Desgaste de Lula deixa PT em alerta — petistas já reconhecem que ex-presidente passa por processo de ‘desmitificação’
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva |
A diretoria do Instituto Lula postergou para o início de 2016 a reunião
de planejamento das atividades para o ano que se inicia. Desde que o
instituto foi criado, em 2011, essa reunião é realizada no fim do ano
anterior. Em 2015, isso não foi possível, segundo auxiliares do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a agenda do petista em
dezembro foi quase totalmente tomada por medidas defensivas. O episódio
ilustra como foi 2015 para Lula, ano em que mais foi alvo de desgaste
desde que deixou o Palácio do Planalto.
Depois de ajudar a reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff, em uma
disputa apertada contra o tucano Aécio Neves, em 2014, o ex-presidente
que deixou o governo com o maior índice de aprovação já registrado no
Brasil — 87%, segundo o CNI/Ibope — viu seu capital político escorrer
pelas mãos em meio a fracassos na economia, erros na condução política
do governo, o derretimento político do PT, manifestações nas ruas,
ameaça de impeachment de Dilma, investigações envolvendo integrantes de
sua família, amigos e o próprio instituto.
Em 20 de junho, durante encontro com líderes religiosos, em São Paulo, o
próprio Lula resumiu a situação, com uma de suas tradicionais
metáforas: “Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume
morto, eu estou no volume morto”.
Pesquisas mostram que, para o eleitorado, as boas lembranças do governo
Lula estão cada vez mais distantes. Segundo o Datafolha, em dezembro de
2010, 71% consideravam o petista o maior presidente da história do
Brasil. Em novembro de 2015, essa taxa era de 39%.
Dirigentes petistas admitem, reservadamente, que os acontecimentos de 2015 precipitaram um processo de desmitificação de Lula.
Segundo auxiliares próximos de Lula, o fracasso de Dilma na área
econômica e as contradições entre o discurso de campanha da presidente e
a prática são suas maiores preocupações. Em conversas recentes, ele
teria manifestado incômodo com o impacto da economia nos programas
sociais. A um interlocutor, expressou o temor de que o País “volte atrás
dez anos” e forças de esquerda tenham de “começar tudo outra vez”.
Por isso, estaria concentrando seus esforços em ajudar Dilma a recompor
sua base política (na sociedade e no Congresso), afastar o risco do
impeachment e retomar a rota de crescimento econômico para evitar
retrocesso na área social. “É a primeira vez que ele não sabe o que
fazer”, diz um petista que o acompanha há mais de três décadas.
Mas a principal causa do abalo na imagem do ex-presidente, segundo
análises internas do PT, é a aproximação de investigações como Lava Jato
e Zelotes a amigos e parentes do petista. Desde que o doleiro Alberto
Youssef disse que Lula “tinha conhecimento” do esquema de desvios na
Petrobras, aumentou a impressão de que o cerco se fecha em torno do
ex-presidente. Embora o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, e o Ministério
Público Federal afirmem que Lula não é investigado, seu nome tem sido
constantemente citado em relatórios da Polícia Federal e depoimentos.
Envolvimento de filho caçula na Zelotes atingiu Lula
Luis Claudio, filho de Lula, declarou à polícia federal que recebeu 'os valores que foram contratados' |
A prisão pela Operação Lava Jato do pecuarista José Carlos Bumlai, que
tinha trânsito livre no Palácio do Planalto durante o governo Luiz
Inácio Lula da Silva, é outra fonte de desgaste do ex-presidente.
Descrito normalmente como “amigo de Lula”, Bumlai é citado por delatores
por ter usado o nome do petista em negociatas.
Mas o principal golpe contra o ex-presidente foi o envolvimento de Luís
Cláudio, seu filho caçula, nas investigações da Zelotes, que apura um
esquema de venda de medidas provisórias durante o governo Lula. O fato
de Luís Cláudio ter recebido R$ 2,5 milhões por um trabalho que, segundo
a Polícia Federal, foi feito a partir de cópias da internet, deixou
Lula atônito.
Desde que o petista assumiu o governo, em 2003, seu filho mais velho,
Fábio Luiz, o Lulinha, que em 2005 recebera R$ 5 milhões da Brasil
Telecom, era alvo de falsos boatos na internet. A investigação sobre
Luís Cláudio, no entanto, pegou Lula e seu grupo de surpresa. A
dificuldade de Luís Cláudio para explicar os recebimentos é motivo de
dúvida até entre petistas.
Além disso, o próprio ex-presidente foi chamado a depor na condição de
“informante” à Lava Jato, a Receita Federal abriu um processo de
fiscalização das contas do Instituto Lula e o Ministério Público de São
Paulo passou a investigar a ligação do petista com a reforma milionária
de um triplex no Guarujá.
No centro do cerco, Lula virou um boneco batizado de “Pixuleco”, que o
retrata como presidiário. Nas manifestações contra o governo e o PT, foi
chamado de “bandido”. A sede do Instituto foi alvo de uma bomba caseira
e, segundo relatos de petistas, ele tem receio até de circular em
locais públicos onde pode ser hostilizado.
Pesquisas internas do PT mostram a forte corrosão na imagem de Lula.
Segundo elas, o eleitorado vincula ao petista a crise econômica e as
denúncias de corrupção. Já os aspectos positivos de seus oito anos de
governo estão cada vez mais apagados da memória dos eleitores.
