Para procuradores: manifesto de
advogados da Lava Jato violam princípio básico do direito —
Para juízes: ‘querem pressionar a magistratura’
O procurador Deltan Dallagnol, que chefia a força-tarefa da Operação Lava Jato |
Dois dos principais procuradores da Lava Jato, Carlos Fernando dos
Santos Lima e Deltan Dallagnol ironizaram o manifesto assinado por
advogados com acusações contra a operação e afirmaram que a carta
contraria o direito básico do direito.
"Eles [autores do manifesto] violaram o princípio mais básico que
eles defendem como advogados de defesa que é que não se façam
acusações genéricas", disse Dallagnol, coordenador da força-tarefa.
Divulgada na sexta-feira (15.jan.2016), a carta assinada por
advogados diz que a Lava Jato se tornou uma "neoinquisição" e que já
entra para a história do país como o primeiro caso penal "em que as
violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo
em relação a um número tão grande de réus e de forma tão
sistemática".
Dallagnol vê um paradoxo no manifesto, pois ele não nomeia quais
pessoas ou instituições estariam cerceando o direito de defesa dos
acusados.
Para o procurador Lima, o texto se refere a um sujeito abstrato,
"Lava Jato", sem identificar o alvo da crítica — se o Ministério
Público Federal, o Supremo Tribunal Federal, a polícia ou a
imprensa.
"As acusações são tão genéricas que envolveria todas estas
instituições, pessoas. Parece um grande complô."
Lima defendeu que os grupos têm o direito constitucional de pagar
por um espaço em veículos impressos e se manifestarem sobre o que
desejar, mas que não vestiria "nenhuma carapuça" por não identificar
no trabalho dos investigadores do Paraná nenhuma falha que tenha
ferido o direito de ampla defesa.
"Nós [da Procuradoria], pelo menos, quando fazemos uma acusação, nós
nominamos quem estamos acusando", afirmou Lima.
A CARTA —
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", enviou
mensagens a amigos e estava colhendo assinaturas para publicar a
chamada "carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica de
direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato".
Kakay disse não ser o autor da ideia, mas que a nota foi feita "por
vários amigos". "Gostei do texto, assinei e estamos trabalhando para
a publicação da nota".
Em trecho da carta, os advogados citam que, na chamada
"neoinquisição, "já se sabe, antes mesmo de começarem os processos,
qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se
seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir
'indesejáveis formalidades'".
Os signatários mostraram incômodo com a prática da imprensa de expor
fotografias dos réus que foram tiradas dentro do complexo prisional
onde se encontram. "Foram estampadas de forma vil e espetaculosa,
com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a
execração pública". Esta exposição, concluem, tentam colocar a
sociedade contra os réus para que já sejam tratados como culpados
antes mesmo de um julgamento.
O documento ainda cita haver pressão em magistrados de tribunais
superiores em relação à Lava Jato "para não decidirem favoravelmente
aos acusados em recursos e habeas corpus".
A prisão provisória de acusados, na visão dos autores da carta, está
sendo utilizada de forma velada para forçar acordos de delação
premiada.
Sem citar nominalmente o juiz Sérgio Moro, a carta menciona o
magistrado que conduz os processos e diz que ele atua "com
parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora que a própria
acusação".
No final, o documento diz reunir a opinião não só de advogados, mas
professores e juristas.
Além de Kakay, assinam a carta aberta outros advogados com clientes
envolvidos na Lava Jato, como Edward de Carvalho, Augusto de Arruda
Botelho e Roberto Podval, de um total de 105 nomes.
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros critica carta
aberta de defensores de políticos e empreiteiros investigados por
corrupção e crime organizado: 'parece que essa advocacia vive da
procrastinação'
A carta aberta assinada por mais de cem advogados, intitulada ’em
repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias
verificado na Operação Lava Jato, foi classificada como de
‘interesse privado’ pelo presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa. O documento foi
divulgado na sexta-feira, 15.jan.2016, nos principais veículos de
comunicação. O magistrado vê o manifesto como legítimo, mas passível
de críticas.
“Claro que não concordamos. Entendemos e enxergamos essa
manifestação como de um grupo de advogados que atende o interesse
daquelas pessoas que estão sendo processadas. Embora a fundamentação
da decisão tenha um viés de interesse público, de defesa do Estado
de Direito, da Constituição, na verdade, são os advogados dos réus
se manifestando”, afirmou o presidente da maior entidade
representativa da categoria.
Subscrevem a carta aberta Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Antonio
Carlos de Almeida Castro Kakay, Nabor Bulhões e Antonio Sérgio de
Moraes Pitombo, nomes de grande prestígio na advocacia.
