Nos passos de Dom Pedro I —
pesquisadores refazem trajeto que imperador percorreu nos dias que
antecederam a Independência do Brasil
D. Pedro chegou antes do combinado em uma fazenda e acabou almoçando sem
ser reconhecido como príncipe; plantou uma palmeira; fez promessa para
Nossa Senhora Aparecida; trocou de calças com um guarda. Foram muitas as
peripécias do nobre na viagem realizada do Rio a São Paulo — iniciada
por ele como príncipe, concluída como imperador.
Em 14 de agosto de 1822, d. Pedro saiu do Rio — com uma comitiva de sete
pessoas. Antes de proclamar a Independência, no histórico 7 de
setembro, entretanto, o monarca peregrinou por muitas cidades no Vale do
Paraíba. Cento e noventa e três anos depois, o historiador e arquiteto
Paulo Rezzutti — autor de, entre outros, ‘D. Pedro: A História não
Contada’ — e a guia de turismo Kátia Nicolav, a Cacau — especializada
pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo —, seguiram os passos
de d. Pedro e encontraram preciosidades preservadas, além de curiosas
histórias de outras personalidades brasileiras, como o escritor Monteiro
Lobato e religioso Frei Galvão.
“Em seis dias, percorremos 1,3 mil km”, conta Cacau. “Conversamos com
moradores locais, historiadores e agentes culturais. E, claro, visitamos
os pontos de relevância histórica.” Como ponto de partida, a dupla
utilizou relato escrito em 1864 pelo major reformado Francisco de Castro
do Canto e Melo, irmão da Marquesa de Santos. “Ele fazia parte dos
‘leais paulistanos’, uma divisão de 1,1 mil homens que foi formada e
armada em São Paulo e enviada ao Rio por convocação de d. Pedro em
janeiro de 1822”, explica o historiador, lembrando que Francisco
integrou a comitiva que acompanhou d. Pedro.
“São Paulo estava o caos”, afirma Rezzutti. “O governo eleito havia dado
um golpe no próprio governo e se recusava, apesar da ordem do príncipe,
a se dissolver e chamar novas eleições. D. Pedro veio para fazer as
ordens dele serem cumpridas. E aproveitou a viagem para apaziguar a
província e fazer alianças com os fazendeiros mais poderosos do Vale do
Paraíba, que lhe serviriam na Independência.”
Roteiro. Da Quinta da Boa Vista, a primeira parada foi na Fazenda
de Santa Cruz, que era da própria família imperial. Ali pernoitou. No
dia seguinte, d. Pedro já estava em terras paulistas. Chegou à Fazenda
Três Barras, em Bananal, na época pertencente ao capitão Hilário Gomes
de Almeida — que, doente, estava acamado e foi visitado pelo príncipe em
seu quarto. Hoje ali funciona um hotel-fazenda.
“Bastante modificado por sucessivas reformas, o local se transformou no
Hotel Três Barras”, comenta Rezzutti. “Em memória da passagem do
príncipe, uma suíte, onde dizem que ele dormiu, foi batizada de
‘imperial’. Outro visitante ilustre do local, já com esse transformado
em hotel, foi o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que utilizaria a
fazenda para seus encontros amorosos.”
No dia 17 de agosto, um d. Pedro “quase anônimo” foi para São José do
Barreiro, passando pela Fazenda Pau d’Alho. “A fazenda, que começou a
ser construída em 1817 pelo coronel João Ferreira, recebeu o príncipe
para uma refeição apressada”, pontua o historiador. “Apostando corrida
com os demais componentes da comitiva, chegou antes do esperado na
fazenda e pediu um prato de comida. A proprietária, sem saber que o
forasteiro era d. Pedro, não negou comida ao viajante, mas o recebeu na
cozinha, afinal a sala de jantar estava sendo preparada com toda a pompa
e circunstância para receber o príncipe regente para almoçar.”
Em seguida, ainda no mesmo dia, foi a vez de a comitiva parar na casa do
capitão-mor Domingos da Silva, em Areias — onde hoje funciona o Hotel
Sant’Ana. “Teria dormido no último quarto, uma espécie de mirante ainda
existente de onde é possível ver parte da cidade e da região”, relata
Rezzutti. “Areias também entrou para a história nacional por outro
motivo, foi o local onde Monteiro Lobato morou e onde trabalhou como
promotor público de 1907 a 1911. Devido ao marasmo da cidade e das
demais no entorno, apelidou a região de ‘Cidades Mortas’ e as
imortalizou com diversos contos que lançou em livro com este título.
Ainda hoje, a casa onde Lobato morou e o local onde ele trabalhou, a
antiga Casa de Câmara e Cadeia, estão lá.”
Cachoeira Paulista, então chamada de Porto Cachoeira, foi ponto de
parada rápida no dia 18, apenas para o almoço. À noite, a comitiva
chegou à Lorena. “Nessa cidade, d. Pedro ficou na casa do capitão-mor
Ventura José de Abreu. A residência não existe mais. O príncipe teria
plantado uma das primeiras palmeiras da Rua das Palmeiras, que se
localiza no centro da cidade. Também conheceu a Casa de Câmara e Cadeia,
que não foi preservada, e a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos.”
