O ‘impeachment’ por culpa grave
Ives Gandra da Silva Martins |
Está em pleno andamento a discussão sobre o impeachment da presidente no
Congresso Nacional, com o governo contratando juristas e liberando
verbas para deputados que o apoiam. Creio que o governo objetiva,
exclusivamente, manter-se no poder, pouco importando não ter
credibilidade popular para qualquer iniciativa e ter gerado a pior crise
econômica e política da história nacional. Por essa razão, volto a
relembrar os fundamentos jurídicos de meu parecer de janeiro de 2015
sobre o impeachment.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dois acórdãos (RE n.º
816.193-MG e AgRg no Agravo de Instrumento n.º 1.375.364-MG), decidiu
que a culpa grave pode caracterizar improbidade administrativa. No
primeiro, de relatoria do ministro Castro Meira, lê-se que: “Doutrina e
jurisprudência pátrias afirmam que os tipos previstos no art. 10 e
incisos (improbidade por lesão ao erário público) preveem a realização
de ato de improbidade administrativa por ação ou omissão, dolosa ou
culposa. Portanto, há previsão expressa da modalidade culposa no
referido dispositivo”.
E, no segundo, de relatoria do ministro Humberto Martins, há a afirmação
de que: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que
o ato de improbidade administrativa não exige a ocorrência de
enriquecimento ilícito, sendo a forma culposa apta a configurá-lo”.
Desta forma, a culpa configura ato contra a probidade da administração (omissão, imperícia, imprudência ou negligência).
Apesar de, a cada dia que passa, ficar mais evidente que havia uma rede
de corrupção monitorada pelos altos escalões do governo e por figuras do
partido da presidente, quero apenas lembrar que o impeachment já
poderia ter sido declarado apenas por culpa da primeira mandatária.
Basta analisar o artigo 85, inciso V, da Constituição (impeachment por
atos contra a probidade da administração), além do artigos 37, § 6.º
(responsabilidade do Estado por lesão ao cidadão e à sociedade) e § 5.º
(imprescritibilidade das ações de ressarcimento que o Estado tem contra o
agente público que gerou a lesão por culpa ou dolo, única hipótese em
que não prescreve a responsabilidade do agente público pelo dano
causado) para que essa conclusão se imponha.
Ora, o artigo 9.º, inciso III, da Lei n.º 1.079/50, com as modificações
da Lei n.º 10.028/00, determina: “São crimes de responsabilidade contra a
probidade de administração: (...) 3 – não tornar efetiva a
responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos
funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”.
Se acrescentarmos os artigos 138, 139 e 142 da Lei das S/As, que impõem
responsabilidade dos conselhos de administração na fiscalização da
gestão de seus diretores, com amplitude absoluta deste poder
fiscalizatório, percebe-se ter incorrido S. Exa. em crime administrativo
por culpa.
Há, ainda, a considerar o § 4.º do artigo 37 da Constituição federal,
que cuida da improbidade administrativa (os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda de
função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento do
Estado), e o artigo 11 da Lei n.º 8.429/92, que declara: “Constitui ato
de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”
(grifo meu).
Ao interpretar o conjunto dos dispositivos citados, entendo que a culpa é
a hipótese de improbidade administrativa a que se refere o artigo 85,
inciso V, da Lei Suprema.
Ora, tal omissão da presidente Dilma Rousseff nos anos de gestão como
presidente do conselho da Petrobrás e como presidente da República
permitiu a destruição da Petrobrás, ao deixar de combater a corrupção ou
concussão, durante oito anos, gerando desfalque de bilhões de reais,
por dinheiro ilicitamente desviado e por operações administrativas
desastrosas.
Como ela mesma declarou, que, se tivesse melhores informações, não teria
aprovado o negócio de quase US$ 2 bilhões da Refinaria de Pasadena, à
evidência, restou demonstrada ou omissão, ou imperícia, ou imprudência,
ou negligência ao avaliar o milionário negócio. E a insistência, no seu
primeiro mandato e início do segundo, em manter a mesma presidente da
estatal caracteriza improbidade, por culpa continuada, de um mandato ao
outro.
À luz deste raciocínio, entendo – independentemente das apurações dos
desvios que estão sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo
Ministério Público (hipótese de dolo) – que há fundamentação jurídica
para o pedido de impeachment (hipótese de culpa). E esta configura-se,
também, nas pedaladas fiscais detectadas pelo Tribunal de Contas da
União (TCU), que levaram à rejeição das contas de 2014. Neste caso, a
gravidade é maior, pois foi o governo alertado por técnicos do Tesouro
Nacional da violação e dos riscos que o País correria, inclusive do
rebaixamento do grau de investimento, sem nada ter feito, pois objetivou
iludir o eleitorado em 2014.
Não deixo, todavia, de esclarecer que o julgamento do impeachment pelo
Congresso Nacional é mais político que jurídico, lembrando o caso do
presidente Collor, que, afastado da Presidência pelo Congresso, foi
absolvido pela Suprema Corte.
O certo é que analistas brasileiros e estrangeiros, hoje, estão
convencidos de que, se não houver o impeachment, o Brasil continuará
afundando, como mensalmente os índices econômicos estão a sinalizar,
numa pátria de 9 milhões de desempregados, da alta inflação, de PIB
negativo, de juros estratosféricos, da falta de diálogo da presidente
com empresários, trabalhadores, estudantes e políticos, sem perspectivas
para 2016 e com a primeira mandatária com apenas 10% de credibilidade
da população. O poço continua sem fundo, nesta queda livre.
PS.:
Ives Gandra da Silva Martins
foi o primeiro jurista a formular um pedido de impeachment de Dilma
Rousseff, embasado apenas no que seria a omissão da petista em relação à
destruição da Petrobras.
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