Vuvuzela no Copom?
José Serra |
O diretor da área externa do Banco Central, Tony Volpon, na semana
passada, cometeu a grave bobagem de antecipar a analistas de mercado e à
imprensa seu voto na próxima reunião do Copom (Comitê de Política
Monetária), que começa nesta terça-feira (28.jul.2015).
"Eu, pessoalmente, vou votar para o aumento de juros até que a nossa
projeção esteja de uma maneira satisfatória apontando para o centro da
meta", disse após evento em São Paulo, segundo o jornal "Valor
Econômico". Esse vazamento subverte o rito de definição da taxa básica
de juros e deve ser condenado.
O Copom não é lugar para amantes da vuvuzela. Justificativas posteriores
baseadas em teorias arcanas ou "eu quis dizer outra coisa" não cabem.
No comitê, criado no governo Fernando Henrique Cardoso, a ideia é que
seus membros decidam seus votos com base na exposição técnica do estafe
do banco.
Os diretores devem entrar na reunião do Copom sem qualquer decisão —
isso garante, em tese, que o voto do colegiado será técnico, sem
influência prévia de mais ninguém. Não se trata de um formalismo. É uma
das formas de garantir a independência do órgão.
Ao alardear seu voto, o diretor põe a imprensa dentro da sala do Copom. E
se algum deles divergir publicamente do colega? Vão debater previamente
no Jornal Nacional?
Além disso, adiantar o voto mexe nos valores dos contratos de juros
futuros. Para os grandes operadores, isso pode significar ganhos
elevados. A ideia do Copom sempre foi a de evitar qualquer risco desse
tipo. No governo FHC era proibido discutir matéria do comitê antes da
reunião e, uma vez votada, era imediatamente divulgada pelo Sisbacen, o
sistema de informações do Banco Central. Ou seja, possibilidade zero de
vazamento.
O Senado é o órgão responsável pela aprovação dos diretores e pelo
acompanhamento da política monetária. Por isso pedirei que o Senado e a
Comissão de Assuntos Econômicos da Casa se pronunciem sobre o episódio e
sobre o mérito da decisão que o BC venha a tomar.
Como o diretor do banco alardeou, o resultado mais provável da reunião
do Copom será mais um aumento dos juros básicos da economia: 0,25 ou 0,5
ponto percentual. Se será uma ou se será outra é a chique controvérsia
do momento.
Tenho reparos a qualquer elevação agora da taxa Selic. Os quatro
principais fatores que costumam justificar a elevação dos juros hoje
estão ausentes: economia aquecida, inflação de demanda, estresse no
balanço de pagamentos e baixo diferencial de juros com o exterior.
Infelizmente, na atual quadra, é o contrário: 325 mil empregos formais
foram destruídos no trimestre abril/junho, reforçando a queda do PIB,
que vai atingir 2,5% neste ano.
A inflação continuou pressionada, sim, mas em razão da inevitável (e
saudável) desvalorização do real e do efeito da correção de tarifas e
preços administrados, que foram segurados na marra nos últimos anos. O
deficit externo em conta corrente vai baixar devido ao câmbio e à
retração da economia, sem contar que a distância entre os juros
brasileiros e externos já é abissal.
Pior ainda, cada novo aumento de um ponto da Selic eleva as despesas do
governo em R$ 15 bilhões (anualizados)! Meio ponto a mais custa R$ 7,5
bilhões. Um quarto, R$ 3,75 bilhões. Mixaria, pensaria o diretor do BC
que abriu seu voto.
A triste realidade é que, hoje, juros em alta deprimem ainda mais a
atividade econômica e a arrecadação. Do outro lado, aumentam as
despesas. Turbinam, assim, o deficit público e o desajuste da economia,
além de inibirem o investimento produtivo.
De fato, a política do Banco Central desestabiliza a relação dívida/PIB:
essa proporção chegará a dois terços no final do ano. Os custos da
dívida vão subir, isto é, a despesa de juros chegará a 8,5% do PIB — a
maior do mundo! — e o deficit público agregado (nominal) totalizará
8,35% do PIB no fim deste ano!
É esse o deficit que importa: não adianta o primário descer pela escada e o nominal subir pelo elevador.
Por fim, nem todos perdem com aumentos desnorteados dos juros básicos.
Há quase R$ 900 bilhões em operações compromissadas — dívida realizada
pelo Banco Central com o mercado financeiro para controlar a quantidade
de dinheiro da economia. Além de R$ 500 bilhões de dívida atrelada à
Selic. Todo esse passivo de prazo curtíssimo e custo enorme para o
Estado traz, sim, ganhos siderais para os que estão do outro lado, e são
pouquíssimos.
Os juros são instrumento poderoso de controle da inflação. Mas, se usados com inépcia, terminarão por quebrar o país.
JOSÉ SERRA é senador pelo PSDB-SP. Foi ministro da Saúde e do Planejamento e Orçamento (governo FHC), prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010)
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