sexta-feira, 15 de janeiro de 2016




Para procuradores: manifesto de advogados da Lava Jato violam princípio básico do direito — Para juízes: ‘querem pressionar a magistratura’



O procurador Deltan Dallagnol, que chefia a força-tarefa da Operação Lava Jato


Dois dos principais procuradores da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol ironizaram o manifesto assinado por advogados com acusações contra a operação e afirmaram que a carta contraria o direito básico do direito.
"Eles [autores do manifesto] violaram o princípio mais básico que eles defendem como advogados de defesa que é que não se façam acusações genéricas", disse Dallagnol, coordenador da força-tarefa.
Divulgada na sexta-feira (15.jan.2016), a carta assinada por advogados diz que a Lava Jato se tornou uma "neoinquisição" e que já entra para a história do país como o primeiro caso penal "em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática".
Dallagnol vê um paradoxo no manifesto, pois ele não nomeia quais pessoas ou instituições estariam cerceando o direito de defesa dos acusados.
Para o procurador Lima, o texto se refere a um sujeito abstrato, "Lava Jato", sem identificar o alvo da crítica — se o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal, a polícia ou a imprensa.
"As acusações são tão genéricas que envolveria todas estas instituições, pessoas. Parece um grande complô."
Lima defendeu que os grupos têm o direito constitucional de pagar por um espaço em veículos impressos e se manifestarem sobre o que desejar, mas que não vestiria "nenhuma carapuça" por não identificar no trabalho dos investigadores do Paraná nenhuma falha que tenha ferido o direito de ampla defesa.
"Nós [da Procuradoria], pelo menos, quando fazemos uma acusação, nós nominamos quem estamos acusando", afirmou Lima.

A CARTA — O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", enviou mensagens a amigos e estava colhendo assinaturas para publicar a chamada "carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato".
Kakay disse não ser o autor da ideia, mas que a nota foi feita "por vários amigos". "Gostei do texto, assinei e estamos trabalhando para a publicação da nota".
Em trecho da carta, os advogados citam que, na chamada "neoinquisição, "já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir 'indesejáveis formalidades'".
Os signatários mostraram incômodo com a prática da imprensa de expor fotografias dos réus que foram tiradas dentro do complexo prisional onde se encontram. "Foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública". Esta exposição, concluem, tentam colocar a sociedade contra os réus para que já sejam tratados como culpados antes mesmo de um julgamento.
O documento ainda cita haver pressão em magistrados de tribunais superiores em relação à Lava Jato "para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus".
A prisão provisória de acusados, na visão dos autores da carta, está sendo utilizada de forma velada para forçar acordos de delação premiada.
Sem citar nominalmente o juiz Sérgio Moro, a carta menciona o magistrado que conduz os processos e diz que ele atua "com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora que a própria acusação".
No final, o documento diz reunir a opinião não só de advogados, mas professores e juristas.
Além de Kakay, assinam a carta aberta outros advogados com clientes envolvidos na Lava Jato, como Edward de Carvalho, Augusto de Arruda Botelho e Roberto Podval, de um total de 105 nomes.



Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros critica carta aberta de defensores de políticos e empreiteiros investigados por corrupção e crime organizado: 'parece que essa advocacia vive da procrastinação'



A carta aberta assinada por mais de cem advogados, intitulada ’em repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato, foi classificada como de ‘interesse privado’ pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa. O documento foi divulgado na sexta-feira, 15.jan.2016, nos principais veículos de comunicação. O magistrado vê o manifesto como legítimo, mas passível de críticas.
“Claro que não concordamos. Entendemos e enxergamos essa manifestação como de um grupo de advogados que atende o interesse daquelas pessoas que estão sendo processadas. Embora a fundamentação da decisão tenha um viés de interesse público, de defesa do Estado de Direito, da Constituição, na verdade, são os advogados dos réus se manifestando”, afirmou o presidente da maior entidade representativa da categoria.
Subscrevem a carta aberta Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Antonio Carlos de Almeida Castro Kakay, Nabor Bulhões e Antonio Sérgio de Moraes Pitombo, nomes de grande prestígio na advocacia.
O documento não cita e não faz críticas nominais a nenhum protagonista da força-tarefa da Lava Jato. Na carta aberta, os advogados, entre eles dezenas de defensores de réus do esquema de corrupção instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014, afirmam que ‘no plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do País. Os criminalistas relatam ainda que a operação ‘se transformou numa Justiça à parte’, e veem ‘o Estado de Direito sob ameaça’.
Na visão do presidente da AMB, tudo não passa de uma estratégia. “Estão defendendo seus clientes, seus interesses profissionais que são particulares e atacando o poder Judiciário, o Ministério Público, que são instituições que estão atuando neste processo”, declarou João Ricardo dos Santos Costa. “Nós vemos que uma manifestação deste tipo vem no sentido de desqualificar a atuação do Poder Judiciário como uma estratégia de minimizar os fatos que são extremamente graves, que vem mobilizando o País inteiro.”
O presidente da AMB faz ainda uma crítica. “Parece que hoje essa advocacia vive da procrastinação e parece que o interesse de mostrar a inocência dos clientes virou algo secundário nesses processos.”



