Projeto Manhattan antimosquito
Reinaldo José Lopes |
Vamos começar com o óbvio: é inadmissível que os habitantes de um país
como o Brasil de hoje continuem morrendo de medo do mesmo mosquito que
aterrorizava seus bisavôs no começo do século 20. É ridículo que todo
santo verão seja preciso assistir às mesmíssimas propagandas televisivas
sobre jogar fora a água parada em pneus, garrafas e vasos —
aparentemente sem o menor resultado. Precisamos de um Projeto Manhattan
contra o Aedes aegypti.
"Projeto Manhattan", caso você não saiba, era o nome do esforço
multidisciplinar que, durante a Segunda Guerra Mundial, levou à criação
da bomba atômica nos EUA. O ataque maciço contra o mosquito da dengue (e
do vírus zika) de que necessitamos não seria nem de longe tão bélico
nem tão caro.
O que já está claro há tempos, no entanto, e o que ficou ainda mais
ululante depois do trágico avanço dos casos de microcefalia associados
ao zika no país, é que os esforços "picados" — borrifadinhas de veneno
aqui, mutirões para retirada de lixo acumulado acolá — nunca vão
resolver o problema para valer.
Com um esforço concentrado e inteligente de pesquisa aplicada, por outro
lado, é bem possível que o cenário mude de figura. De quebra, o sucesso
poderia gerar ondas de choque que mudariam não só a saúde pública do
Brasil como também partes importantes de nossa economia e de nossa forma
de fazer ciência.
Para começar, ao menos no papel, temos "muque" científico para chegar
lá. Projetos genômicos de grande escala que aconteceram nas últimas
décadas ajudaram a capacitar muitos laboratórios de pesquisa país afora
para a tarefa de decifrar a diversidade genética de vírus e pacientes e
entender como um novo patógeno, como o zika, interage com um organismo
de seus hospedeiros.
Além disso, nossos avanços na área de células-tronco também têm sido
consideráveis –inclusive possibilitando a criação de "minicérebros" a
partir de células humanas, os quais provavelmente são as plataformas
ideais para testar como o zika afeta o desenvolvimento neuronal,
conforme apontou o biólogo Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia
em San Diego.
Gerar conhecimento, porém, não adianta muito se as barreiras para
transformá-lo em prática são quase intransponíveis. Tentativas de
diminuir a população do A. aegypti por meio da liberação de mosquitos
transgênicos ou contaminados por uma bactéria que o impedem de
transmitir o vírus da dengue andam esbarrando na burocracia federal — e o
mesmo vale para as dificuldades ridículas que os pesquisadores
brasileiros ainda enfrentam para importar insumos de laboratório.
Eliminar esses entraves aumentaria consideravelmente o arsenal
antimosquito sem gastar um único centavo.
É claro que não há solução mágica. Nenhuma vacina produz imunização 100%
eficaz e segura; mosquitos transgênicos precisam ser constantemente
reintroduzidos na natureza; até o melhor inseticida perde eficácia
conforme a seleção natural vai favorecendo a multiplicação dos mosquitos
resistentes.
Mas um esforço focado criaria as condições para que novas estratégias
continuassem a ser geradas e aplicadas — até porque novos patógenos
tropicais continuarão causando sustos num mundo tão conectado quanto o
nosso. Mas dá para ficar preparado se deixarmos de lado a miopia de só
pensar nas garrafas PET do terreno do vizinho.
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