Socorro a jato para os empreiteiros —
uma MP editada às pressas pelo governo federal pode desestimular
empresas a denunciar esquemas de corrupção
O ministro Valdir Simão se apressou para voar para o Rio de Janeiro na
manhã de 23 de outubro de 2015 para se reunir com representantes da
empresa holandesa SBM Offshore. A companhia fechara em março um
memorando de acordo de leniência — o primeiro passo para se beneficiar
em troca de colaborar com as investigações. Mas ameaçava desistir.
Naquela data, Simão, hoje titular do Planejamento, estava à frente da
Controladoria-Geral da União (CGU) e tinha como missão evitar que as
tratativas naufragassem. Ouviu que a empresa não aceitava assinar o
acordo devido a imprecisões da legislação brasileira. A SBM havia sido
uma das primeiras a buscar a CGU para admitir envolvimento em corrupção
com a Petrobras e já tinha experiência de acordos semelhantes, firmados
nos Estados Unidos e na Holanda.
Ao regressar em Brasília, o ministro trazia a missão de acelerar a
modificação da Lei Anticorrupção no Congresso, a fim de dar mais
garantias para os acordos a firmar. O governo apostava num projeto de
lei do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Mas o ultimato da SBM levou o
Executivo a tomar decisões apressadas.
O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, trabalhou para produzir
rapidamente uma peça legislativa sobre o tema. Em 18 de dezembro, o
governo atropelou o Congresso e editou a Medida Provisória 703, tida
pelos críticos como benevolente com as empreiteiras. Na visão dos que
discordam do texto produzido pelo Executivo, em vez de incentivar a
competição entre malfeitores para primeiro “trair” o cúmplice e assim
obter o perdão maior, a MP pode desestimular a colaboração, ou
retardá-la. Isso porque o texto mantém aberta a possibilidade de um
candidato a delator bater às portas do governo em qualquer momento
futuro que julgue conveniente.
A MP reforça, ainda, um vício do capitalismo de Estado do Brasil, a
dependência do poder público. O acordo de leniência é uma espécie de
“delação” para as empresas e serve para evitar que elas sejam proibidas
de contratar com o poder público e de obter financiamento estatal. “No
Brasil, se uma empresa não pode se financiar com o Estado, ela também
não contrata com privado. Se for lançar ações, não vai ter procura”, diz
o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Mas ele responde às
críticas à suposta brandura da MP. “Ela não perdoa ninguém. A empresa
está obtendo a possibilidade de não sofrer a sanção extrema. A delação é
o mesmo. Quem faz a delação premiada não vai para cadeia. Por que que o
criminoso teria benefício maior que o da empresa?”, afirma.
Para o economista e fundador da consultoria Inter B. Claudio Frischtak, a
modificação do texto por meio de uma Medida Provisória é problemática
porque ele é transformado automaticamente em lei, sem que antes haja uma
discussão prévia. “Além disso, não é boa ideia fazer uma MP no
finalzinho de um ano onde não só o Congresso está em recesso como a
população está com outras preocupações. Isso dá a impressão de que tem
alguma coisa errada”, comenta. Ele vê com olhos críticos a forma como o
assunto está sendo discutido. “Eu não creio que se deve destruir as
empresas e ninguém está propondo isso. O objetivo em última instância é
mudar o comportamento das empresas”, explica. “Você tem que ter um
instrumento de delação continuada que nenhuma empresa aceite os termos
que agentes públicos possam oferecer novas formas de corrupção. É
preciso que as empresas se comprometam a informar ao judiciário ou não
vai funcionar”.
O senador Ricardo Ferraço também recebeu com críticas a edição da MP. “O
governo poderia tratar da matéria com urgência constitucional, porque
não se pode tratar de medidas penais por meio de MP”, diz. De acordo com
o parlamentar, o governo faz vista grossa para os atos praticados pelas
empresas. Na visão do procurador Nicolao Dino, que representou a
Procuradoria-Geral da República (PGR) nas discussões do projeto de lei,
ainda não há como afirmar que a MP exclui o órgão dos acordos de
leniência. “Se a MP possibilitar isso, certamente será
inconstitucional”, diz. A crítica é levantada pelo procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima, um dos responsáveis por acordos de delação no
Paraná no caso da Lava Jato. “Apesar de constarmos na MP, a situação
dela prejudica, e muito, as investigações do Ministério Público. Ela é
bastante ambígua e favorece as empreiteiras”, afirma. O desafio do
governo agora é garantir que a MP seja aprovada no Congresso. O prazo
máximo é de 120 dias a partir do início de fevereiro. Negociadores das
empreiteiras afirmam que agora resta a eles apostar na MP, já que o
projeto de lei ainda não avançou.
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