João Ricardo dos Santos Costa — presidente da AMB


Leia a entrevista com João Ricardo dos Santos Costa (Presidente da AMB):

Como o sr. avalia o manifesto?
É perfeitamente legítimo que um grupo de advogados se reúna e, dentro das suas liberdades, faça um manifesto, expresse sua opinião a este caso. Também é legítimo que a magistratura também se manifeste em relação a este procedimento. Nós reconhecemos o direito deles de livremente se manifestar e expressar sua opinião. Claro que não concordamos. Entendemos e enxergamos essa manifestação como de um grupo de advogados que atende o interesse daquelas pessoas que estão sendo processadas. Embora a fundamentação da decisão tenha um viés de interesse público, de defesa do Estado de Direito, da Constituição, na verdade, são os advogados dos réus se manifestando. Estão defendendo seus clientes, seus interesses profissionais que são particulares e atacando o poder Judiciário, o Ministério Público, que são instituições que estão atuando neste processo. Nós vemos que uma manifestação deste tipo vem no sentido de desqualificar a atuação do Poder Judiciário como uma estratégia de minimizar os fatos que são extremamente graves, que vem mobilizando o País inteiro, vem sendo um fato jornalístico internacional muito negativo para o Brasil e que a sociedade espera que as instituições democráticas brasileiras superem isto apurando os fatos e punindo os responsáveis.

No manifesto, os advogados afirmam: “Magistrados das altas Cortes do País estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos e consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no âmbito da Operação Lava Jato (…)”. A AMB recebeu alguma reclamação, tem visto estes ataques?
O que acontece com qualquer juiz que tem um processo de grande pressão social é evidente. O que eles estão fazendo agora é exercer uma pressão em cima do juiz. Essa carta é uma forma de pressão. A sociedade pressiona, as partes dos interessados pressionam. Mas os juízes têm as suas prerrogativas e suas garantias exatamente parta esses momentos mais difíceis. Eu não vejo nenhum indício, nenhum sintoma de que os magistrados que estão atuando neste processo estão sendo afetados por algum tipo de pressão. É claro que a pressão existe, como existe em qualquer processo de interesse social. Eu vejo independência. Os juízes que atuam neste processo tem independência. Tanto é que as decisões ora são favoráveis, ora, desfavoráveis. Basta olhar com um olhar racional as decisões do processo. O fato de existir pressão não quer dizer que os juízes sejam influenciados por isso. O manifesto deles é uma pressão contra os juízes e contra os procuradores.

Essa carta pode ter impacto sobre os magistrados e procuradores?
Nenhum. Exatamente porque é uma carta assinada por pessoas que estão tratando dos interesses privados dos clientes deles que estão respondendo aos processos, foi articulada por eles. Nós enxergamos como mais uma estratégia de defesa dos clientes. Não vemos nenhuma possibilidade de influenciar o julgamento. Eu lamento os termos da carta que visa descredibilizar o Estado, o sistema judicial que está atuando neste processo.

O sr. vê a carta como um ato de desespero por não estarem conseguindo decisões favoráveis aos clientes?
Eu não poderia avaliar com algum juízo nesta dimensão sobre este manifesto. O que eu posso observar é que ele é um manifesto que merece toda a crítica por ter a intenção de pressionar a magistratura. Com todas as garantias processuais que têm, inclusive a quantidade de recurso que é um exagero, esses profissionais têm todas as condições de fazer uma boa defesa processual aos seus clientes. Mas parece que hoje essa advocacia vive da procrastinação e parece que o interesse de mostrar a inocência dos clientes virou algo secundário nesses processos. Hoje existe uma cultura da procrastinação se aproveitando de um sistema processual completamente anacrônico. Não há mais necessidade de provar inocência, basta levar o caso à prescrição.






Nenhum comentário:

Postar um comentário