Documentos revelam que o governo
Dilma atuou em favor da Andrade Gutierrez na contratação de um
financiamento de US$ 320 milhões do BNDES (banco estatal), com condições
especiais, na véspera da eleição de 2014, para assegurar que um
investimento do grupo Andrade Gutierrez se viabilizasse em Moçambique
ESTRATÉGIA — Dilma Rousseff e o presidente de Moçambique, Armando
Guebuza, em 2013. Segundo a embaixada, a presidente se dispôs a resolver a liberação do empréstimo ao país africano |
Em março de 2013, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com o presidente
de Moçambique, Armando Guebuza, em Durban, na África do Sul, durante um
encontro de países subdesenvolvidos. O assunto era urgente: um
empréstimo de US$ 320 milhões do BNDES. Guebuza, segundo relato que fez a
seus ministros, disse que as exigências impostas para a liberação do
crédito estavam travando as obras de infraestrutura em seu país. Depois
de ouvir atentamente, Dilma se colocou à disposição para “resolver o
assunto”. O teor da conversa foi transmitido por uma das diretoras da
Andrade Gutierrez na África Adriana Ribeiro à então embaixadora do
Brasil em Maputo, Lígia Maria Scherer. As negociações, porém, não
avançaram. Para receber o dinheiro do banco estatal brasileiro destinado
à construção da barragem de Moamba Major, em Moçambique, o país
africano deveria topar abrir uma conta bancária numa economia com baixo
risco de calote. Esse é um procedimento comum nos financiamentos à
exportação do BNDES.
Guebuza, porém, recusava-se a aceitar essa condição. Contrariado, em
agosto de 2013, o ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang,
encaminhou uma carta oficial ao governo brasileiro. A correspondência
tratava das dificuldades políticas em abrir uma conta em moeda
estrangeira no exterior para pagar dívidas com o Brasil enquanto recebia
doações de outros governos para projetos sociais. Pegaria mal. A ideia
era abrir uma conta no país africano. Essa mensagem foi acompanhada de
um recado claro da Embaixada do Brasil em Maputo, capital de Moçambique:
caso os recursos do BNDES não fossem liberados, dificilmente a
construtora Andrade Gutierrez seria escolhida para construir a barragem.
“Haveria indícios de que o Brasil perderia o projeto para empresas de
outros países se a questão do financiamento pelo BNDES não pudesse ser
solucionada”, afirma a mensagem.
Telegrama secreto do Itamaraty relata que Dilma se dispôs a destravar o empréstimo camarada do BNDES para Moçambique |
O alerta surtiu efeito em Brasília. Um mês depois, no dia 9 de setembro
de 2013, foi realizada a 97ª reunião do Conselho de Ministros da Câmara
de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Conselho de Governo da
Presidência da República, formado por sete ministérios e presidido
naquele momento pelo petista Fernando Pimentel, então ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), fiel escudeiro de
Dilma e, atualmente, governador de Minas Gerais. A ata da reunião do
Camex relata uma discussão sobre o pedido de Moçambique de dispensa da
exigência da garantia da conta no exterior para a liberação do
empréstimo do BNDES. O representante do Ministério da Fazenda, Dyogo
Oliveira, reforçou que a abertura de uma conta era muito importante e
ainda ressaltou que caso essa premissa fosse descartada surgiriam outros
dois problemas. Primeiro, seria difícil controlar a conta dentro de
Moçambique. Segundo, o país africano não possuía limite de crédito no
Fundo de Garantia à Exportação (FGE), responsável por cobrir um eventual
calote. Pimentel discordou e votou pela flexibilização das garantias,
abrindo uma clara exceção para Moçambique. Essa opinião foi endossada
por representantes da Casa Civil, comandada por Gleise Hoffmann, e do
Ministério das Relações Exteriores, sob a gestão de Luiz Alberto
Figueiredo, além do ministro interino do Desenvolvimento Agrário,
Laudemir André Müller. Com a aprovação da maioria, a posição defendida
por Pimentel prevaleceu.
JEITINHO — Fernando Pimentel no fim de 2014, já como governador de Minas
Gerais. Ele contrariou o Ministério da Fazenda e insistiu que Moçambique fosse tratado como exceção |
Depois de destravado o empréstimo para a obra em Moçambique, a operação
passou por ajustes jurídicos no BNDES. Em 16 de julho de 2014, dez meses
depois da reunião da Camex e já durante a campanha para a eleição
presidencial, foi assinado um contrato entre o banco, o país africano e a
Andrade Gutierrez. O acordo, selado pelo ministro das Finanças
moçambicano, prevê uma linha de crédito de até US$ 320 milhões. Esse
dinheiro foi endereçado a um consórcio formado pelas empreiteiras Zagope
Construções e Engenharia, controlada pela Andrade Gutierrez, e Fidens
Engenharia, responsáveis pelo projeto de construção da barragem no país
africano. A Zagope é uma empresa conhecida pelos procuradores que
investigam corrupção no Brasil.
