Um dos empreiteiros do petrolão
recorreu a ex-marido de Dilma para tentar salvar seus negócios — José
Antunes Sobrinho, um dos donos da Engevix, que negocia delação premiada,
aproximou-se de Carlos Araújo. O empresário precisava destravar
barreiras dos empréstimos oficiais
O ex-marido de Dilma — Carlos Franklin Paixão de Araújo |
Há três anos, o grupo Engevix, que tem empresas nas áreas de óleo e gás,
petroquímica, siderurgia, mineração e infraestrutura, começou a
enfrentar sérios problemas financeiros. Já sentia os efeitos da
desaceleração da economia. Para sobreviver, o empresário José Antunes
Sobrinho, um dos donos da Engevix, bateu em diversas portas da alta
burocracia, sem sucesso. Até que partiu para uma ação desesperada.
Constatou que, para destravar as barreiras dos empréstimos oficiais,
restava somente falar com a própria presidente Dilma Rousseff. Foi
desaconselhado — é notória a aversão de Dilma a contatos com empresários
que saiam do esquadro republicano. Mas Antunes tinha um plano. O plano
chamava-se Carlos Franklin Paixão de Araújo.
Carlos Araújo, um advogado trabalhista gaúcho, é ex-marido da presidente
Dilma Rousseff, com quem manteve uma relação de 30 anos, entre 1969 e
2000. Conheceram-se no Rio de Janeiro e iniciaram um romance usando seus
codinomes da época em que integravam organizações clandestinas que se
opunham ao regime militar — Max e Estela. Passaram a viver juntos
somente quando ela se mudou para Porto Alegre, em 1972, para cursar
economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), depois de
sair da prisão e abandonar as fileiras do grupo armado VAR-Palmares.
Mesmo após o divórcio, ele e Dilma mantiveram-se amigos. Tanto que
Araújo é, hoje, um dos poucos conselheiros da presidente. É a ele que
Dilma recorre em tempos de tormenta. Jamais deixa de visitá-lo quando
vai a Porto Alegre. “Sou mais um ouvido atento que um consultor”,
afirmou Araújo sobre a relação com Dilma, em entrevista, em setembro do
ano passado.
Nos últimos meses, uma equipe de repórteres dedicou-se a uma
investigação especial com o objetivo de descobrir se o plano do
executivo da Engevix deu certo. Descobriu-se que, ao menos, a estratégia
foi posta em marcha. Houve uma reunião secreta entre executivos da
Engevix e Carlos Araújo. Entrevistou-se, em cidades como Brasília, São
Paulo, Curitiba e Porto Alegre, quase duas dezenas de fontes envolvidas
nessa história — ou com conhecimento direto dela. Complementaram-se as
entrevistas com documentos comerciais, fiscais e cartoriais. Além disso,
um ex-vice-presidente da Engevix, que intermediou um encontro entre
Antunes e o ex-marido de Dilma, aceitou gravar um depoimento exclusivo e
revelador sobre o caso. Emergem dessa investigação evidências de que
Carlos Araújo prometeu ajudar a Engevix junto ao governo Dilma.
Descobre-se que, no mesmo período, a empreiteira pagara ao menos R$ 200
mil, por meio de um intermediário, a um casal amigo de Dilma e seu
ex-marido. Ressalte-se que não há indício de que a presidente saiba o
que transcorreu.
Hoje, a Engevix é uma das principais empreiteiras acusadas de participar
do cartel do petrolão. Seus executivos, como Antunes, estão
encalacrados junto à Justiça. Antunes e Gerson Almada, outro sócio da
Engevix, negociam acordos de delação premiada — e a empresa, quase
quebrada a esta altura, negocia um acordo de leniência junto ao
Ministério Público Federal (MPF). Antunes e Almada cumprem prisão
domiciliar. Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato estão em fase
avançada, sobretudo, das negociações do acordo de delação premiada de
Antunes. Um dos pontos discutidos nas conversas entre procuradores e os
advogados de Antunes e da Engevix, segundo fontes que participam das
tratativas, contempla precisamente a relação da empreiteira com Carlos
Araújo. A força-tarefa já rastreia, sigilosamente, provas que podem
corroborar o que Antunes está disposto a dizer em juízo sobre um assunto
tão grave. Ele já revelou aos procuradores a existência da abordagem a
Carlos Araújo. Mas ainda não se sabe se disse tudo o que conhece acerca
do caso. “Estou proibido de falar sobre o assunto”, disse Antunes.
AS NEGATIVAS
Do 3º andar de um prédio antigo no centro de Porto Alegre, Araújo atende
seus clientes às terças e quintas-feiras de manhã, muitos deles
encaminhados por sindicatos. Na sala de espera, onde cada visitante
costuma gastar no máximo cinco minutos até ser atendido, há uma foto da
presidente Dilma fixada na parede — que se destaca pelo forte tom de
vermelho que destoa do ambiente sem decoração. A sala de Araújo costuma
ficar de portas abertas. Sua área de trabalho é bagunçada, cheia de
papéis espalhados. No dia 10 de dezembro, a reportagem esteve no
escritório de Carlos Araújo e perguntou ao ex-marido de Dilma se ele
havia feito negócios com a Engevix. Carlos Araújo negou categoricamente:
“Não tem nada disso. Isso é um desrespeito à minha pessoa”, disse,
encerrando a conversa. Depois de receber a reportagem, em dezembro, o
advogado mostrou-se preocupado e acionou sua defesa, além de comunicar o
ocorrido à própria Engevix. Na tarde da sexta-feira, dia 15.jan.2016, a
reportagem voltou a procurar Carlos Araújo, desta vez por telefone.
