sexta-feira, 10 de julho de 2015


E-mails mostram poder da Odebrecht na Petrobras — mensagens têm indícios de acesso a informações sigilosas da estatal

Sede da Odebrecht na Zona Oeste de São Paulo

A análise de documentos em poder da Polícia Federal, que integram um dos inquéritos da Operação Lava-Jato que investigam a construtora Odebrecht, comprova declarações de delatores de que a maior empreiteira do país tinha acesso a informações privilegiadas da Petrobras e o poder de influenciar licitações da estatal. É o que mostra cruzamento feito entre e-mails trocados por diretores da empreiteira, apreendidos na investigação, e contratos de uma das principais obras da estatal no país: a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
A influência de executivos da Odebrecht em uma das licitações da refinaria culminou num “teatro”, nas palavras de um dos diretores grampeados, para que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva posasse entre tratores e colhesse dividendos políticos com a obra.
Em pelo menos duas mensagens de 2007, Rogério Araújo, então diretor da Odebrecht, hoje preso da Lava-Jato, traça uma estratégia para a participação da empreiteira na licitação para as obras de terraplanagem de Abreu e Lima, a partir de informações que teria obtido na estatal sobre o “orçamento interno” do projeto. A comparação dos e-mails com a cronologia da contratação do serviço revela que, naquele momento, o “orçamento interno” era uma informação confidencial da Petrobras, cuja obtenção permitiria às concorrentes fraudar a licitação.
A concorrência para as obras de terraplanagem do terreno onde foi instalada a refinaria foi aprovada pela diretoria da Petrobras no dia 3 de maio de 2007, de acordo com documentos internos. No dia 10 de maio, a companhia convidou dez participantes. Pouco mais de um mês depois, no dia 18 de junho, Araújo enviou um e-mail para outros dois executivos da empreiteira relatando saber que o “orçamento interno” da Petrobras ficaria entre R$ 150 milhões e R$ 180 milhões, cifra que ele diz “que obviamente não dá”, por considerar muito abaixo da remuneração obtida no mercado para empresas por obras semelhantes.
Segundo a reprodução das mensagens no relatório da PF, Rogério Araújo indica que queria mais do que o dobro. Ele avisa que falou com “interlocutores” e que “Engenharia” (uma provável referência à Diretoria de Serviços e Engenharia, de Renato Duque, também preso na Lava-Jato) já trabalhava na revisão do orçamento, como queria a Odebrecht. “A revisão do orçamento vai indicar um novo número, acima dos indicados acima”, antecipa. No texto, o diretor da empreiteira ainda registra que o valor só seria público na abertura das propostas, que aconteceria quatro dias depois.
No dia 22 de junho, a Petrobras recebeu seis propostas. A menor foi justamente a do consórcio liderado pela Odebrecht (com Camargo Corrêa, Galvão Engenharia e Queiroz Galvão, todas investigadas na Lava-Jato), de R$ 433,5 milhões. Segundo documento da diretoria da Petrobras, que aprovou a contratação do consórcio em 12 de julho de 2007, o valor ficou apenas 5,32% abaixo do novo “orçamento interno” da estatal. Araújo, ao que parece, logrou êxito: o valor estimado pela estatal, revelado quatro dias depois da troca de mensagens na Odebrecht, foi maior do que o dobro dos R$ 180 milhões que ele citou.

O TEATRO DA REFINARIA
Cruzamento de e-mails do então diretor da Odebrecht, Rogério Araújo, preso na Lava-Jato, com a cronologia da contratação dos serviços de terraplanagem de Abreu e Lima, em 2007, indicam que a empreiteira tinha acesso a dados privilegiados da Petrobras e influenciavam decisões da estatal.

