Caixa-preta se torna marca registrada dos sindicatos
Governo se nega a fornecer informações de quanto é repassado de imposto sindical a entidades
Em tempos onde transparência é a palavra da moda, o universo dos
sindicatos não parece seguir a tendência da estação. Quem quiser saber
hoje quanto a entidade que o representa recebe de Contribuição Sindical
(imposto decorrente de um dia de desconto do salário de todos os
trabalhadores) terá muita dificuldade. Dos R$ 3,18 bilhões gerados no
ano passado, por exemplo, a única informação repassada por órgãos
oficiais é que R$ 173,2 milhões foram para as contas de cinco centrais. O
Ministério do Trabalho e a Caixa Econômica Federal simplesmente se
recusam a informar quanto cada um dos 10.620 sindicatos registrados
recebe.
— A simples existência do Imposto Sindical já é uma aberração. Poucos
países no mundo têm esse sistema, que representa um atraso. Isso já
deveria ter sido extinto e seria bom para os sindicatos, que precisariam
ser mais representativos e eficientes. Mas algo ainda pior é a Caixa se
negar a informar esses dados, pois é um recursos retirado diretamente
dos trabalhadores. Se existir uma justificativa legal, ela é totalmente
imoral — comenta Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas
Abertas.
O Ministério do Trabalho afirmou que, por causa da liberdade sindical,
não fiscaliza o balanço das organizações sindicais. Em nota, a pasta
informou que, como são entidades privadas, têm diversas fontes de
financiamento, não apenas essa contribuição, e que a Constituição
determina que elas não sejam fiscalizadas pelo Executivo.
A Caixa, responsável por arrecadar e distribuir a Contribuição Sindical,
nega-se a passar as informações sobre quanto cada sindicato recebeu. O
banco estatal informou em nota que esses valores “são protegidos pelo
sigilo bancário, já que os dados não são públicos, tendo em vista que as
entidades sindicais não são órgãos públicos. Dessa forma, entende-se
que as informações solicitadas só poderão ser fornecidas pelas próprias
entidades arrecadadoras do referido tributo”, informou o banco.
A falta de informação já chamou inclusive a atenção do Tribunal de
Contas da União (TCU), que faz fiscalizações esporádicas relacionadas a
sindicatos. Em voto do ano passado, o órgão critica a pouca
transparência, ressaltando que trata-se de dinheiro público.
“Conclui-se, de qualquer forma, ser a contribuição (sindical) recurso de
caráter público, porquanto oriundo da tributação, isto é,
compulsoriamente exigida à sociedade. Vale acrescentar que o fato de os
recursos serem recolhidos à Caixa Econômica Federal e, só depois,
repassados aos sindicatos não lhes modifica a natureza”.
O tema também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em voto de março
do ano passado, na análise de um mandado de segurança questionando o
poder de fiscalização do TCU, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou:
“Precisa-se diferenciar o regime de autonomia administrativa dos
sindicatos e a incidência de regras de controle sobre as atividades
desempenhadas por entes públicos e privados. Afirmar simplesmente que a
autonomia tem o condão de impedir o exercício de funções fiscalizatórias
do Poder Público consubstancia argumento que, se for levado às últimas
consequências, revela-se inaceitável”. O magistrado completa: “Autonomia
sindical não é salvo-conduto, mas prerrogativa direcionada a certa
finalidade: a plena e efetiva representação das classes empregadora e
empregada”.
Outro órgão que já se manifestou pela obrigatoriedade de divulgação dos
dados sobre os repasses da contribuição aos sindicatos foi a
Controladoria Geral da União (CGU). Este ano, a CGU interveio junto ao
Ministério do Trabalho para tentar fazer cumprir um pedido feito por um
cidadão, com base na Lei de Acesso à Informação. Até agora, porém, ainda
não houve resposta satisfatória no envio dos números relativos ao
período entre 2009 e 2013.
Gastos sem comprovação — Se os dados dos repasses da contribuição
sindical não chegam ao trabalhador, em casos de suspeita de desvio de
verbas, os próprios sindicalistas penam para conseguir chegar no tamanho
exato do prejuízo.
Ministério: não cabe fiscalização — O secretário de Relações do Trabalho
do Ministério do Trabalho, Messias Melo, afirmou que há pouco tempo a
pasta começou a ter mais instrumentos para cobrar mais dados de
entidades sindicais: em meados do ano passado foi aprovada uma norma que
suspende o repasse de verbas a entidades que não informarem a situação
de seus dirigentes. Ele lembra, contudo, que isso é apenas um registro,
pois não cabe ao ministério fiscalizar a vida das entidades sindicais,
pois a Constituição de 1988 definiu a Liberdade Sindical como um
princípio:
— Já notificamos todos os sindicatos que não nos forneciam informações
há mais de cinco anos e agora estamos concluindo esse processo com
sindicatos sem informação há quatro anos — conta.
Carlos Henrique Jund, do escritório Jund Advogados Associados, que atua
há mais de 20 anos com ações na área sindical e de associações, afirma
que a falta de transparência levou a uma crise de representatividade dos
sindicatos:
— Vemos cada vez mais sindicatos esvaziados, apenas negociando os
acordos coletivos, por força de lei, e associações de diversas
categorias, de fato, discutindo a realidade dos trabalhadores — diz ele,
lembrando que as associações usam muito menos recursos que os
sindicatos.
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