domingo, 10 de janeiro de 2016




Socorro a jato para os empreiteiros — uma MP editada às pressas pelo governo federal pode desestimular empresas a denunciar esquemas de corrupção






O ministro Valdir Simão se apressou para voar para o Rio de Janeiro na manhã de 23 de outubro de 2015 para se reunir com representantes da empresa holandesa SBM Offshore. A companhia fechara em março um memorando de acordo de leniência — o primeiro passo para se beneficiar em troca de colaborar com as investigações. Mas ameaçava desistir.
Naquela data, Simão, hoje titular do Planejamento, estava à frente da Controladoria-Geral da União (CGU) e tinha como missão evitar que as tratativas naufragassem. Ouviu que a empresa não aceitava assinar o acordo devido a imprecisões da legislação brasileira. A SBM havia sido uma das primeiras a buscar a CGU para admitir envolvimento em corrupção com a Petrobras e já tinha experiência de acordos semelhantes, firmados nos Estados Unidos e na Holanda.
Ao regressar em Brasília, o ministro trazia a missão de acelerar a modificação da Lei Anticorrupção no Congresso, a fim de dar mais garantias para os acordos a firmar. O governo apostava num projeto de lei do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Mas o ultimato da SBM levou o Executivo a tomar decisões apressadas.
O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, trabalhou para produzir rapidamente uma peça legislativa sobre o tema. Em 18 de dezembro, o governo atropelou o Congresso e editou a Medida Provisória 703, tida pelos críticos como benevolente com as empreiteiras. Na visão dos que discordam do texto produzido pelo Executivo, em vez de incentivar a competição entre malfeitores para primeiro “trair” o cúmplice e assim obter o perdão maior, a MP pode desestimular a colaboração, ou retardá-la. Isso porque o texto mantém aberta a possibilidade de um candidato a delator bater às portas do governo em qualquer momento futuro que julgue conveniente.
A MP reforça, ainda, um vício do capitalismo de Estado do Brasil, a dependência do poder público. O acordo de leniência é uma espécie de “delação” para as empresas e serve para evitar que elas sejam proibidas de contratar com o poder público e de obter financiamento estatal. “No Brasil, se uma empresa não pode se financiar com o Estado, ela também não contrata com privado. Se for lançar ações, não vai ter procura”, diz o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Mas ele responde às críticas à suposta brandura da MP. “Ela não perdoa ninguém. A empresa está obtendo a possibilidade de não sofrer a sanção extrema. A delação é o mesmo. Quem faz a delação premiada não vai para cadeia. Por que que o criminoso teria benefício maior que o da empresa?”, afirma.
Para o economista e fundador da consultoria Inter B. Claudio Frischtak, a modificação do texto por meio de uma Medida Provisória é problemática porque ele é transformado automaticamente em lei, sem que antes haja uma discussão prévia. “Além disso, não é boa ideia fazer uma MP no finalzinho de um ano onde não só o Congresso está em recesso como a população está com outras preocupações. Isso dá a impressão de que tem alguma coisa errada”, comenta.  Ele vê com olhos críticos a forma como o assunto está sendo discutido. “Eu não creio que se deve destruir as empresas e ninguém está propondo isso. O objetivo em última instância é mudar o comportamento das empresas”, explica. “Você tem que ter um instrumento de delação continuada que nenhuma empresa aceite os termos que agentes públicos possam oferecer novas formas de corrupção. É preciso que as empresas se comprometam a informar ao judiciário ou não vai funcionar”.
O senador Ricardo Ferraço também recebeu com críticas a edição da MP. “O governo poderia tratar da matéria com urgência constitucional, porque não se pode tratar de medidas penais por meio de MP”, diz. De acordo com o parlamentar, o governo faz vista grossa para os atos praticados pelas empresas. Na visão do procurador Nicolao Dino, que representou a Procuradoria-Geral da República (PGR) nas discussões do projeto de lei, ainda não há como afirmar que a MP exclui o órgão dos acordos de leniência. “Se a MP possibilitar isso, certamente será inconstitucional”, diz. A crítica é levantada pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos responsáveis por acordos de delação no Paraná no caso da Lava Jato. “Apesar de constarmos na MP, a situação dela prejudica, e muito, as investigações do Ministério Público. Ela é bastante ambígua e favorece as empreiteiras”, afirma. O desafio do governo agora é garantir que a MP seja aprovada no Congresso. O prazo máximo é de 120 dias a partir do início de fevereiro. Negociadores das empreiteiras afirmam que agora resta a eles apostar na MP, já que o projeto de lei ainda não avançou.






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