Em Guaratinguetá, no dia 19, ficou hospedado na casa do capitão-mor
Manoel José de Melo — cuja construção não existe mais. “Poucas
construções, aliás, são remanescentes da época da passagem do príncipe
pela cidade”, comenta o historiador. “Dentre elas, a casa onde nasceu
Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro.”
A comitiva saiu maior de Guaratinguetá. D. Pedro arregimentava novos
seguidores, que formavam uma guarda de honra. O grupo passou pela então
Capela de Nossa Senhora Aparecida, hoje município de Aparecida.
“Localizada no alto de uma colina, era cercada por coqueiros”, diz
Rezzutti. “A capela era um conjunto maciço, parte em pedra, com duas
torres e a cúpula arredondada, que guardava a imagem de Nossa Senhora,
pescada no Rio Paraíba, e por isso ‘Aparecida’. Segundo a tradição
popular guardou, além de suas orações d. Pedro teria feito um voto de
que tudo ocorrendo como desejado, ele tornaria Nossa Senhora Aparecida
padroeira do Brasil independente.”
A parada seguinte seria em Pindamonhangaba. Ali, d. Pedro ficou
hospedado no sobrado do irmão do capitão-mor, o monsenhor Ignácio
Marcondes de Oliveira Cabral. “Conhecido como ‘sobrado dos Marcondes’, a
residência foi ao chão como diversos outros prédios históricos na
cidade, que guarda uma história muito particular do período da
independência”, conta Rezzutti. “Devido à grande quantidade de homens
influentes da região a se juntarem a d. Pedro em sua guarda de honra,
existe numa das praças centrais da cidade um monumento lembrando esse
fato. Outra curiosidade é que Pinda foi a única cidade sem ser capital
que recebeu os restos mortais de d. Pedro I durante as comemorações do
Sesquicentenário da Independência. O caixão ficou na igreja de São José
nos dias 2 e 3 de setembro de 1972. No local, conhecido como Panteão de
Pindamonhangaba, estão enterrados os membros pindamonhangabenses da
Guarda de Honra. A igreja, que necessita de restauro, encontra-se
fechada sem previsão de reabertura.”
Em Taubaté, em 21 de agosto, d. Pedro passou a noite na casa do cônego
Antônio Moreira da Costa. A construção não existe mais. “Teria visitado o
antigo Convento de Santa Clara, fundado em 1673. Também a antiga Igreja
do Pilar é um dos testemunhos antigos da passagem do príncipe pela
cidade”, pontua. “Várias administrações, desde 1873 até o século 20,
buscaram relembrar a passagem de d. Pedro pela cidade. Em 1873 foi a rua
do gado batizada como Rua do Príncipe. Depois, na República, mudada
para Rua 15 de Novembro. Em 1955, o nome dos taubatenses que seguiram
com d. Pedro para São Paulo como parte de sua guarda de honra foram
postos em algumas ruas da cidade. A Rua Ipiranga e a Avenida D. Pedro I
também tiveram seus nomes colocados no mesmo ano.”
No dia 22, foi recebido pelo capitão-mor Claudio José Machado, em
Jacareí. “Uma curiosidade: A travessia de Taubaté para Jacareí era feita
de balsa pelo Rio Paraíba. Conta-se a história que d. Pedro, irrequieto
como só ele, sem ter paciência para esperar a balsa, esporeou a
montaria e atirou-se às águas do Paraíba para ser logo recebido pela
multidão de Jacareí que o esperava do outro lado da margem. Após ser
recebido, com os calções molhados, pôs-se a procurar alguém que tivesse o
seu tamanho e que estivesse com as calças secas”, narra Rezzutti. “A
vítima foi Adriano Gomes Vieira, de Pindamonhangaba, que havia se ligado
à guarda de honra e que atravessou de balsa para Jacareí. Adriano teve a
‘honra’ de dar suas calças secas para o príncipe, ficando com as
molhadas dele.”
Em Mogi das Cruzes, no dia 23, foi recebido pela população local e
assistiu à missa na Igreja de Sant’Ana, onde hoje está a Catedral de
mesmo nome. Ali, ficou hospedado com o capitão-mor Francisco de Mello.
Chegaria a Penha de França, hoje parte da cidade de São Paulo, no dia
24. Assistiu à outra missa ali, na manhã do dia 25, antes de sua entrada
oficial em terras paulistanas, quando foi recebido pela vereança, pelos
religiosos e pela população diante da Igreja e Convento do Carmo. “A
igreja da Ordem Terceira e o relevo do local, são os dois únicos
guardiões atuais da passagem do príncipe pelo local”, comenta.
Em São Paulo, d. Pedro teve uma intensa rotina antes do 7 de setembro
que foi eternizado. “Convocou novas eleições e, enquanto isso, governou a
província interinamente”, afirma Rezzutti.
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