domingo, 27 de dezembro de 2015




Congresso atravessa 2015 fingindo
que investigados da Lava Jato não existem



Convertido pela Lava Jato numa instituição meio entreposto, meio delegacia de polícia, o Congresso viveu uma rotina surrealista em 2015. Abriga 38 investigados no escândalo da Petrobras —14 senadores e 24 deputados. E decidiu fingir que eles não existem.
Exceto pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), que exageraram na desfaçatez, nenhum parlamentar foi levado aos conselhos de suposta ética da Câmara e do Senado. Continuam exercendo seus mandatos (a)normalmente, indultados pela cegueira combinada dos colegas.
No Senado, nem mesmo as batidas policiais de busca e apreensão foram suficientes para romper a letargia. Ao contrário, um investigado como Fernando Collor, que traz um impeachment no prontuário, julgou-se no direito de escalar a tribuna para desqualificar a investigação.
Sob o silêncio cúmplice da banda muda do Senado, Collor declarou que a ação da Polícia Federal foi “invasiva e traduz os tempos em que vivemos, em que o Estado policial procura se impor ao menoscabo das garantias individuais seja do ex-presidente, do senador da República ou do simples cidadão.''
No vácuo moral em que Collor se habituou a transitar, deve ser mesmo doloroso verificar a que ponto chegou o Brasil. Um ponto em que a investigação acima de certo nível de poder e renda vai deixando de ser uma coisa antinatural.” Que o diga o senador Delcídio Amaral. Migrou da liderança do governo para o xilindró, onde passou o Natal.
Do alto de sua dupla autoridade de presidente do Senado e do Congresso, o senador Renan Calheiros ecoou Collor nas queixas de “abuso de autoridade'' da força-tarefa da Lava Jato. Por mal dos pecados, o excesso de poder não impediu que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, ordenasse a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Renan. “Desnecessário, eu já havia oferecido os dados”, deu de ombros o senador, sem que nenhum colega se anime a esboçar uma crítica.
Na Câmara, não há revelação capaz de desligar Eduardo Cunha da tomada. As contas na Suíça, a desculpa esfarrapada da carne vendida à África, as múltiplas delações, a presença dos agentes federais a perscrutar-lhe a intimidade na casa do Rio, na residência oficial de Brasília, no escritório parlamentar, nas dependências do Parlamento … Nada!
Auxiliado por uma milícia parlamentar que seus aliados estimam em cerca de 40 deputados, Cunha empurrou seu processo de cassação para dentro do calendário de 2016. Preside os negócios da Câmara e o impeachment de Dilma Rousseff certo de que nada afetará seu bom nome no meio.
Nas ruas, informa o Datafolha, 82% dos brasileiros desejam que o mandato de Cunha seja passado na lâmina. Nos corredores do Parlamento, o instituto ouviu 315 dos 513 deputados. Verificou que 60% deles se dispõe a votar a favor da cassação de Cunha. A essa altura, com tudo o que já está na cara, qualquer coisa abaixo de 80% é uma evidência de que o corporativismo foi levado às ultimas inconsequências.
Aos pouquinhos, o espírito de corpo vai cedendo espaço para o espírito de porco. Os deputados arriscam-se a assistir ao afastamento cautelar de Cunha do cargo de deputado por ordem do STF. Ironia suprema: judicializou-se até a falta de vergonha na cara.
Nesse modelo, o eventual afastamento arrancaria Cunha da cadeira de presidente apenas temporariamente, até o desfecho do caso. Quem assume? O vice-presidente Waldir Maranhão (PP-MA), um obscuro deputado, devoto de José Sarney. Tem algo em comum com Cunha: também está enroscado na Lava Jato. De qualquer jeito retorna-se ao inacreditável. Cedo ou tarde os deputados terão de fazer alguma coisa. Cara de nojo já não resolve. O caso é mesmo de cadafalso.















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