quinta-feira, 23 de julho de 2015


Caixa-preta se torna marca registrada dos sindicatos
Governo se nega a fornecer informações de quanto é repassado de imposto sindical a entidades

Em tempos onde transparência é a palavra da moda, o universo dos sindicatos não parece seguir a tendência da estação. Quem quiser saber hoje quanto a entidade que o representa recebe de Contribuição Sindical (imposto decorrente de um dia de desconto do salário de todos os trabalhadores) terá muita dificuldade. Dos R$ 3,18 bilhões gerados no ano passado, por exemplo, a única informação repassada por órgãos oficiais é que R$ 173,2 milhões foram para as contas de cinco centrais. O Ministério do Trabalho e a Caixa Econômica Federal simplesmente se recusam a informar quanto cada um dos 10.620 sindicatos registrados recebe.
— A simples existência do Imposto Sindical já é uma aberração. Poucos países no mundo têm esse sistema, que representa um atraso. Isso já deveria ter sido extinto e seria bom para os sindicatos, que precisariam ser mais representativos e eficientes. Mas algo ainda pior é a Caixa se negar a informar esses dados, pois é um recursos retirado diretamente dos trabalhadores. Se existir uma justificativa legal, ela é totalmente imoral — comenta Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.


O Ministério do Trabalho afirmou que, por causa da liberdade sindical, não fiscaliza o balanço das organizações sindicais. Em nota, a pasta informou que, como são entidades privadas, têm diversas fontes de financiamento, não apenas essa contribuição, e que a Constituição determina que elas não sejam fiscalizadas pelo Executivo.
A Caixa, responsável por arrecadar e distribuir a Contribuição Sindical, nega-se a passar as informações sobre quanto cada sindicato recebeu. O banco estatal informou em nota que esses valores “são protegidos pelo sigilo bancário, já que os dados não são públicos, tendo em vista que as entidades sindicais não são órgãos públicos. Dessa forma, entende-se que as informações solicitadas só poderão ser fornecidas pelas próprias entidades arrecadadoras do referido tributo”, informou o banco.
A falta de informação já chamou inclusive a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU), que faz fiscalizações esporádicas relacionadas a sindicatos. Em voto do ano passado, o órgão critica a pouca transparência, ressaltando que trata-se de dinheiro público. “Conclui-se, de qualquer forma, ser a contribuição (sindical) recurso de caráter público, porquanto oriundo da tributação, isto é, compulsoriamente exigida à sociedade. Vale acrescentar que o fato de os recursos serem recolhidos à Caixa Econômica Federal e, só depois, repassados aos sindicatos não lhes modifica a natureza”.
O tema também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em voto de março do ano passado, na análise de um mandado de segurança questionando o poder de fiscalização do TCU, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou: “Precisa-se diferenciar o regime de autonomia administrativa dos sindicatos e a incidência de regras de controle sobre as atividades desempenhadas por entes públicos e privados. Afirmar simplesmente que a autonomia tem o condão de impedir o exercício de funções fiscalizatórias do Poder Público consubstancia argumento que, se for levado às últimas consequências, revela-se inaceitável”. O magistrado completa: “Autonomia sindical não é salvo-conduto, mas prerrogativa direcionada a certa finalidade: a plena e efetiva representação das classes empregadora e empregada”.
Outro órgão que já se manifestou pela obrigatoriedade de divulgação dos dados sobre os repasses da contribuição aos sindicatos foi a Controladoria Geral da União (CGU). Este ano, a CGU interveio junto ao Ministério do Trabalho para tentar fazer cumprir um pedido feito por um cidadão, com base na Lei de Acesso à Informação. Até agora, porém, ainda não houve resposta satisfatória no envio dos números relativos ao período entre 2009 e 2013.
Gastos sem comprovação — Se os dados dos repasses da contribuição sindical não chegam ao trabalhador, em casos de suspeita de desvio de verbas, os próprios sindicalistas penam para conseguir chegar no tamanho exato do prejuízo.
Ministério: não cabe fiscalização — O secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, Messias Melo, afirmou que há pouco tempo a pasta começou a ter mais instrumentos para cobrar mais dados de entidades sindicais: em meados do ano passado foi aprovada uma norma que suspende o repasse de verbas a entidades que não informarem a situação de seus dirigentes. Ele lembra, contudo, que isso é apenas um registro, pois não cabe ao ministério fiscalizar a vida das entidades sindicais, pois a Constituição de 1988 definiu a Liberdade Sindical como um princípio:
— Já notificamos todos os sindicatos que não nos forneciam informações há mais de cinco anos e agora estamos concluindo esse processo com sindicatos sem informação há quatro anos — conta.
Carlos Henrique Jund, do escritório Jund Advogados Associados, que atua há mais de 20 anos com ações na área sindical e de associações, afirma que a falta de transparência levou a uma crise de representatividade dos sindicatos:
— Vemos cada vez mais sindicatos esvaziados, apenas negociando os acordos coletivos, por força de lei, e associações de diversas categorias, de fato, discutindo a realidade dos trabalhadores — diz ele, lembrando que as associações usam muito menos recursos que os sindicatos.


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