domingo, 17 de janeiro de 2016




Teste de remédio falha na França — um paciente tem morte cerebral e cinco adoecem



Hospital de Rennes, na França, para onde foram levados os pacientes


Um paciente teve morte cerebral e outros cinco permanecem hospitalizados após a ingestão de uma droga em fase experimental na França, de acordo com o Ministério da Saúde do país.
A nova droga estava em testes clínicos de fase 1, a primeira etapa realizada com humanos após os testes em animais. A finalidade dessa etapa é avaliar a segurança do medicamento.
A molécula leva o nome provisório de BIA 10-2474 e foi desenvolvida para tratar transtornos de humor, ansiedade e doenças neurodegenerativas (como o mal de Alzheimer). Sua ação é em receptores endocanabinoides, ligados à dor e alvos de alguns componentes encontrados na maconha.



FASE A FASE
Veja como funcionam os testes clínicos de novas drogas e o que aconteceu na França.


PRÉ-CLÍNICA
  • Primeiro, as drogas são testadas em animais
  • Se for tóxica ou não funcionar, ela não segue adiante


FASE 1
  • O teste é feito com algumas pessoas saudáveis
  • A ideia é ver se a substância é segura. A eficácia ainda não é avaliada


FASE 2
Com poucos voluntários, deseja- se saber se a substância, além de segura, tem chances de funcionar


FASE 3
Realizado com milhares de indivíduos, o teste avalia se a droga consegue tratar a doença em questão


PRODUÇÃO
Comprovado um grau suficientemente grande de eficácia na fase 3, o medicamento pode obter licença para a produção



Seis pacientes, todos do sexo masculino, de 28 a 49 anos, ingeriram a droga no domingo (10.jan.2016). Após se sentirem mal, eles foram levados ao Centro Hospitalar Universitário da cidade francesa de Rennes.
No total, 128 homens de 18 a 55 anos participavam do estudo. Deles, 90 tomaram a droga e o restante tomou placebo.
Gilles Edan, chefe da seção de neurociência do hospital, disse ao jornal "Le Monde" que os pacientes hospitalizados podem ter sofrido danos neurológicos irreversíveis.
O teste, patrocinado pela farmacêutica portuguesa Bial e conduzido na França pelo laboratório Biotrial, foi suspenso na segunda-feira (11.jan.2016).



SEGURANÇA EM VISTA
Veja o que é avaliado na fase 1 de um estudo clínico.


Voluntários
Eles são saudáveis e são informados de que pode haver eventos adversos. Mortes são raríssimas.


Farmacocinética
Em uma droga oral, é visto quando e qual é o pico sanguíneo de absorção e quanto tempo demora para ela sair do organismo.


Toxicidade
É avaliada por meio de reações adversas como vômitos, febre, tontura, além de exames de sangue.


Farmacodinâmica
Verifica-se como a droga está atuando em seu alvo biológico e se tem potencial para funcionar.


Ajuste de dose
Doses progressivas são avaliadas em diferentes grupos de pacientes, até atingir a dose ótima.



Entenda o caso

Droga
A droga BIA 10-2474 foi administrada oralmente para voluntários saudáveis durante a fase 1 de um ensaio clínico.

Ela é candidata a tratar problemas de humor, ansiedade e doenças neurodegenerativas, agindo no sistema endocanabinoide, ligado à sensação de dor e à ansiedade.


Empresas
A droga pertence à farmacêutica portuguesa Bial; os testes foram conduzidos pela empresa Biotral, baseada na cidade francesa de Rennes.

Aprovação
Todas as pesquisas com humanos necessitam de aprovação de comitês de ética para sua realização.

O que deu errado?
Pode ser um erro de dosagem a partir dos testes em animais, uma reação imprevisível ou erro na fabricação dos comprimidos ou na seleção de pacientes.



A ministra da Saúde da França, Marisol Tourain, viajou a Rennes na sexta-feira (15.jan.2016), após solicitar uma investigação sobre o laboratório e as condições em que realiza testes clínicos. "Iremos até o fundo desse acidente trágico", declarou.
O grupo Bial declarou que respeitou as regras internacionais e a "legislação" vigentes e prometeu colaborar com a investigação.



O laboratório Biotrial, em Rennes, responsável pelo experimento na França


RARIDADE — De acordo como médico oncologista Gilberto Lopes Jr, professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) e pesquisador responsável por testes de novas drogas no Brasil e no exterior, esse tipo de acontecimento é raro.
"Quase nunca há uma surpresa desse tipo, mas pode acontecer", diz. Efeitos adversos geralmente são vistos em fases posteriores do ensaio clínico, que reúnem centenas ou milhares de pacientes, aumentando também a variabilidade desse universo de pacientes.
Dentre as explicações possíveis para o que o ministério francês classificou como acidente podem estar erros de definição da dose da droga a ser aplicada em humanos. Geralmente, usa-se apenas uma fração da dose que tratou adequadamente um modelo animal.
Outra explicação pode ser uma questão operacional, como erros na fabricação dos comprimidos ou na avaliação e aceitação dos voluntários —  eles poderiam não ser saudáveis, por exemplo.
Embora mortes sejam raras durante testes clínicos, os pacientes que entram estudos clínicos estão cientes de que pode haver reações adversas, e cabe à patrocinadora do estudo providenciar os cuidados médicos quando necessário.
No caso do analgésico e anti-inflamatório talidomida, só foram descoberto seus efeitos danosos aos fetos após sua comercialização.
Hoje se sabe que uma dose única de 50 mg do medicamento já pode provocar teratogênese — más-formações nos fetos.

TESTES NO BRASIL — No Brasil, há uma baixa cultura de participação em ensaios clínicos e uma raríssima incidência de estudos de fase 1. Geralmente, o país embarca em estudos internacionais de fase 3 que envolvem milhares de pessoas, fornecendo pacientes para avaliar a eficácia da droga.
Isso porque, como a amostra da fase 1 é pequena, as farmacêuticas preferem conduzir os testes perto de suas sedes no exterior, onde a descoberta de novas drogas é mais intensa que no Brasil.
Outra diferença é que no Brasil não é permitido receber dinheiro para participar de um estudo clínico. Só é possível obter uma espécie de compensação financeira, mais baixa, por conta dos riscos como voluntário dos primeiros testes em humanos de uma nova droga. Os pacientes desse estudo na França recebiam € 1.900 (R$ 8.400).






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