e as denúncias de tortura e assassinatos praticado por militares chamou a atenção de entidades religiosas de outros países. O reconhecimento veio em 1970 com a primeira indicação ao Prêmio Nobel da Paz.
"A gente tinha notícia de que começou a ter uma grande mobilização do governo para impedir que dom Helder recebesse o prêmio, mas não tínhamos como provar. Há dois anos, o trabalho da comissão foi buscar essas provas", afirmou Fernando Coelho, coordenador da Comissão da Memória e Verdade de Pernambuco, que leva o nome de dom Helder Câmara.
Ainda segundo Coelho, os embaixadores brasileiros na Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia receberam do então chefe do Departamento Cultural do Itamaraty, Vasco Mariz, e do secretário-geral, Jorge de Carvalho e Silva, a missão de evitar a homenagem ao então arcebispo.
Os diplomatas trabalharam para convencer os integrantes da Fundação Nobel e a opinião pública europeia de que a premiação traria um "desconforto ao governo brasileiro", diz Coelho. Em um dos ofícios, do então embaixador do Brasil em Oslo, Jayme de Souza Gomes, admite a existência de um "programa de ação contra a candidatura do arcebispo de Olinda e Recife".
Dom Helder Câmara foi arcebispo de Olinda e Recife entre 1964 e 1985, tendo antes passado pelo Rio de Janeiro, onde desenvolveu projetos sociais. No Nordeste, incentivou os movimentos sociais urbanos e rurais e é um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Além de reunir declarações do religioso consideradas polêmicas, o embaixador brasileiro em Oslo destaca que a estratégia do programa era "se concentrar no seu aspecto econômico-social". Um estudo encomendado pelo governo brasileiro sobre as críticas de dom Helder ao capitalismo foi entregue aos membros da Comissão Nobel no Parlamento Norueguês.
"Uma personalidade brasileira esquerdizante que ataca substancialmente o regime capitalista caso se projete universalmente através do prêmio poderá concorrer para a formação de um ambiente que venha por em risco os capitais estrangeiros", escreveu Gomes.
"Dom Helder foi indicado três anos seguidos e durante todo esse tempo o governo trabalhou objetivamente para evitar a premiação. Isso revela uma área em que pouco se tinha falado da intervenção da ditadura: a diplomacia. É uma conquista fruto de muito trabalho da comissão que fica para a posteridade", disse Fernando Coelho.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), classificou o dossiê como uma reparação ao arcebispo conhecido como "Dom da paz". "É uma singela reparação a um dos maiores representantes da luta pela democracia e pela justiça social do Brasil e do mundo. Hoje, sabemos claramente do esforço do governo ditatorial para evitar esse reconhecimento, até chantageando empresas estrangeiras", disse.

BEATIFICAÇÃO
O dossiê fará parte do processo de beatificação do religioso, que está em curso na Arquidiocese de Olinda e Recife. O atual arcebispo, dom Fernando Saburido, espera concluir essa fase do processo nos próximos seis meses.
"Estamos colhendo tudo sobre dom Helder: cartas, fotos, depoimentos. Já terminamos esse processo aqui no Recife, faltando apenas o Rio de Janeiro, onde ele trabalhou como sacerdote, e em Fortaleza, onde ele nasceu", disse Saburido, que também é presidente da CNBB Nordeste 2.
Dom Helder morreu em 2012, de parada cardíaca. Neste ano, o Vaticano aceitou a abertura do processo de beatificação do religioso a pedido da Arquidiocese de Olinda e Recife.






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