Engenheiro que projetou a
barragem de Fundão, que se rompeu em Mariana (MG), diz que
alertou a Samarco sobre risco
Um ano antes de a barragem de Fundão, da Samarco, se romper em
Mariana (MG), o engenheiro projetista da estrutura alertou a
mineradora sobre um "princípio de ruptura" na margem esquerda do
reservatório, devido ao aparecimento de uma trinca.
Em depoimento à Polícia Federal, ele afirmou que a situação
observada era "severa" e "necessitava de uma providência maior do
que a que Samarco estava tomando".
As informações foram prestadas pelo engenheiro Joaquim Pimenta de
Ávila em dezembro passado. Além de projetista, ele também era
responsável oficial pela barragem ao menos até 2012.
Segundo Ávila, o reforço construído no local não considerava a
liquefação, quando a estrutura da barragem passa do estado sólido
para o líquido — o que pode resultar em rompimento.
A trinca foi analisada pelo engenheiro em setembro de 2014, mas,
segundo soube pela Samarco, ela havia aparecido um mês antes.
Afastado da mineradora desde 2012, Ávila passou a prestar
consultoria à empresa em 2014, conforme explicou à PF.
Ele recomendou o redimensionamento do reforço na estrutura, a
instalação de ao menos nove piezômetros (instrumentos para medir a
pressão da água no solo) e o acompanhamento diário da posição do
nível da água — se ele subisse, a empresa deveria bombeá-la para
fora da barragem.
DADOS PERDIDOS
No depoimento, o engenheiro diz não ter tido retorno da Samarco
sobre as ações tomadas. Ao solicitar, sem especificar em qual data,
os cálculos do que foi feito, Ávila diz que a engenheira Daviély
Rodrigues Silva, nova responsável por Fundão, afirmou que o disco
rígido de seu computador havia queimado e que os dados tinham se
perdido.
O engenheiro solicitou então que os cálculos fossem refeitos, mas,
no depoimento, ele não disse se chegou a ter acesso a esses dados.
Daviély e outras seis pessoas, inclusive Ricardo Vescovi, diretor
presidente da Samarco, foram indiciados pela PF, que apura desde
novembro de 2015 a responsabilidade pelo crime ambiental.
A lama provocada pelo rompimento da barragem chegou ao litoral do
Espírito Santo — e, neste mês, houve a suspeita de que tivesse
atingido Abrolhos, no sul da Bahia.
Ávila não foi indiciado. As investigações continuam, e novos
indiciamentos podem acontecer, segundo a PF.
O engenheiro afirma que a trinca apareceu em um recuo feito na
barragem e que não estava no seu projeto.
Como a barragem foi aumentando de volume nos últimos anos, ela
passou a encostar em uma estrutura vizinha, a pilha de estéril
(material que envolve o minério e é desprezado) da Vale, dona da
Samarco ao lado da anglo-australiana BHP Billiton.
No pé da pilha, havia surgido um lago. O contato entre as duas
estruturas não era indicado pois poderia potencializar processos
erosivos.
Antes mesmo que Fundão fosse construída, o estudo de impacto
ambiental da barragem, de 2005, já previa que as duas estruturas
entrariam em contato a partir da elevação 880 m. A barragem que ruiu
estava em 898 m (altura em relação ao nível do mar).
Para ter espaço para realizar as obras que solucionassem o contato
entre as estruturas, a Samarco criou um recuo, que se apoiava sobre
os rejeitos da barragem.
A ruptura apontada por Ávila em 2014 estava justamente nesse recuo,
inicialmente com 25 metros. No momento do rompimento, disse ele à
PF, atingia 40 metros. Esse crescimento, disse ele, exigia um
monitoramento ainda maior da situação.
No depoimento, Ávila diz que, ainda em 2014, apontou a existência de
escavações inadequadas no pé do dique da barragem de Selinha, que
faz divisa com Fundão, para implantação de tubulações.
O engenheiro sugeriu avaliações de segurança e reforço nos reparos,
mas não soube dizer se isso foi seguido.
OUTRO LADO
A mineradora Samarco disse em nota que todas as ocorrências surgidas
no processo de manutenção de barragens em 2014 foram tratadas.
Segundo a empresa, foram instalados 12 piezômetros no local indicado
pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, que havia recomendado a
colocação dos medidores em Fundão depois de observar a existência de
uma trinca num recuo criado no reservatório.
"Não havia previsão de recuo no projeto. Porém, foi necessário em
função de um problema estrutural na galeria secundária da barragem,
estrutura do projeto elaborado pela Pimenta de Ávila. Ele era
consultor da Samarco e, nessa condição, tem ciência do recuo",
afirma a empresa.
À PF o engenheiro Ávila, ex-projetista da barragem de Fundão, alegou
que sua responsabilidade na obra terminou em 2012, ao vencer seu
contrato com a Samarco.
A partir de então, após a mineradora realizar uma licitação, disse,
a empresa VogBR assumiu a estrutura.
Após seu depoimento, a VogBR e o engenheiro da empresa Samuel
Loures, que assinou a última inspeção do reservatório, feita em
julho de 2015, foram indiciados.
A Samarco, porém, afirmou em nota que o engenheiro Ávila é o
projetista da barragem no projeto que previa a elevação da parede da
barragem até a cota de 920 m, o que estava sendo executado.
A VogBR divulgou nota negando a responsabilidade no projeto que
estava sendo feito. Alega que seu trabalho, de ampliação da
capacidade do reservatório, só seria realizado em cerca de dois
anos.
Também diz que o nome do engenheiro consta como "consultor
responsável pela operação e manutenção do complexo mineradora da
Samarco" no Manual de Operação da Barragem de Fundão.
A VogBR diz ainda que não é a responsável pelo recuo na estrutura,
onde, segundo Ávila, havia uma trinca em 2014.
À PF Ávila disse que estranhava o fato de a VogBR ter atestado a
estabilidade de Fundão em julho sem considerar em seus relatórios os
piezômetros cuja instalação ele havia sugerido à Samarco.
A VogBR afirmou que fez o estudo dos dados e que os entregou ao
Ministério Público.
A reportagem não localizou Daviély Rodrigues Silva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário