terça-feira, 28 de julho de 2015


Mensagens cifradas de Marcelo Odebrecht — o que falta explicar ? 

Dora Cavalcanti, advogada de Marcelo Odebrecht, ao tentar rechaçar — na sexta-feira, 24.jul.2015, em entrevista coletiva — as interpretações que a Polícia Federal (PF) fez das anotações do seu cliente nos oito celulares que possuía (repita-se: Marcelo usava oito celulares), afirmou que “Vaca 2,2 milhões?” referia-se a uma nota publicada pelo jornalista Lauro Jardim.
O jornalista, em 1º de junho de 2013, publicou uma informação sobre a compra feita por Maurício Odebrecht, irmão de Marcelo, de uma vaca nelore por um valor inusitado de 2,2 milhões de reais (leia a nota aqui). Marcelo poderia estar, de fato, interessado em detalhes sobre o leilão, como disse Dora.
O problema é que agora cabe à advogada da Odebrecht explicar as referências a um certo Vaca que constam das anotações de Marcelo — e que nada têm a ver com o animal (citações, aliás, próximas de outras em que ele fala de “Vaccari” e “Vaccarezza”). Nas explicações que deu na sexta-feira (24.jul.2015), além das obviedades que faltaram explicar, Dora Cavalcanti, costumeiramente tão atenta aos detalhes, como todo advogado, relevou um outro ponto fundamental que joga por terra sua defesa.
De acordo com o relatório da PF, a mensagem de Marcelo Odebrecht foi escrita no dia 16 de janeiro de 2013, quase seis meses antes do leilão em que o seu irmão arrematou a vaca nelore — e portanto, também, da nota publicada pelo jornalista Lauro Jardim.
Como Marcelo conseguiu prever o resultado de um leilão com essa antecedência? Independentemente de suas qualidades como homem de visão empresarial, é uma previsão impossível de ser feita.
Chama a atenção que entre mais de 500 anotações de Marcelo Odebrecht — a defesa tente apontar apenas um erro de interpretação dos agentes da PF.
Mais: por que a advogada da Odebrecht nem sequer supôs que a sigla "L J" poderia ser de Leonel Jardim, executivo da Odebrecht que já atuou no braço agropecuário do grupo?

Dora Cavalcanti

Se fazendo de surdo
Em documento encaminhado à Justiça Federal os advogados do presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, não ofereceram explicações sobre conteúdo da maior parte das anotações encontradas no telefone celular do empresário e acusaram o juiz Sergio Moro de fazer "ouvidos de mercador" [se fazer de surdo] aos argumentos da defesa.
Na semana passada, Moro intimou a defesa a explicar as expressões "trabalhar para para/anular (dissidentes PF...)", uma suposta alusão ao uso de policiais para tumultuar as investigações, e "higienizar apetrechos MF e RA", referência do empresário a dois executivos do grupo sob investigação e que sugeriria, segundo o juiz, a destruição de provas.
Os advogados dizem que o juiz não esperou os esclarecimentos para declarar nova prisão preventiva de Odebrecht com base nas anotações.
"Escancarado, desse modo, que a busca da verdade não era nem de longe a finalidade da intimação, a defesa não tem motivos para esclarecer palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou. Inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador", afirma o documento assinado pelos advogados Dora Cavalcanti, Augusto Arruda Botelho e Rafael Tucherman.
Marcelo Odebrecht e outros quatro executivos do grupo foram presos no dia 19 de junho. Na semana passada, ele foi denunciado pela Procuradoria sob acusação de liderar uma organização que pagou propina a executivos da Petrobras, no Brasil e no exterior, para obter contratos de R$ 13,1 bilhões de grandes obras da estatal.
A acusação também abrange o suposto pagamento de suborno para a compra de nafta da Petrobras pela Braskem (petroquímica do mesmo grupo) por preços abaixo dos praticados no mercado.
A Procuradoria-Geral da República também apura, em inquéritos sobre políticos com foro privilegiado, se a Odebrecht, quinto maior conglomerado privado do país, foi fonte de pagamentos ilegais.
A defesa também acusou o Ministério Público Federal de perseguir Marcelo Odebrecht, responsabilizando por fatos relacionados a outros executivos do grupo, e atacou a Polícia Federal por adotar a tática de "atirar primeiro e perguntar depois".
Segundo os advogados, a PF deveria ter pedido informações sobre o significado das anotações ao executivo em vez de ter "cravado significados que gostaria que certos termos e siglas tivessem".
Nas anotações do celular, a análise da PF relacionou as iniciais L J à "Lava Jato" e a expressão "ações B" a um plano para tentar atrapalhar as investigações.
Conforme a petição apresentada pela defesa, "ações B" referem-se à auditoria interna da Braskem (petroquímica do grupo Odebrecht) noticiadas pelo colunista Lauro Jardim, o "L J".
"O peticionário deplora, isso sim, o rematado absurdo de se considerar anotações pessoais a si mesmo dirigidas, meras manifestações unilaterais de seu pensamento, como atos efetivamente executados ou ordens de fato passadas", afirma a defesa.
Nas anotações também havia "Vazar doação campanha. Nova nota minha mídia? GA, FP, AM, MT, Lula? ECunha?" — o que, para o juiz Sergio Moro, poderia ser uma tentativa de constranger beneficiários de doações eleitorais.
Seriam, segundo a PF, referências aos governadores Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Fernando Pimentel (PT-MG), ao vice-presidente Michel Temer (PMDB), ao ex-presidente Lula e ao deputado Eduardo Cunha. Esse conjunto de anotações não foi explicado pelos advogados de Marcelo Odebrecht.

A defesa chamou de "reality show judiciário" a publicidade da investigação, que permitiu que fossem expostas informações comerciais sensíveis da Odebrecht e mensagens particulares trocadas entre familiares de Odebrecht, sem relação com a investigação.
Algumas das notas diziam respeito a negociações da Odebrecht, com organismos financeiros internacionais, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Em outro inquérito que também apura a conduta dos executivos da companhia, a Odebrecht S.A. alegou que negociações privadas estavam sendo indevidamente vazadas e protocolou um pedido para que fosse decretado segredo de justiça nos autos.

Procurada, a assessoria da Justiça Federal do Paraná afirmou que o juiz Sergio Moro só vai se manifestar nos autos.


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