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"TEATRO PARA LULA"
O fácil acesso a informações da Petrobras fica claro em outro e-mail de Araújo, sobre uma cerimônia simbólica do início do contrato no terreno onde seria construída a refinaria, em Pernambuco, com a presença do então presidente Lula. Araújo explica que a assinatura do contrato se daria no Rio, mas que seria preciso criar um cenário de obra em andamento para Lula, no Recife, em meio a tratores e máquinas. “Vai haver uma solenidade no Recife, no dia 16 de agosto, para dar início aos serviços de terraplenagem, com a presença do presidente Lula. Neste dia, teremos que ter alguns equipamentos já mobilizados, para fazer parte do ‘teatro’!”
A cena montada pela Odebrecht atrasou 19 dias. No dia 4 de setembro, Lula discursou sob intensa chuva no palanque montado pela construtora ao lado do então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. Animado pelo gigantismo da refinaria, Lula comparou o empreendimento à construção da Muralha da China. “Temos uma verdadeira muralha da China para construir e vamos construir”, prometeu.
A Refinaria Abreu e Lima só iniciou operação em 2014 e custou pelo menos sete vezes o valor orçado inicialmente pela estatal. Laudo da PF sobre o contrato de terraplanagem detectou um sobrepreço de R$ 106,1 milhões no contrato de compactação de aterro. Só o custo do metro cúbico compactado de solo pulou de R$ 2,70 para R$ 6,37 sem justificativa plausível.
O relatório da PF tem outras trocas de mensagens com indícios de que a influência da Odebrecht alcançava até negócios da Petrobras no exterior. Em um e-mail de 2008, Araújo cita a intervenção do então diretor Internacional da Petrobras Jorge Zelada (preso na semana passada) e de Ricardo Abi-Ramia, que foi gerente executivo de Desenvolvimento de Negócios da área Internacional para falar com Hércules Ferreira da Silva, ex-gerente da Petrobras Angola. No fim daquele ano, a empreiteira foi contratada para fazer o acesso à refinaria Sonaref, na cidade de Lobito, em Angola.

Em cena. O então presidente Lula pisa na lama para iniciar obras de terraplanagem de refinaria no PE:
segundo e-mail de diretor da Odebrecht, evento em 2007 era “teatro”

O OUTRO LADO
— Odebrecht nega prática irregular em licitações —
Procurada pela reportagem para comentar o teor das mensagens trocadas por Rogério Araújo, um de seus executivos preso na Operação Lava-Jato, a Odebrecht negou irregularidades no seu relacionamento com a Petrobras ou na participação em licitações da estatal. A empreiteira afirmou, em nota, lamentar que e-mails em poder da Polícia Federal desde novembro venham a público fora de contexto.
“A Odebrecht relaciona-se com a Petrobras há muitos anos, como fornecedora, cliente e sócia. Este relacionamento, como todos os demais da Odebrecht, ocorre rigorosamente dentro da lei, com ética e transparência. Todos os contratos de prestação de serviços conquistados com a Petrobras ocorreram de acordo com a legislação aplicável”, diz a nota.
— Petrobras apura suspeitas em concorrência por convite, que, segundo delatores, ajudou cartel —
A Petrobras informou que a Odebrecht está impedida de participar de novas contratações da companhia desde dezembro do ano passado por causa das denúncias investigadas pela Operação Lava-Jato que desencadearam apurações internas. Segundo a estatal, assim como as demais citadas na Operação Lava-Jato, os contratos da empresa são objeto de auditorias e comissões internas de apuração, paralelos ao andamento das investigações, cujos relatórios são compartilhados com o Ministério Público. Só no caso da Refinaria Abreu e Lima, atrasos no cronograma, aditivos e superfaturamentos levaram o orçamento da obra a saltar de US$ 2,4 bilhões para US$ 18 bilhões.

Depoimentos de delatores da Lava-Jato como o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco e o dono da Setal Engenharia, Augusto Mendonça, apontaram que as licitações por convite ajudaram a atuação do cartel que fraudava as licitações da estatal. Pelo modelo, os técnicos da Petrobras estimam um orçamento para um projeto e convidam empresas do seu cadastro para participar da licitação. As concorrentes fazem proposta sem conhecer o orçamento ou as outras participantes. Na abertura dos envelopes, o orçamento estimado é revelado, e vence quem oferece o menor preço mais próximo desse valor. Em seguida, executivos da estatal ainda negociam um desconto maior para assinar o contrato. Esse modelo facilita a ação do cartel porque as empresas podem combinar propostas a partir de informações confidenciais de executivos da Petrobras corrompidos. Com dados como o orçamento estimado pela estatal e a lista dos outros concorrentes, as empreiteiras podem direcionar uma concorrência sem levantar suspeitas de órgãos de controle.


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