Contrato do BNDES com Andrade Gutierrez e Moçambique |
De acordo com uma denúncia apresentada pela força-tarefa do Ministério
Público Federal (MPF) contra executivos da Andrade Gutierrez, que foi
aceita pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, a Zagope
usou uma de suas subsidiárias como veículo de pagamento de propina. O
dinheiro saía da conta da Zagope Angola para uma empresa sediada no
Panamá, administrada pelo operador Mario Goés — que, segundo o MPF,
repassava pixulecos para Pedro Barusco e Renato Duque, respectivamente
ex-gerente e ex-diretor da Petrobras. As operações da Andrade Gutierrez
na África e em Portugal continuam na mira de investigadores da Lava
Jato, que fizeram um acordo de cooperação internacional para buscar mais
informações sobre as transações financeiras da empreiteira no exterior.
No mês seguinte à assinatura do contrato com o BNDES, no dia 20 de agosto, às 8h54min, Edinho
Silva, então tesoureiro da campanha presidencial à reeleição de Dilma,
visitou Otávio Marques de Azevedo no escritório da Andrade Gutierrez, em São Paulo. A conversa durou quase uma hora. Nove
dias depois desse encontro, a empreiteira realizou uma transferência no
valor de R$ 10 milhões para a campanha de Dilma. Em seguida, do dia 23
setembro a 22 de outubro de 2014, a construtora doou ao todo mais R$ 10
milhões, em três parcelas. Entre as empreiteiras brasileiras, a
Andrade foi a principal contribuidora da reeleição de Dilma,
desembolsando quase o triplo do total repassado pela UTC.
O responsável por receber essa bolada era Edinho, atual ministro da
Secretaria de Comunicação Social e também investigado na Lava Jato em
inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre doações de
campanha em 2014. A Procuradoria-Geral da República apura se Edinho
achacou empreiteiros como Azevedo, que tinham contratos com o governo.
No fim do ano passado, executivos da Andrade, entre eles Azevedo, presos
em Curitiba, fecharam um acordo de delação premiada, em que deverão
revelar, entre outras coisas, o esquema de corrupção por trás dos
financiamentos de campanhas eleitorais. Policiais e procuradores
acreditam que, ao percorrer o caminho do dinheiro movimentado pelas
construtoras como a Andrade Gutierrez, poderão, mais cedo ou mais tarde,
deparar com os empréstimos liberados pelo BNDES.
Questionada a respeito da negociação, a Presidência da República
informa, por meio de sua área de comunicação, que o governo Dilma
Rousseff sempre teve como estratégia expandir as exportações de produtos
manufaturados e bens e serviços para os mercados da África e América
Latina. “Seguindo essa diretriz, com total autonomia e sem nenhuma
ingerência de qualquer instituição do governo, o Cofig (Comitê de
Financiamento e Garantia das Exportações, colegiado responsável por
avaliar as condições de financiamentos do governo federal a operações de
exportação) e a Camex tomam suas decisões”, afirma a Presidência, por
escrito. “Cabe ainda ressaltar que as doações feitas à campanha de 2014
não tem nenhuma relação com as ações de governo.”
Em nota, o BNDES afirma que o controle na concessão dos créditos à
exportação se baseia em critérios técnicos e tem permitido apoio às
empresas brasileiras com uma inadimplência extremamente baixa. E também
que “não é incomum que uma operação seja aprovada na Camex e depois
transcorra, até a contratação, um prazo similar ao observado na
operação”. O banco não divulga o fluxo de desembolsos dos financiamentos
à exportação.
Para a Andrade Gutierrez, o procedimento todo foi regular. “A Andrade
Gutierrez reitera que todos os financiamentos contratados junto ao BNDES
obedecem à legislação brasileira e seguem avaliação técnica rigorosa do
banco”, afirma a empresa, numa nota. A empreiteira informa, na mesma
nota, em relação ao empréstimo do BNDES para a construção da barragem,
que o valor de US$ 320 milhões foi contratado em julho de 2014 e não foi
liberado naquela data. A empresa não respondeu às questões envolvendo
as doações da campanha de 2014. Caberá aos investigadores da Lava Jato
esclarecer se há relação entre o empréstimo do BNDES e a doação à
campanha de Dilma.
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