sexta-feira, 8 de janeiro de 2016




Relatório da Aneel mostra que linhas de transmissão são principal gargalo do setor elétrico — leilões de linhas de transmissão de 2016 não atendem prazo necessário — Ministério de Minas e Energia e ONS disputam poder no setor



Linha de transmissão que vai de Rondônia a Araraquara, em São Paulo


A última radiografia feita pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) nas obras de linhas de transmissão de energia em andamento no Brasil é desanimadora: 62% dos 363 empreendimentos de expansão da rede básica monitorados se encontram atrasados. A principal razão para o estouro no prazo é a demora no licenciamento ambiental, mas há problemas também de projeto, na compra de materiais e de execução das obras. A transmissão virou um gargalo para o setor.
Em Belo Monte, por exemplo, o atraso preocupa. Segundo fiscais, considerando o andamento atual, é “bastante provável que haja restrição de geração no período de novembro de 2016 a julho de 2017”. A usina até poderia gerar energia, mas não teria como distribuí-la.
Obras de transmissão de energia para as Olimpíadas do Rio também vão mal, indica o relatório, que avaliou as condições dos empreendimentos entre julho e setembro de 2015. Das três linhas de transmissão avaliadas, apenas uma ficará pronta antes dos jogos, que serão realizados em agosto.
Uma delas, classificada como “obra importante para a confiabilidade da área Rio durante o evento”, deve ficar pronta somente depois dele, em 30 de outubro.

Fora do prazo
Nenhuma das linhas de transmissão de energia elétrica que serão licitadas neste ano deve entrar em operação no prazo considerado adequado para a segurança do abastecimento.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) deve leiloar, neste ano, quase 13 mil quilômetros de linhas, além de 35 subestações, ao custo de R$ 24 bilhões.
São obras necessárias para escoar energia de novas usinas, atender à futura expansão do consumo e aumentar os volumes de eletricidade que podem ser transacionados entre regiões do país.
Dificuldades para viabilizar os leilões, no entanto, levaram a agência a estabelecer prazos maiores, para atrair interessados. Em nenhum dos casos, o prazo estipulado pelo edital atende à necessidade estabelecida pelo ONS (Operador Nacional do Sistema, responsável por definir a necessidade de transmissão) e pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética, que planeja as rotas para as linhas).
Nos leilões previstos para este ano, há descasamento de prazo de até cinco anos.
Linhas e subestações menores que o ONS considerava necessários a partir deste mês ficarão prontas apenas em 2021, segundo o edital.
Em São Paulo, uma linha subterrânea de 30 km, no interior do Estado, deveria entrar em operação em março, mas será concluída em 2020.
Isso sem considerar eventuais atrasos e imprevistos nas obras. Segundo o mais recente relatório da Aneel, publicado em dezembro, mais de 60% das linhas em construção estão atrasadas — afetando o escoamento de grandes usinas na Amazônia, como Belo Monte, e o fornecimento durante a Olimpíada do Rio.


Para evitar um descasamento maior, a Aneel prevê vários leilões ao longo do ano, com um número maior de lotes e obras menores, de menor custo.
Originalmente, estavam previstos 26 lotes em um único certame, em março, mas empresas tradicionais do setor de transmissão, como as estatais estaduais Copel e Cemig, previam não disputar as licitações devido aos altos valores dos investimentos.
Apesar de a fragmentação dos lotes poder atrasar em até nove meses algumas das obras, ela foi tomada para que o maior número de linhas e subestações receba ofertas, evitando novas licitações para as mesmas obras.
"Com isso, haverá mais tempo para que empresas interessadas possam obter informações mais aprofundadas sobre os projetos e possam também buscar as condições operacionais e financeiras para participar dos certames", diz, em nota, o Ministério de Minas e Energia.

Disputa de poder
Hermes Chipp, diretor-geral do ONS (órgão que, na prática, manda na geração e transmissão de energia no país), está sob pressão direta do Ministério de Minas e Energia, chefiado por Eduardo Braga (PMDB).
Por meio da Aneel e de uma mudança no estatuto, o ministério namora a possibilidade de diminuir o poder decisório de Chipp e fazê-lo deixar o cargo em maio de 2016 — quando acaba seu terceiro mandato, obtido por medida provisória de Dilma, em 2014.
O ONS é uma organização privada, que tem 3% do orçamento custeado pelas empresas associadas — geradores e transmissores —, e o restante, por encargos na tarifa de luz.
Em processo na Aneel, propõe-se que o órgão seja bancado 100% pelas empresas a partir de 2018.
Para as finanças do setor, não muda nada — mas altera tudo no poder de Chipp. "Quem paga a conta é quem manda", de acordo com as palavras que ele próprio escolheu para criticar a mudança.
Os maiores financiadores do órgão passariam a ser Eletrobras, Petrobras e Itaipu — três empresas com controle estatal ligadas ao ministério de Braga. Até o momento, ninguém manda no ONS, além de Chipp.
Sem poder mudar o estatuto unilateralmente, a Aneel entendeu que pode sugerir mudanças e, ao mesmo tempo, barrar a sua aprovação se os pedidos não forem atendidos.
Conforme relatório do diretor da agência André Pepitone, a mudança visa elevar a fiscalização sobre o órgão. O processo está em audiência pública.
A perda de poder de Chipp dá também condições ao ministério de reduzir as tarifas até 2018 e resolver um imbróglio de R$ 15 bilhões que envolve geradores, transmissores e distribuidores.
Devido a decisões do ONS para poupar reservatórios e evitar quebra no fornecimento, geradores hidráulicos têm produzido energia abaixo do que estabelecem seus contratos.
Com isso, é preciso recorrer a mais geração térmica, o que eleva o custo da energia — somente em 2015, a conta aumentou em 52,3%, segundo o IBGE.
A meta de Braga, de ter uma tarifa de energia aceitável até 2018, coincide com o ano eleitoral.






Nenhum comentário:

Postar um comentário