Procurado em seu escritório e em sua casa, não respondeu aos
questionamentos da reportagem. A reportagem deixou recados insistindo na
necessidade de ouvi-lo acerca do caso. Não houve retorno.
Procurada pela reportagem na semana passada, a presidente Dilma Rousseff
se manifestou por nota. “(A presidente) desconhece qualquer reunião
entre Carlos Araújo e representantes da Engevix, assim como qualquer
pleito que tenha sido feito ao governo. Informa ainda que não tem
relação com as pessoas citadas”, diz o documento.
Um mês antes, em 8 de dezembro, a reportagem abordou no aeroporto de
Brasília um dos sócios da Engevix, Gerson Almada, e perguntou sobre a
relação com Carlos Araújo. Almada respondeu com frases enigmáticas: “Eu
já estava preso”, afirmou, tentando escapar da abordagem. Diante da
insistência, reconheceu. “Mas isso vai sair em breve.” Quando
questionado por mais detalhes, hesitou. “Eu não posso. Você tem o
telefone da Roberta, minha esposa, não é? Então, em breve você terá (a
informação). Depois de hoje, você terá. Eu vou te dar esse privilégio. É
um compromisso meu com você.”
Na quinta-feira da mesma semana (10.dez.2015), Almada viajou para
Curitiba com seu advogado, Antonio Pitombo, para tentar costurar seu
acordo de delação premiada, que está até hoje no Ministério Público
Federal. A reportagem procurou também sua esposa, Roberta. Mas Almada
jamais respondeu aos pedidos de entrevista. Procurado em sua casa, num
condomínio de luxo no bairro do Morumbi, em São Paulo, ele também não
atendeu mais a reportagem. Depois de ter sido condenado a 19 anos de
prisão, em dezembro, e de ser liberado da tornozeleira eletrônica,
Almada foi a Ilhabela, no Litoral Norte de São Paulo, descansar em sua
casa de praia e velejar. Enquanto aguarda a tramitação dos recursos que
incidem sobre sua condenação, ele gosta de percorrer trajetos em lanchas
e iates. “É bom para relaxar”, relatou a pessoas próximas.
Apesar dos levantamentos e depoimentos obtidos, da cronologia dos
pagamentos e do envolvimento de pessoas próximas à presidente Dilma e a
seu ex-marido, seria precipitado, neste momento, afirmar que Araújo foi
cooptado e remunerado pelo petrolão — ou mesmo que tenha migrado da
promessa de ajuda a Antunes à ação. O advogado do empreiteiro, Antonio
Figueiredo Basto, diz que o seu cliente não fez pagamentos para o
ex-marido de Dilma. Os depoimentos de Zuch à reportagem são
consistentes, fidedignos e oriundos de um protagonista da aproximação da
Engevix com Araújo. A partir dos fatos e da delação premiada, se ela
realmente ocorrer, o Ministério Público pretende esclarecer o assunto.
Atualização: O ex-marido da Presidenta
Dilma Rousseff — Carlos Franklin Paixão de Araújo — confirma encontros
com dono da Engevix, mas nega pedido de ajuda a Presidenta e esclareceu
pouco sobre a reportagem.
O advogado Araújo diz:
— Fui surpreendido com tanta maldade. Isso é coisa de jornalismo bandido, que não tem fatos, não tem provas, e tenta forjar uma impressão negativa sobre as pessoas que querem atingir. Sou uma pessoa honrada e minha prática sempre foi coerente com minha ideologia.
Carlos Araújo avalia a reportagem como uma operação política cuja finalidade óbvia é tentar atingir a presidenta:
— É puro jornalismo marrom, que atende a finalidades políticas e só isso. Como todos descobriram que não têm como publicar uma denúncia capaz de atingir Dilma diretamente, pois não há nada contra ela, tentam agir por via indireta, tentando atingir pessoas do círculo próximo, como eu.
Araújo e Antunes se encontraram — não só uma vez, mas três vezes. O assunto era sempre o mesmo:
— Ele estava cada vez mais desesperado com a situação da empresa e queria de todas as maneiras que eu o ajudasse a marcar um encontro com a Dilma. Pretendia falar da situação com ela. Foram três conversas e em todas expliquei que este não era e nunca foi meu papel. Tenho a minha vida, a minha história, os meus valores. Jamais iria tentar interferir na agenda da presidenta. Nem ela iria permitir isso.
A presidenta Dilma Rousseff tirou nota no sábado (16.jan.2016) à tarde,
negando que seu ex-marido Carlos Araújo tenha se encontrado com José
Antunes Sobrinho, um dos donos da Engevix, mesmo depois da prisão e
condenação do seu ex-sócio, Gerson Almada.
Eis a nota de Dilma:
— A presidenta desconhece qualquer reunião entre Carlos Araújo e representantes da Engevix, assim como qualquer pleito que tenha sido feito ao governo. A presidenta não tem relação com as pessoas citadas.
Foto publicada na reportagem mostra a presidenta Dilma Rousseff confraternizando com os Ribas, há pouco tempo, em 2010.
Carlos Araújo confirma que se reuniu três vezes com José Antunes Sobrinho — um dos donos da Engevix.
O intermediário Paulo Zuch trabalhou sob as ordens de Dilma Rousseff na
estatal gaúcha — Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
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