O partido trata o assunto como uma questão eleitoral. Em agosto o
presidente do PT, Rui Falcão, disse que o objetivo da oposição é
inviabilizar possível volta de Lula em 2018. No entorno do
ex-presidente, a avaliação é de que a oposição não aceita uma nova
derrota nas urnas e hoje tem dois caminhos. A curto prazo, o impeachment
de Dilma. A médio prazo, minar Lula e o PT por meio da criminalização.
Apesar do cenário negativo, o PT acredita em uma reversão do quadro até
2018. Avaliações que circulam no partido e no Instituto Lula mostram que
quando o entrevistado é lembrado das realizações de Lula, a rejeição
cai. “É só dar um microfone na mão dele que ele se recupera”, disse
Celso Marcondes, um dos diretores do instituto.
Para lembrar: o ex-presidente e as apurações
Segundo o Instituto Lula, o ex-presidente está tranquilo em relação ao
aspecto jurídico das citações, mas admite que elas têm sido usadas para
desgastá-lo politicamente. “É evidente que existe um processo de
desconstrução da imagem do Lula”, disse o jornalista Celso Marcondes, um
dos diretores do instituto.
- Tráfico de influência — Em maio de 2015, o Ministério Público Federal pediu esclarecimentos a Lula, à Odebrecht — alvo da Operação Lava Jato — e ao BNDES sobre suspeitas de tráfico de influência — de 2011 a 2014, Lula teria ajudado a empreiteira a obter contratos no exterior com recursos do banco.
- Instituto e empresa — A Polícia Federal afirmou em junho de 2015 que a Camargo Corrêa — que já teve executivos condenados na Lava Jato — pagou R$ 3 milhões ao Instituto Lula e mais R$ 1,5 milhão à LILS Palestras, Eventos e Publicidade, empresa do ex-presidente, entre 2011 e 2013.
- Investigação — A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu em julho procedimento de investigação criminal para apurar se o ex-presidente praticou tráfico internacional de influência em favor da Odebrecht. A Procuradoria suspeita que Lula obteve “vantagens econômicas” da empresa.
- ‘Assuntos BNDES’ — PF citou o nome do ex-presidente nos autos da Lava Jato sobre a Odebrecht. Em relatório sobre interceptação telefônica da 14ª fase da operação, a PF informou ao juiz Sérgio Moro que o ex-presidente conversou com o executivo Alexandrino Alencar, da Odebrecht, em 15 de junho — quatro dias depois do telefonema, Alexandrino foi preso. Segundo o relatório, Lula estaria preocupado com “assuntos do BNDES”.
- Delator 1 — Em delação premiada, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, afirmou que, entre repasses “legais e ilegais” para partidos com a finalidade de “abrir portas” no Congresso e em órgãos públicos, pagou em 2006 R$ 2,4 milhões à campanha de Lula. Pessoa disse, porém, que não sabe se o ex-presidente tinha conhecimento da origem ilegal do dinheiro.
- Coaf — O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência do Ministério da Fazenda, remeteu em agosto ao menos três relatórios diferentes indicando movimentação atípica da empresa do ex-presidente, a LILS, para investigações do Ministério Público Federal e da PF.
- ‘Informante’ — A PF pediu em setembro ao Supremo que Lula fosse ouvido no inquérito que investiga envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobras. O pedido aponta suspeita de que Lula pode ter sido “beneficiado pelo esquema”. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, autoriza a PF a colher depoimento do ex-presidente como “informante”.
- Delator 2 — Fernando Baiano afirmou que Lula se reuniu pelo menos duas vezes com o pecuarista José Carlos Bumlai e com João Carlos Ferraz, então presidente da Sete Brasil — companhia criada pela Petrobras para construção de navios-sonda —, para tratar de negócios intermediados por ele. Segundo Baiano, os encontros ocorreram no Instituto Lula e antecederam a cobrança de R$ 3 milhões por Bumlai para supostamente pagar uma dívida de imóvel de uma nora do ex-presidente.
- Pagamentos — Laudo da PF apontou que instituições ligadas ao ex-presidente receberam quase R$ 4 milhões da Odebrecht, entre 2011 e 2014. Os pagamentos foram feitos ao Instituto Lula e à LILS. Ainda segundo o laudo, as instituições receberam R$ 17,2 milhões de outras empreiteiras alvo da Lava Jato.
- Zelotes — No fim de setembro, PF, Receita e Ministério Público Federal cumpriram mandado de busca e apreensão no escritório de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. A ação integrou a Operação Zelotes, que investiga esquema de compra de medidas provisórias para favorecer montadoras de veículos.
- Depoimento — Em dezembro o ex-presidente prestou depoimentos à PF na condição de “informante” em inquérito que tramita no Supremo para apurar suposta formação de quadrilha por políticos de PP, PT e PMDB para desviar recursos da Petrobras. Ele disse não ter conhecimento sobre os eventos de corrupção ocorridos na estatal e falou em tentativa de “criminalizar” o PT.
- Amigo preso — No fim de novembro, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, foi preso suspeito de intermediar propinas envolvendo contrato do navio-sonda da Petrobras. A PF investiga empréstimo de R$ 12 milhões tomado por Bumlai no Banco Schahin – o real destinatário do dinheiro foi o PT, segundo o empresário.
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