Missa do Vaqueiro atrai multidão com rapadura e Pai-Nosso próprio
Tradicional cerimônia, no sertão de Pernambuco, completa 45 anos
Sob o sol e a poeira do sertão de Pernambuco, uma procissão de
sertanejos a cavalo chega ao Sítio das Lages para participar de mais uma
Missa do Vaqueiro, celebrada por um padre de batina e chapéu de couro. A
tradição acontece no município de Serrita, a 535 km do Recife, no
sertão de Pernambuco.
Enquanto os vaqueiros se acomodam na arena em forma de ferradura, um
coral entoa no altar uma sequência de aboios — as cantigas de
boiadeiros. No domingo (26..jul.2015), a cerimônia completa 45 anos. O
evento cresceu e hoje atrai, segundo a organização, cerca de 70 mil
pessoas (quase 1.500 deles vaqueiros) de vários Estados para os três
dias de festival, com disputas de pega-de-boi, vaquejada e feira de
artesanato.
Luiz Gonzaga, o rei do baião |
A missa foi rezada pela primeira vez em 1971, em homenagem ao vaqueiro
Raimundo Jacó, assassinado em 1954. Conta a lenda do sertão que ele foi
morto pelo amigo Miguel Lopes, por inveja, quando resgatou uma novilha
sumida no mato. O caso nunca foi esclarecido pela polícia.
Jacó era primo de Luiz Gonzaga, o rei do baião, que em sua homenagem
compôs "A Morte do Vaqueiro" e, com o padre João Câncio, organizou a
primeira missa, a céu aberto no meio da caatinga.
"Eles decidiram celebrar a missa em protesto contra as impunidades. Em
terra de coronel, era comum o mais forte prevalecer", conta Helena
Câncio, viúva do padre e atual organizadora do evento — o casamento
afastou João Câncio da batina em 1980.
"Onde tinha um boi perdido, ele [Jacó] ia montado ou em pé, levava o
cachorro, o chocalho, a corda de laçar, entrava na caatinga e só voltava
com o boi amarrado", afirma o repentista Pedro Bandeira no filme "Missa
do Vaqueiro", de Wagner Indaiá.
Luiz Gonzaga, na tradicional cerimônia |
Reconhecido na região como um encantador da boiada, Jacó passou a
representar a bravura do sertanejo diante das dificuldades do sertão.
Como oferendas, os vaqueiros deixam botas, chapéu, chicote e as outras
15 peças que formam o traje. Comungam com queijo, rapadura e farinha de
mandioca. A liturgia segue as "Rezas do Sol", conjunto de mensagens,
orações e canções compostas por Janduhy Finizola que expressam a
religiosidade do nordestino.
Os vaqueiros acompanham as duas horas de cerimônia em seus cavalos e rezam em coro:
"Pai nosso que estais nos céus do sertão
santificado quem sobre este chão
sertanejo faz oração
é sofrido e vivido de solidão
nas quebradas nos tabuleiros
só pensa que a vida está sem razão".
Neste ano, o governo de Pernambuco, que patrocina a cerimônia, reduziu
em 30% o orçamento, que ficou em R$ 500 mil. Segundo a organização, a
festa deixou de ser uma atração nacional, mas manteve toda a tradição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário