Em entrevista a jornal britânico, deputado brasileiro prevê aborto de bebê com tendências criminosas no futuro
O deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), relator do projeto de redução
da maioridade penal na Câmara, causou polêmica na quarta-feira,
22.jul.2015, após a repercussão nas redes sociais de uma entrevista
publicada no jornal britânico The Guardian na qual falou sobre a
possibilidade, no futuro, de detectar tendências criminosas em bebês
ainda durante a gestação e interromper a gravidez nesses casos.
Na reportagem, de 29 de junho, ele disse que “chegaremos a um estágio em
que será possível determinar se a criança no útero tem tendências
criminosas”. Ao confirmar essa hipótese ainda na gestação, segundo o
parlamentar, “a mãe não será autorizada a dar à luz”. As declarações
passaram a ser duramente criticadas nas redes sociais ao longo do dia.
O deputado federal Laerte Bessa (PR-DF) |
Após a repercussão, Bessa se manifestou por meio de nota e disse ter se
expressado mal na entrevista ao jornal. Ele lamentou que “uma frase mal
colocada possa estar sendo usada para diminuir um tema tão importante
para o futuro do Brasil”.
Em outro trecho da reportagem, Bessa elogiou a lei que reduz a
maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovada no início do mês pela
Câmara. “É uma boa lei, que vai diminuir a sensação de impunidade no
nosso País”, afirmou ao The Guardian.
O deputado acrescentou que defende a redução para os 16 anos e não vê
impedimento em reduzi-la futuramente para 14, caso os índices de
criminalidade entre menores continuem altos e estudos apontem que esse é
o caminho. “Bessa afirmou que é favorável à extinção da idade penal,
para que o autor de um determinado crime, tendo consciência dele,
responda à Justiça por seus atos. Algo que já acontece nas leis de
países como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo”, informa a
nota divulgada. O parlamentar afirma ainda que já havia se manifestado
diversas vezes contrariamente ao aborto.
A proposta de redução da maioridade penal para 16 anos foi aprovada pelos deputados após manobra do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - um dia antes, ela havia sido rejeitada pelos mesmos parlamentares. O texto ainda precisa passar por outra votação no plenário da Câmara para, então, seguir para o Senado, onde também será votado duas vezes. Parlamentares contrários à proposta recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a votação. A Corte, porém, negou o pedido. Caso a lei seja promulgada, outros questionamentos judiciais são possíveis.
Crítica
Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), o
bispo anglicano de São Paulo dom Flávio Irala, disse que a declaração de
Bessa representa um retrocesso e que a sociedade precisa pensar em
métodos para evitar julgamentos precipitados.
“Isso é lamentável. Cabe a todas as pessoas de boa vontade buscar
superar essas situações, trabalhar para construir uma sociedade justa e
não pensar no que a genética pode conquistar para matar crianças no
ventre das mães. Não se pode imaginar uma situação dessa, porque é uma
crueldade julgar alguém ainda dentro do ventre e sem direito à defesa.”
O bispo anglicano defende que seja lançado um olhar diferente sobre a
violência. “A violência que a sociedade está gerando é fruto dela mesma.
Temos de pensar na violência não só de crianças, mas principalmente a
oficial, contra crianças, jovens, negros e pessoas da periferia.” Ele
disse ainda que a sociedade precisa rever o modo de escolha de seus
representantes. “Temos de questionar se eles estão preocupados com o
avanço da sociedade na justiça, na fraternidade e na superação dos
problemas.”
Genética
A declaração de Bessa também foi criticada por especialistas em
genética. Professora titular de genética da Universidade de São Paulo
(USP), Lygia da Veiga Pereira afirma que não é correto associar traços
de personalidade e tendências agressivas exclusivamente aos genes.
“A gente tem de tomar cuidado em como interpretar o que está no genoma,
pois há certas doenças que já estão claramente escritas, como a
tendência a ter câncer de mama da atriz Angelina Jolie. Mas a maioria
das características é complexa. Os comportamentos têm influência do
ambiente em enorme escala. DNA não é uma bola de cristal. Essa é toda
uma fantasia vendida em filmes de ficção científica”, afirma a
especialista.
Lygia diz que o trabalho da genética é entender o funcionamento dos
genes e desenvolver métodos para resolver problemas. “A ideia de quem
está estudando os genes de agressividade é entender as vias metabólicas
não para eliminar as pessoas, mas para desenvolver fármacos que as
ajudem. A gente precisa de uma diversidade de funcionamentos de
comportamentos.”
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