Ministro do TCU — Vital do Rêgo — é acusado de receber dinheiro desviado
O ex-tesoureiro da Prefeitura de Campina Grande (PB) Rennan Trajano
Farias afirmou que, em 2010, fez entregas de dinheiro em espécie ao
então candidato ao Senado Vital do Rêgo (PMDB-PB), hoje ministro do TCU
(Tribunal de Contas da União).
O dinheiro foi desviado, segundo Farias, de um contrato de R$ 10,3
milhões entre a prefeitura e uma empreiteira que não executou os
serviços.
Farias, que gravou um vídeo com a acusação, disse que também fez
entregas ao irmão do ministro, o deputado federal Veneziano Vital do
Rêgo (PMDB-PB), e a firmas que atuavam nas campanhas da família.
Em 2010, o ministro do TCU disputou e ganhou uma vaga no Senado pelo
PMDB-PB. Veneziano era prefeito de Campina Grande. Eles negam as
acusações.
No TCU, Vital será um dos nove ministros a analisar as contas de 2014 da
presidente Dilma Rousseff. Ele é ligado ao presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL). A análise é vista pela oposição como possível via
para um processo de impeachment.
Farias foi uma importante peça das duas gestões de Veneziano (2005-2012)
em Campina Grande. Diretor financeiro da Secretaria de Finanças, era
responsável pelo fluxo de caixa do município.
Na segunda gestão, ele e Veneziano se distanciaram e romperam. Segundo
Farias, isso ocorreu porque os Vital do Rêgo deixaram de reconhecer as
dívidas que ele contraía com agiotas para financiar as campanhas do
grupo. O ex-tesoureiro disse que "perdeu tudo" para quitar os
compromissos e ainda deve cerca de R$ 1 milhão.
Farias disse que foi ameaçado de morte pelos agiotas e tentou se
suicidar, tendo sido salvo por um amigo. Passou a frequentar uma igreja
evangélica e decidiu que deveria tirar o "peso da consciência".
"Eu participei e eu também devo e mereço receber a minha sentença para
que eu possa, arrependido desses erros, buscar sair dessa prisão de
consciência", disse.
O ex-tesoureiro contou ter feito as entregas de dinheiro "diretamente no
apartamento" do hoje ministro do TCU, no bairro da Prata, em Campina
Grande: "[Eu] deixava lá o pacote, ou a caixa, ou a sacola, a caixa de
uísque [com dinheiro], depois ele fazia toda a repartição, a divisão, e
resolvia seus problemas de campanha", disse.
Farias afirma que assinou cheques no esquema e estima os desvios em em
pelo menos R$ 4 milhões. A reportagem obteve cópias de documentos que
comprovam as assinaturas dele no processo de liberação de verba da
prefeitura.
O esquema, disse, funcionou da seguinte forma: a prefeitura assinou
contrato com uma empreiteira chamada JGR, que previa genericamente obras
"em diversas ruas de diversos bairros" da cidade.
A JGR, diz, só tinha uma secretária e não realizou os serviços. Os
cheques da prefeitura eram repassados a outras firmas, Compecc e
Contérmica, sediadas em João Pessoa. Essas sacavam o dinheiro e
repassavam a Farias para ser entregue aos políticos da família Vital do
Rêgo.
Além dos desvios da prefeitura, Farias disse ter levantado cerca de R$
10 milhões junto a agiotas para as campanhas dos Vital do Rêgo. E falou
da existência de um "mensalinho" na Câmara Municipal de Campina Grande.
O ministro do TCU — Vital do Rêgo |
OUTRO LADO
Em nota, o ministro do TCU Vital do Rêgo negou ter recebido recursos do
ex-tesoureiro da Prefeitura de Campina Grande Rennan Trajano Farias e
disse que não tem "relações de qualquer natureza com as pessoas citadas
no referido e-mail" enviado pela reportagem com perguntas.
Vital do Rêgo afirmou ter interpelado judicialmente Farias em dezembro
de 2013, para que confirmasse ou negasse o que disse em um vídeo
divulgado por um blog da Paraíba na internet, no qual o ex-tesoureiro
promete revelar fatos comprometedores sobre Vital do Rêgo e seu irmão
Veneziano.
Em janeiro do ano seguinte, a representação foi arquivada por decisão
judicial "em razão da não apresentação de explicações por parte do
interpelado [Farias]".
Segundo o ministro do TCU, "fazer uso do foro competente não foi o
interesse deste conhecido cidadão [Farias], que esquivou de se
manifestar nos autos do referido processo de interpelação judicial.
Aliás, este comportamento soa como subterfúgio de um cidadão que é
notoriamente conhecido na Paraíba pela prática de atos reprováveis, como
a transferência de recursos públicos para a sua conta pessoal (matéria
veiculada pela mídia paraibana)".
Já Veneziano Rêgo (PMDB-PB) disse que as declarações de Farias são
"infâmias" e "delinquências verbais" sobre as quais "certamente não
faltam estímulos e subvenções".
"A obtenção de recursos financeiros em minhas campanhas eleitorais
sempre ocorreu conforme as regras legais, sendo as contas respectivas
devidamente aprovadas", escreveu o deputado.
Rennan Farias disse que não respondeu à interpelação de Vital do Rêgo,
em 2013, porque foi orientado pelo seu advogado, mas "em nenhum momento"
recuou das declarações.
Sobre o depósito em sua conta, Farias afirmou que houve um engano da
prefeitura e o valor foi devolvido no mesmo dia da operação.
O empresário Eduardo Ribeiro Victor, da empreiteira Compecc, negou
participação em irregularidades no contrato da JGR. "Não tenho nada a
ver com isso, não", disse.
Victor alegou que Farias "ligou para todo mundo pedindo dinheiro", caso contrário iria procurar a imprensa, o que Farias nega.
FORO
Farias também tomou duas medidas para, segundo ele, levar o Judiciário a
apurar o caso, além de aceitar fechar um acordo de delação premiada:
protocolou representação no Ministério Público da Paraíba e procurou o
Ministério Público Federal de Campina Grande, que repassou o assunto
para a PGR (Procuradoria Geral da República), em Brasília, pois Vital
tem foro privilegiado.
Em ambos os casos, Farias ainda não foi ouvido.
ENDEREÇOS FALSOS
Empresa acusada de desviar recursos para ministro tem endereços falsos
Na sede da empreiteira JGR registrada na Receita Federal funciona um
escritório de contabilidade que atende diversas outras firmas. A
empreiteira, porém, não tem funcionário ou maquinário lá.
A JGR, segundo Rennan Farias, foi usada para desviar recursos do
município à campanha ao Senado do atual ministro do TCU Vital do Rêgo.
A empreiteira recebeu R$ 10,3 milhões da prefeitura. Segundo o
escritório, os proprietários da JGR não são localizados há anos pelos
próprios contadores, que tentam receber uma dívida antiga.
Outro endereço indicado em documentos da prefeitura é uma sala
desativada há anos. Em outros dois endereços atribuídos à JGR estão um
ambulatório e outro escritório de contabilidade.
A reportagem tentou localizar em João Pessoa (PB) o homem que aparece
nos documentos como dono da JGR, o comerciante Gilson Gonçalves da
Silva. No endereço que ele apresentou à Junta Comercial como sua
residência há um salão de beleza. A dona afirmou que um Gilson Silva
trabalhou no local anos atrás, mas num quiosque que ficava na frente do
imóvel, vendendo salgadinhos.
A reportagem localizou o empresário Eduardo Victor, dono da Compecc,
firma que, segundo Rennan Farias, era destinatária dos cheques emitidos
pela prefeitura.
Eduardo Victor negou o repasse de dinheiro e que sua empresa controle a
JGR. Disse ter alugado "equipamentos" para a JGR. Segundo ele, Gilson
Silva foi funcionário da Compecc "por uns cinco anos". Victor diz ser
amigo do ministro Vital do Rêgo.
Os balanços contábeis da JGR mostram um lucro líquido de 95% da receita
total de 2009, ano em que fechou o contrato com a prefeitura. A empresa
informou ter recebido R$ 1,67 milhão (86% provenientes da prefeitura),
mas gastou apenas R$ 76 mil. O balanço de 2010 não está arquivado na
Junta Comercial.
Documentação obtida pela reportagem mostra que a JGR foi aberta, com
outra denominação, pelo mesmo servidor da Prefeitura de Campina Grande,
Roberto Carlos Cantalice de Medeiros, que posteriormente foi o
responsável, na Secretaria de Obras, por "todo o processo de empenho"
das obras denunciadas por Rennan Farias. Medeiros diz não ter feito
nenhum contrato com a prefeitura até vender sua parte na JGR, por volta
de 2007.
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