Relatório da Aneel mostra que linhas
de transmissão são principal
gargalo do setor elétrico — leilões de linhas de transmissão de 2016
não atendem prazo necessário — Ministério de Minas e Energia e ONS
disputam poder no setor
Linha de transmissão que vai de Rondônia a Araraquara, em São Paulo |
A última radiografia feita pela Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) nas obras de linhas de transmissão de energia em andamento
no Brasil é desanimadora: 62% dos 363 empreendimentos de expansão da
rede básica monitorados se encontram atrasados. A principal razão
para o estouro no prazo é a demora no licenciamento ambiental, mas
há problemas também de projeto, na compra de materiais e de execução
das obras. A transmissão virou um gargalo para o setor.
Em Belo Monte, por exemplo, o atraso preocupa. Segundo fiscais,
considerando o andamento atual, é “bastante provável que haja
restrição de geração no período de novembro de 2016 a julho de
2017”. A usina até poderia gerar energia, mas não teria como
distribuí-la.
Obras de transmissão de energia para as Olimpíadas do Rio também vão
mal, indica o relatório, que avaliou as condições dos
empreendimentos entre julho e setembro de 2015. Das três linhas de
transmissão avaliadas, apenas uma ficará pronta antes dos jogos, que
serão realizados em agosto.
Uma delas, classificada como “obra importante para a confiabilidade
da área Rio durante o evento”, deve ficar pronta somente depois
dele, em 30 de outubro.
Fora do prazo
Nenhuma das linhas de transmissão de energia elétrica que serão
licitadas neste ano deve entrar em operação no prazo considerado
adequado para a segurança do abastecimento.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) deve leiloar, neste
ano, quase 13 mil quilômetros de linhas, além de 35 subestações, ao
custo de R$ 24 bilhões.
São obras necessárias para escoar energia de novas usinas, atender à
futura expansão do consumo e aumentar os volumes de eletricidade que
podem ser transacionados entre regiões do país.
Dificuldades para viabilizar os leilões, no entanto, levaram a
agência a estabelecer prazos maiores, para atrair interessados. Em
nenhum dos casos, o prazo estipulado pelo edital atende à
necessidade estabelecida pelo ONS (Operador Nacional do Sistema,
responsável por definir a necessidade de transmissão) e pela EPE
(Empresa de Pesquisa Energética, que planeja as rotas para as
linhas).
Nos leilões previstos para este ano, há
descasamento de prazo de até cinco anos.
Linhas e subestações menores que o ONS considerava necessários a
partir deste mês ficarão prontas apenas em 2021, segundo o edital.
Em São Paulo, uma linha subterrânea de 30 km, no interior do Estado,
deveria entrar em operação em março, mas será concluída em 2020.
Isso sem considerar eventuais atrasos e imprevistos nas obras.
Segundo o mais recente relatório da Aneel, publicado em dezembro,
mais de 60% das linhas em construção estão atrasadas — afetando o
escoamento de grandes usinas na Amazônia, como Belo Monte, e o
fornecimento durante a Olimpíada do Rio.
Para evitar um descasamento maior, a Aneel prevê vários leilões ao
longo do ano, com um número maior de lotes e obras menores, de menor
custo.
Originalmente, estavam previstos 26 lotes em um único certame, em
março, mas empresas tradicionais do setor de transmissão, como as
estatais estaduais Copel e Cemig, previam não disputar as licitações
devido aos altos valores dos investimentos.
Apesar de a fragmentação dos lotes poder atrasar em até nove meses
algumas das obras, ela foi tomada para que o maior número de linhas
e subestações receba ofertas, evitando novas licitações para as
mesmas obras.
"Com isso, haverá mais tempo para que empresas interessadas possam
obter informações mais aprofundadas sobre os projetos e possam
também buscar as condições operacionais e financeiras para
participar dos certames", diz, em nota, o Ministério de Minas e
Energia.
Disputa de poder
Hermes Chipp, diretor-geral do ONS (órgão que, na prática, manda na
geração e transmissão de energia no país), está sob pressão direta do
Ministério de Minas e Energia, chefiado por Eduardo Braga (PMDB).
Por meio da Aneel e de uma mudança no estatuto, o ministério namora a
possibilidade de diminuir o poder decisório de Chipp e fazê-lo deixar o
cargo em maio de 2016 — quando acaba seu terceiro mandato, obtido por
medida provisória de Dilma, em 2014.
O ONS é uma organização privada, que tem 3% do orçamento custeado pelas
empresas associadas — geradores e transmissores —, e o restante, por
encargos na tarifa de luz.
Em processo na Aneel, propõe-se que o órgão seja bancado 100% pelas empresas a partir de 2018.
Para as finanças do setor, não muda nada — mas altera tudo no poder de
Chipp. "Quem paga a conta é quem manda", de acordo com as palavras que
ele próprio escolheu para criticar a mudança.
Os maiores financiadores do órgão passariam a ser Eletrobras, Petrobras e
Itaipu — três empresas com controle estatal ligadas ao ministério de
Braga. Até o momento, ninguém manda no ONS, além de Chipp.
Sem poder mudar o estatuto unilateralmente, a Aneel entendeu que pode
sugerir mudanças e, ao mesmo tempo, barrar a sua aprovação se os pedidos
não forem atendidos.
Conforme relatório do diretor da agência André Pepitone, a mudança visa
elevar a fiscalização sobre o órgão. O processo está em audiência
pública.
A perda de poder de Chipp dá também condições ao ministério de reduzir
as tarifas até 2018 e resolver um imbróglio de R$ 15 bilhões que envolve
geradores, transmissores e distribuidores.
Devido a decisões do ONS para poupar reservatórios e evitar quebra no
fornecimento, geradores hidráulicos têm produzido energia abaixo do que
estabelecem seus contratos.
Com isso, é preciso recorrer a mais geração térmica, o que eleva o custo
da energia — somente em 2015, a conta aumentou em 52,3%, segundo o
IBGE.
A meta de Braga, de ter uma tarifa de energia aceitável até 2018, coincide com o ano eleitoral.
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