quarta-feira, 8 de julho de 2015


Golpe é tergiversar sobre pixulecos e pedaladas

Josias de Souza
Danem-se os pixulecos e as pedaladas. Sob Lula, estruturou-se na Petrobras uma organização criminosa de funcionários corruptos e empreiteiros corruptores. De acordo com a penúltima soma da Polícia Federal, roubaram-se pelo menos R$ 19 bilhões. Presidia o Conselho de Administração da estatal Dilma Rousseff. Chefe do cartel da pilhagem, o empreiteiro-companheiro Ricardo Pessoa, agora delator, contou à Procuradoria que um pedaço do butim foi convertido num pixuleco de R$ 7,5 milhões, borrifado em 2014 nas arcas da campanha de Dilma, agora presidente do Brasil.
Diante do descalabro, o PT justificou-se trombeteando que a doação foi legal e consta da prestação de contas entregue ao TSE. Dilma disse que não respeita delator e que a campanha do rival Aécio Neves recebeu verbas da mesma fonte. “O meu é propina e o dele não?”. Usado como lavanderia, o TSE investiga o caso. Tomará o depoimento do delator na semana que vem. E dará um veredicto no segundo semestre. Dilma e o PT acham que quem fala sobre esse tema em voz alta é golpista. Sustentam que está tudo bem explicado.
Corta para o Tesouro Nacional. Ao varejar a contabilidade do governo Dilma referente a 2014, auditores do TCU encontraram uma soma de irregularidades equivalente ao número que identifica o PT: 13. Depois de passar o ano pedalando uma bicicleta sem rodas e fazenda mandracarias fiscais, o Planalto premiou seus aliados com verbas e cargos para que aprovassem no Congresso uma lei desobrigo o governo de cumprir a meta de superávit que se autoimpusera. Uma economia de R$ 116 bilhões virou uma mixaria de R$ 10,1 bilhões. Convidada a se explicar, Dilma entregará sua defesa até o próximo dia 21. E o TCU dirá se as contas estão mesmo em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Espremida, Dilma diz que a resposta do governo será “circunstanciada, item a item.” Por via das dúvidas, a Fazenda acomoda todas as culpas sobre os ombros de um alquimista que já deixou o governo, o ex-secretário Arno Algustin. Com esse biombo, insinua-se que a ex-gerentona, de novo, não sabia de nada. De resto, Dilma afirma que FHC também pedalou. Está tudo muito claro. Só não vê quem é cego ou golpista.
O comportamento imperial do petismo e de Dilma —“Eu não vou cair, eu não vou cair, eu não vou…”— revelam um fenômeno desalentador: mesmo situadas no “volume morto”, as forças que governam o país acham que não devem nada a ninguém. Muito menos explicações. Fogem dos próprios problemas exilando-se em algum lugar do Brasil pré-1964. Um país em que certos políticos, quando queriam revogar resultados eleitorais, armavam uma cena de histeria e acionavam a linha direta que os ligava aos quartéis.
Há nessa tentativa de fugir da realidade um quê de ridículo. A presença de Dilma no Planalto é a principal evidência de que a conexão da política com a caserna caiu em desuso. Se alguma dúvida houvesse, ela teria sido fulminada em 1º de janeiro de 2011, quando a ex-guerrilheira, ex-presa política e ex-torturada assumiu a Presidência pela primeira vez, no lugar do ex-operário.
Desde que se reencontrou com a democracia, o brasileiro convive com duas formas de governo. Ambas são civis. A diferença é que uma forma é ruim e a outra é muito pior. A despeito desse inconveniente, não há como apagar o fato de que o Brasil respira ares democráticos.
Na oposição, o PT vivia tentando atear fogo no cenário político. O “Fora FHC”, por exemplo, foi às ruas nas faixas da CUT. Chegou ao Legislativo nos discursos de congressistas do partido de Lula. E fez escala no jornal num artigo em que o ideólogo petista Tarso Genro pregou o impeachment do presidente tucano. Hoje, depois de tanto banalizar a retórica golpista e flertar com a ruptura institucional, o ex-PT enxerga fantasmas onde só há tribunais tentando fazer cumprir as leis e oposicionistas fazendo o que se espera que façam: se opondo.
A Dilma cabe, por ora, se explicar. Se for convincente, o TCU atesta a correção das contas de 2014 e o Congresso fica impedido de abrir contra ela um processo de impeachment por crise de responsabilidade. Mantendo o mesmo padrão de convencimento, o TSE aprova a contabilidade de sua campanha e se abstém de cassar-lhe o mandato.
Nesse jogo, todo mundo tem o direito de preferir Dilma, sonhar com Aécio ou torcer por quem quer que seja. Apenas duas coisas não são admissíveis: manipular as leis para derrubar presidentes ou permanecer na Presidência violando as leis. Enquanto o parâmetro for o respeito às leis e à Constituição, haverá normalidade democrática, não golpismo. A verdadeira tentativa de golpe é a desconversa. Uma democracia genuína não pode conviver com dúvidas sobre pixulecos e pedaladas.


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