Golpe é tergiversar sobre pixulecos e pedaladas
Josias de Souza |
Danem-se os pixulecos e as pedaladas. Sob Lula, estruturou-se na
Petrobras uma organização criminosa de funcionários corruptos e
empreiteiros corruptores. De acordo com a penúltima soma da Polícia
Federal, roubaram-se pelo menos R$ 19 bilhões. Presidia o Conselho de
Administração da estatal Dilma Rousseff. Chefe do cartel da pilhagem, o
empreiteiro-companheiro Ricardo Pessoa, agora delator, contou à
Procuradoria que um pedaço do butim foi convertido num pixuleco de R$
7,5 milhões, borrifado em 2014 nas arcas da campanha de Dilma, agora
presidente do Brasil.
Diante do descalabro, o PT justificou-se trombeteando que a doação foi
legal e consta da prestação de contas entregue ao TSE. Dilma disse que
não respeita delator e que a campanha do rival Aécio Neves recebeu
verbas da mesma fonte. “O meu é propina e o dele não?”. Usado como
lavanderia, o TSE investiga o caso. Tomará o depoimento do delator na
semana que vem. E dará um veredicto no segundo semestre. Dilma e o PT
acham que quem fala sobre esse tema em voz alta é golpista. Sustentam
que está tudo bem explicado.
Corta para o Tesouro Nacional. Ao varejar a contabilidade do governo
Dilma referente a 2014, auditores do TCU encontraram uma soma de
irregularidades equivalente ao número que identifica o PT: 13. Depois de
passar o ano pedalando uma bicicleta sem rodas e fazenda mandracarias
fiscais, o Planalto premiou seus aliados com verbas e cargos para que
aprovassem no Congresso uma lei desobrigo o governo de cumprir a meta de
superávit que se autoimpusera. Uma economia de R$ 116 bilhões virou uma
mixaria de R$ 10,1 bilhões. Convidada a se explicar, Dilma entregará
sua defesa até o próximo dia 21. E o TCU dirá se as contas estão mesmo
em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Espremida, Dilma diz que a resposta do governo será “circunstanciada,
item a item.” Por via das dúvidas, a Fazenda acomoda todas as culpas
sobre os ombros de um alquimista que já deixou o governo, o
ex-secretário Arno Algustin. Com esse biombo, insinua-se que a
ex-gerentona, de novo, não sabia de nada. De resto, Dilma afirma que FHC
também pedalou. Está tudo muito claro. Só não vê quem é cego ou
golpista.
O comportamento imperial do petismo e de Dilma —“Eu não vou cair, eu não
vou cair, eu não vou…”— revelam um fenômeno desalentador: mesmo
situadas no “volume morto”, as forças que governam o país acham que não
devem nada a ninguém. Muito menos explicações. Fogem dos próprios
problemas exilando-se em algum lugar do Brasil pré-1964. Um país em que
certos políticos, quando queriam revogar resultados eleitorais, armavam
uma cena de histeria e acionavam a linha direta que os ligava aos
quartéis.
Há nessa tentativa de fugir da realidade um quê de ridículo. A presença
de Dilma no Planalto é a principal evidência de que a conexão da
política com a caserna caiu em desuso. Se alguma dúvida houvesse, ela
teria sido fulminada em 1º de janeiro de 2011, quando a ex-guerrilheira,
ex-presa política e ex-torturada assumiu a Presidência pela primeira
vez, no lugar do ex-operário.
Desde que se reencontrou com a democracia, o brasileiro convive com duas
formas de governo. Ambas são civis. A diferença é que uma forma é ruim e
a outra é muito pior. A despeito desse inconveniente, não há como
apagar o fato de que o Brasil respira ares democráticos.
Na oposição, o PT vivia tentando atear fogo no cenário político. O “Fora
FHC”, por exemplo, foi às ruas nas faixas da CUT. Chegou ao Legislativo
nos discursos de congressistas do partido de Lula. E fez escala no
jornal num artigo em que o ideólogo petista Tarso Genro pregou o
impeachment do presidente tucano. Hoje, depois de tanto banalizar a
retórica golpista e flertar com a ruptura institucional, o ex-PT enxerga
fantasmas onde só há tribunais tentando fazer cumprir as leis e
oposicionistas fazendo o que se espera que façam: se opondo.
A Dilma cabe, por ora, se explicar. Se for convincente, o TCU atesta a
correção das contas de 2014 e o Congresso fica impedido de abrir contra
ela um processo de impeachment por crise de responsabilidade. Mantendo o
mesmo padrão de convencimento, o TSE aprova a contabilidade de sua
campanha e se abstém de cassar-lhe o mandato.
Nesse jogo, todo mundo tem o direito de preferir Dilma, sonhar com Aécio
ou torcer por quem quer que seja. Apenas duas coisas não são
admissíveis: manipular as leis para derrubar presidentes ou permanecer
na Presidência violando as leis. Enquanto o parâmetro for o respeito às
leis e à Constituição, haverá normalidade democrática, não golpismo. A
verdadeira tentativa de golpe é a desconversa. Uma democracia genuína
não pode conviver com dúvidas sobre pixulecos e pedaladas.
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