O documento não cita e não faz críticas nominais a nenhum
protagonista da força-tarefa da Lava Jato. Na carta aberta, os
advogados, entre eles dezenas de defensores de réus do esquema de
corrupção instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014, afirmam que ‘no
plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos
acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do
País. Os criminalistas relatam ainda que a operação ‘se transformou
numa Justiça à parte’, e veem ‘o Estado de Direito sob ameaça’.
Na visão do presidente da AMB, tudo não passa de uma estratégia.
“Estão defendendo seus clientes, seus interesses profissionais que
são particulares e atacando o poder Judiciário, o Ministério
Público, que são instituições que estão atuando neste processo”,
declarou João Ricardo dos Santos Costa. “Nós vemos que uma
manifestação deste tipo vem no sentido de desqualificar a atuação do
Poder Judiciário como uma estratégia de minimizar os fatos que são
extremamente graves, que vem mobilizando o País inteiro.”
O presidente da AMB faz ainda uma crítica. “Parece que hoje essa
advocacia vive da procrastinação e parece que o interesse de mostrar
a inocência dos clientes virou algo secundário nesses processos.”
João Ricardo dos Santos Costa — presidente da AMB |
Leia a entrevista com João Ricardo dos Santos Costa (Presidente da
AMB):
Como o sr. avalia o manifesto?
É perfeitamente legítimo que um grupo de advogados se
reúna e, dentro das suas liberdades, faça um manifesto, expresse
sua opinião a este caso. Também é legítimo que a magistratura
também se manifeste em relação a este procedimento. Nós
reconhecemos o direito deles de livremente se manifestar e
expressar sua opinião. Claro que não concordamos. Entendemos e
enxergamos essa manifestação como de um grupo de advogados que
atende o interesse daquelas pessoas que estão sendo processadas.
Embora a fundamentação da decisão tenha um viés de interesse
público, de defesa do Estado de Direito, da Constituição, na
verdade, são os advogados dos réus se manifestando. Estão
defendendo seus clientes, seus interesses profissionais que são
particulares e atacando o poder Judiciário, o Ministério
Público, que são instituições que estão atuando neste processo.
Nós vemos que uma manifestação deste tipo vem no sentido de
desqualificar a atuação do Poder Judiciário como uma estratégia
de minimizar os fatos que são extremamente graves, que vem
mobilizando o País inteiro, vem sendo um fato jornalístico
internacional muito negativo para o Brasil e que a sociedade
espera que as instituições democráticas brasileiras superem isto
apurando os fatos e punindo os responsáveis.
No manifesto, os advogados afirmam: “Magistrados das altas Cortes do
País estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não
decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus ou
porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos e
consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no
âmbito da Operação Lava Jato (…)”. A AMB recebeu alguma reclamação,
tem visto estes ataques?
O que acontece com qualquer juiz que tem um processo de
grande pressão social é evidente. O que eles estão fazendo agora
é exercer uma pressão em cima do juiz. Essa carta é uma forma de
pressão. A sociedade pressiona, as partes dos interessados
pressionam. Mas os juízes têm as suas prerrogativas e suas
garantias exatamente parta esses momentos mais difíceis. Eu não
vejo nenhum indício, nenhum sintoma de que os magistrados que
estão atuando neste processo estão sendo afetados por algum tipo
de pressão. É claro que a pressão existe, como existe em
qualquer processo de interesse social. Eu vejo independência. Os
juízes que atuam neste processo tem independência. Tanto é que
as decisões ora são favoráveis, ora, desfavoráveis. Basta olhar
com um olhar racional as decisões do processo. O fato de existir
pressão não quer dizer que os juízes sejam influenciados por
isso. O manifesto deles é uma pressão contra os juízes e contra
os procuradores.
Essa carta pode ter impacto sobre os magistrados e procuradores?
Nenhum. Exatamente porque é uma carta assinada por pessoas
que estão tratando dos interesses privados dos clientes deles
que estão respondendo aos processos, foi articulada por eles.
Nós enxergamos como mais uma estratégia de defesa dos clientes.
Não vemos nenhuma possibilidade de influenciar o julgamento. Eu
lamento os termos da carta que visa descredibilizar o Estado, o
sistema judicial que está atuando neste processo.
O sr. vê a carta como um ato de desespero por não estarem
conseguindo decisões favoráveis aos clientes?
Eu não poderia avaliar com algum juízo nesta dimensão
sobre este manifesto. O que eu posso observar é que ele é um
manifesto que merece toda a crítica por ter a intenção de
pressionar a magistratura. Com todas as garantias processuais
que têm, inclusive a quantidade de recurso que é um exagero,
esses profissionais têm todas as condições de fazer uma boa
defesa processual aos seus clientes. Mas parece que hoje essa
advocacia vive da procrastinação e parece que o interesse de
mostrar a inocência dos clientes virou algo secundário nesses
processos. Hoje existe uma cultura da procrastinação se
aproveitando de um sistema processual completamente anacrônico.
Não há mais necessidade de provar inocência, basta levar o caso
à prescrição.
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